Diz a máxima que enterrar cano não dá voto. E talvez isso explique porque o debate eleitoral sobre saneamento básico esteja longe do tamanho dos problemas brasileiros no setor.
Fernanda Mena – Jornal Folha de S.Paulo
Todos os dias, 207 milhões de brasileiros vão ao banheiro, mas 100 milhões deles (48%) ainda não têm acesso a coleta de esgoto —e apenas 45% do esgoto produzido no país é tratado.
Com isso, as cem maiores cidades do país despejam, diariamente, mais de 2.300 piscinas olímpicas de esgoto em mares e rios —os mesmos que alimentam bacias de onde será coletada e tratada água doce para o abastecimento humano e industrial. Hoje, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), mais de 110 quilômetros de rios do país estão poluídos.
Outras 6.000 piscinas olímpicas de esgoto são lançadas todos os dias diretamente no solo, segundo estudo do Instituto Trata Brasil a partir de dados do Ministério das Cidades.
Não é preciso, portanto, grande esforço para entender que saneamento básico é uma questão de interesse coletivo porque sua negligência resulta em problemas disseminados de saúde, meio ambiente e produção, que afetam a todos.
Especialistas e entidades do setor avaliam que o tema recebeu maior atenção dos candidatos à presidência da República nas eleições de 2018, ainda que de maneira desigual e longe da prioridade que enxergam como imprescindível.
Enquanto o programa de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral pelo líder das pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), nem sequer menciona os termos saneamento, água ou esgoto, o programa do candidato Guilherme Boulos (Psol) cita esses termos 72 vezes. O da candidata Marina Silva (Rede), tradicionalmente ligada às questões do meio ambiente, reúne 24 ocorrências dos mesmos termos.
“Não temos visto nos debates públicos o tema da água e do saneamento tendo prioridade. Deveria ser tema premente. Nenhum setor produtivo e nenhum ser humano sobrevive sem água, que é estratégica para o desenvolvimento social e econômico”, diz Ângelo Lima, diretor-executivo do Observatório da Governança das Águas, uma rede de instituições que monitora a governança do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e que avaliou as propostas dos candidatos à Presidência.
“O tema está mais presente nestas eleições, ainda que de forma superficial, ainda que sem propostas amadurecidas que digam como o setor será priorizado”, avalia Percy Soares Neto, diretor de relações institucionais da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).
Boa parte dos programas que tratam do tema almejam a universalização do acesso à água potável, hoje disponível, em média, para 83% dos brasileiros —mas que atinge níveis tão baixos quanto 39% entre os moradores de Macapá (AP) e 33% em Porto Velho (RO). Ainda há quase 34 milhões de brasileiros sem acesso à água potável, ou quase um Canadá inteiro de gente.
Alguns consideram o investimento em obras públicas para o setor como uma maneira de gerar emprego ao mesmo tempo em que se avança também na universalização do acesso ao esgoto. Ignoram, em boa parte, as perdas humanas e financeiras que o persistente déficit em saneamento básico promove.
EPIDEMIA
A falta de saneamento promove doenças. A lista é extensa e inclui hepatite A, dengue, febre amarela, leishmaniose, malária, zika, esquistossomoses, micoses e teníases, além de vários tipos de infecções diarréicas agudas, as principais responsáveis pela mortalidade infantil —um índice que voltou a crescer no Brasil, depois de 26 anos de queda.
Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018 apontou que 34,7% dos municípios do país tiveram algum tipo de epidemia ou endemia associada ao saneamento básico.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2017 o SUS gastou mais de R$ 100 milhões com internações de doenças ligadas à falta de saneamento e de acesso a água de qualidade.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a cada US$ 1 investido em saneamento são economizados US$ 4,3 em custos de saúde.
A falta de investimento na área, consagrada na Constituição Federal de 1988 como direito, é o principal entrave para a melhoria deste quadro.
O Plano Nacional de Saneamento Básico, de 2010, previu que, até 2023, 100% do território nacional fosse abastecido por água potável e que, até 2033, 92% do esgoto fosse tratado. Para tanto, seria necessário investimento anual de cerca de R$ 20 bilhões, o que não aconteceu desde então. A média de investimento médio nos últimos cinco, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem sido de cerca de R$ 13 bilhões.
Com isso, a universalização desses serviços seria atingida com quase 20 anos de atraso: em 2050. Segundo o levantamento da CNI, cada R$ 1 investido em saneamento traz R$ 2,5 de retorno ao setor produtivo.
Segundo Édison Carlos, presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, o que menos avança no setor é o combate às perdas de água no sistema. Hoje, em média, 38% da água já tratada e potável é desperdiçada no sistema, principalmente por causa de vazamentos nas redes de abastecimento (mas também por falhas de medição).
“Em 2016, perdemos R$ 10 bilhões de reais em água potável, que é quase o mesmo valor investido no setor nas cem maiores cidades do país: R$ 11,5 bilhões”, aponta.
Carlos explica que o aceitável é um nível de perdas abaixo de 15%.
Em 2007, a lei 11.445, que estabeleceu as diretrizes para a prestação de serviços do setor também determinou que todo município precisaria fazer um plano de saneamento básico, com diagnósticos, metas e programas, e atrelou o cumprimento desta norma à liberação de verba federal para a área.
Desde então, o prazo para cumprimento da determinação foi adiado quatro vezes e, segundo o IBGE, 60% dos municípios brasileiro ainda não têm este tipo de estudo, pré-requisito mínimo para lidar com o problema.
“O governo está sempre precisando de votos para alguma coisa, e os prefeitos levam suas reivindicações ao presidente em exercício, que adia novamente os prazos, fazendo com que a coisa não avance”, alerta Carlos, do instituto.
Enterrar cano pode não dar voto, mas tudo indica que dá saúde, rende lucro e protege o meio ambiente.
Abaixo, veja as propostas dos candidatos para o saneamento.
ALVARO DIAS (PODEMOS)
- Saneamento básico terá destaque nos investimentos do governo em infraestrutura
- Proteção de mananciais, gestão produtiva de cursos d’água e aquíferos
- Investimento de R$ 20 bilhões ao ano em esgotos tratados
CABO DACIOLO (PATRIOTA)
Não trata do tema
CIRO GOMES (PDT)
- Pacote de investimentos de cerca de R$ 300 bilhões ao ano dirigidos, entre outras áreas, ao saneamento básico e à coleta e tratamento de resíduos sólidos;
- Intensa expansão, tendendo à universalização, dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto;
- Dar celeridade aos processos de titulação de áreas de remanescentes de quilombos, dando apoio, entre outros, para saneamento básico e água potável.
EYMAEL (DC)
- Incentivar a construção civil por meio de políticas de saneamento básico.
FERNANDO HADDAD (PT)
- Considera o acesso a água como um direito humano e o saneamento como política pública “essencial” para promover esse direito
- Investir na gestão sustentável dos recursos hídricos, protegendo aquíferos e lençóis freáticos, recuperando rios, protegendo nascentes e ampliando o saneamento
- Garantir oferta de água regular e de qualidade para todos por meio de obras de adutoras, canais e barragens, políticas de reuso e reciclagem de água, promoção da eficiência hídrica e busca de fontes não convencionais, como dessalinização de água do mar
- Interromper os processos de privatização na gestão dos recursos hídricos, protegendo aquíferos estratégicos e lençóis freáticos
- Avançar com a política de saneamento ambiental integrado na busca da universalização da cobertura de água, coleta e tratamento de esgoto sanitário
- Ampliar iniciativas de saneamento rural, priorizando áreas do semiárido, da Amazônia Legal e da bacia do rio São Francisco, atendendo a comunidades indígenas, remanescentes de quilombolas e de reservas extrativistas, projetos de assentamento de reforma agrária e populações ribeirinhas
GERALDO ALCKMIN (PSDB)
- Concluir obras inacabadas
- Criar marco regulatório e agência reguladora
- Promover regeneração e preservação das águas em todos os seus usos
- Expandir a cobertura de saneamento nas periferias urbanas
- Ampliar a participação privada no setor
- Apoiar a formação de programas integrados em consórcios intermunicipais e regionais
- Criar um programa nacional de eficiência para apoio técnico a estados, municípios e prestadores de serviço públicos e privados
- Apoiar a capacitação regulatória dos diversos sistemas, a articulação dos serviços de saneamento com políticas regionais e loais de uso do solo, meio ambiente, saúde, habitação etc., e projetos de conservação de recursos hídricos, controle de perdas nos sistemas e economia de água
- Promover programas setoriais de pesquisa e inovação na área
- Garantir segurança hídrica nos estados nordestinos pela correta operação e manutenção da transposição do rio São Francisco
GUILHERME BOULOS (PSOL)
- Criação de um grande programa de obras públicas que irá expandir investimentos em saneamento básico para superação de desigualdades e carências
- Expandir a oferta pública de ensino superior, priorizando regiões de menor cobertura e cursos que promovam o desenvolvimento local, criando condições para a universalização do serviço público em áreas como o saneamento básico
- Criação de um Sistema Único de Cidades, que reúna produção, manutenção e reforma das cidades, com processos democráticos e participativos de planejamento e gestão
- Universalização dos serviços de saneamento e implantação efetiva da tarifa social para famílias carentes
- Implementar Lei Nacional e Plano Nacional de Saneamento
- Anulação de medidas consideradas retrógradas, como a MP 844/2018 (Marco Legal do Saneamento)
- Indução da adoção de soluções técnicas que permitam o gerenciamento de águas no período chuvoso e redução da carência na estiagem, estratégias de reuso
- Ampliar programas de construção de cisternas nos estados do polígono das secas
- Programas de saneamento rural autossustentados e autogeridos, dotados pelo governo de assistência técnica contínua
HENRIQUE MEIRELLES (MDB)
Cita setor ao indicar como prioritárias obras de “grande retorno social”, como as de saneamento básico
JAIR BOLSONARO (PSL)
Não cita os termos saneamento básico, água ou esgoto nem apresenta propostas para o setor
JOÃO AMOÊDO (NOVO)
- Universalizar o saneamento no Brasil como proposta de longo prazo
- Saneamento e recuperação dos rios, baías e praias do Brasil em parceria com o setor privado
JOÃO GOULART FILHO (PPL)
- Universalizar o acesso à água potável e aumentar o acesso aos serviços de esgoto de 51,9% para 80% da população em cinco anos
- Ampliar financiamentos da Caixa Econômica Federal aos Estados e municípios para viabilizar investimentos necessários à meta
- Aumentar a infraestrutura nacional, saneamento sendo uma delas, por meio do setor público
MARINA SILVA (REDE)
- Estabelecer metas concretas e efetivas de saneamento básico
- Aprimorar marco legal e ajustes nos mecanismos institucionais para um salto qualitativo e quantitativo na expansão do abastecimento, da coleta e do tratamento de esgoto
- Apoiar a criação de “capacidades institucionais” para que municípios elaborem Planos Municipais de Saneamento Básico
- Ampliar o investimento em saneamento, mantendo-o em ritmo constante e distribuindo recursos pelo território para superar desigualdades regionais
- Aumentar investimentos públicos para atrair setor privado em PPPs
- Revisão da política de subsídios cruzados entre município e usuários para favorecer regiões mais carentes
Investimento em pesquisa e inovação tecnológica para tornar sistemas mais eficientes, reduzindo custos e poluição - Priorização de modelos descentralizados, evitando grandes obras para a instalação de estações de tratamento e redes de coleta
- Difusão de uma cultura de cuidado com a água por meio de campanhas educativas e políticas públicas que induzam a economia da água, o aproveitamento das águas pluviais, a prática do reuso
- Cita área quando trata de obras estatais de infraestrutura com rápida e significativa produção de empregos formais
VERA LÚCIA (PSTU)
Cita o saneamento básico como setor da infraestrutura a ser beneficiado por um plano de obras públicas para geração de empregos.
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