Revista Velhas nº15: Entre a Serra do Espinhaço e o Sertão Mineiro

01/01/2022 - 15:36

Recanto bucólico de paz, a bacia do Rio Pardo une história e belezas naturais em cenários singulares

 

Quem não gosta de sair por aí passeando e conhecendo lugares bonitos? Encravada na Serra do Espinhaço, a bacia do Rio Pardo nos apresenta muitas surpresas como serras, cachoeiras, corredeiras, várias grutas com vestígios do homem pré-histórico e cursos d’água preservados. Uma região que chama a atenção pela tranquilidade e pelas paisagens bucólicas, que atrai muitos turistas.

O Rio Pardo é um importante tributário que garante uma recarga de vida e águas limpas ao Rio das Velhas. Sua nascente se localiza na Serra do Espinhaço, no município de Diamantina, e o curso d’água percorre 80 km até desaguar no Velhas, em Santo Hipólito.

Tendo como principais afluentes o Rio Pardo Pequeno e o Ribeirão das Varas, a sub-bacia do Rio Pardo drena parte do território dos municípios de Augusto de Lima, Buenópolis, Diamantina, Gouveia, Monjolos e Santo Hipólito. Na região, os Rios Pardo e Pardo Pequeno são conhecidos como Pardão e Pardinho.

A Unidade Territorial Estratégica (UTE) Rio Pardo é terra de Dona Orlanda Aparecida Souza Braga, de 68 anos. Na década de 1970 ela foi morar em Monjolos e, desde então, tem o Rio Pardo como inspiração. Desde pequena tem o dom de rimar, mas foi ajudando a neta a escrever uma poesia para um trabalho de escola que Dona Orlanda começou a escrever. De estudo, tem só até o “segundo ano de grupo”, mas lendo muito e acompanhando as mudanças das palavras consegue escrever uma poesia em cinco ou seis minutos. “Muitas falam sobre meio ambiente; a maioria delas. Sou ambientalista nata”, diz.

Dona Orlanda consegue identificar mudanças no meio ambiente. “O maior problema que eu acho é que o povo suja o rio. E o lençol vai só baixando e as nascentes secando. Isso tudo é a evolução do homem né?”. Se chamam de evolução, Dona Orlanda preferia não ter evoluído. “Nossa cidade é pequenininha e tem um monte de carro. Essa fumaça vai para um único lugar, que é a camada de ozônio. Hoje ninguém mais anda de cavalo ou bicicleta. A fumaça vai para camada de ozônio e o chorume para o lençol freático. E depois a gente bebe ele né? E depois a gente fica doente. Antigamente a gente tinha uma vida simples, mas todo mundo era feliz. A gente comia o que produzia, não existia agrotóxico, nada”.

Moradora de Monjolos, Dona Orlanda tem o Rio Pardo como inspiração para suas poesias.

Aprendizados e críticas que Dona Orlanda aprendeu no cotidiano, na vivência. Comparando a vida de hoje com a que tinha quando era moça, ela percebe muitas mudanças. “O que antes eram embrulhos de pano e de papel, hoje são plásticos que viram lixo e se espalham por toda cidade. Com a poesia, Dona Orlanda expressa a angústia de ver as coisas mudarem sem conseguir impedir o surgimento de tantos problemas. “Ninguém dá conta de solucionar mais não. Se dois quiserem, mais se dois não querem. O que podemos fazer? Rezar, só rezar. O que é bom hoje, é problema para o futuro. Os que vão vir vão sofrer demais”.

E se há tristeza em sua observação sobre o mundo, há muita alegria no viver. “Eu sou feliz demais. E falo com todos para cuidar do Pardo. E ainda digo: o campo da sabedoria é tão vasto que aquele que chama sábio ainda sabe pouco”, finalizou Dona Orlanda.

 

Herança histórica do garimpo

A história da região vem da época do garimpo, que hoje é também fonte de interesse turístico, como é o caso da antiga ponte ferroviária sobre o Rio Pardo, localizada em Monjolos, remanescente da principal via de acesso à Diamantina.

 

Antiga estação ferroviária de Barão de Guaicuí, distrito de Gouveia, onde passa a Trilha Verde da Maria Fumaça. Local foi transformado em centro cultural.

O antigo Ramal Ferroviário Diamantina-Corinto, inaugurado em 1914, deu lugar a uma ecovia chamada Trilha Verde da Maria Fumaça. Hoje percorrida por caminhantes, ciclistas e cavaleiros, o caminho oferece cenários e experiências únicos. Afinal, ela se estende por quase 100 quilômetros e faz a ligação entre a Serra do Espinhaço a leste e o Sertão Mineiro a oeste, unindo as localidades de Diamantina, Bandeirinha, Barão de Guaicuí, Mendes, Quartéis, Conselheiro Mata, Rodeador e Monjolos.

A UTE Rio Pardo está inserida na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, reconhecida, em 2005, pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como Patrimônio Mundial e integra o circuito da Estrada Real. A Cadeia do Espinhaço é uma das regiões mais belas de Minas que se prolonga pelas terras da Bahia, atravessando os vários sertões de Guimarães Rosa.

Com mais de três séculos de fundação, passando de povoado a arraial até chegar a município, Diamantina é uma cidade rica em história e tradições. Possui um patrimônio arquitetônico, cultural e natural rico e preservado. A sede do município não pertence à bacia do Rio das Velhas, mas grande parte da zona rural e de seus cursos d’água sim.

Terra de Chica da Silva, do inconfidente Padre Rolim e do presidente Juscelino Kubitscheck, Diamantina tem sua formação intrinsecamente ligada à exploração do ouro e do diamante. Em 1990, o município recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco e, atualmente, é uma das cidades históricas mais conhecidas e visitadas do país. O casario colonial, de inspiração barroca; as edificações históricas; as igrejas seculares; a belíssima paisagem natural e uma forte tradição religiosa, folclórica e musical conferem uma singularidade especial à cidade.

 

Mapa da UTE Rio Pardo

 

Corredeiras e quedas d’água

A UTE Rio Pardo também é reconhecida por suas belas quedas d’água. Conselheiro Mata é um distrito pertencente à cidade de Diamantina, criado em 1890 com o nome de Riacho das Varas e que chama a atenção pela quantidade de corredeiras de rara beleza. Além de bucólico, o lugarejo, com apenas uma rua principal, é emoldurado por casinhas coloridas e convidativas, além de ser cercado por 20 cachoeiras.

Uma delas é a cachoeira das Fadas, o cartão postal de Conselheiro da Mata. Com aproximadamente 30 metros de queda d’água cristalina, forma um poço propício ao banho. Cercada por densa mata de transição e de galeria e afloramentos rochosos, é um lugar maravilhoso para quem gosta de banhos, trilhas e lazer em área verde. Uma ótima opção para quem deseja sair da rotina das cidades urbanas e que está em busca de um momento de descanso e de encontro com a natureza.

Com 30 metros de queda e poço propício ao banho, Cachoeira das Fadas é uma das principais atrações de Conselheiro Mata (Distrito de Diamantina).

Com 30 metros de queda e poço propício ao banho, Cachoeira das Fadas é uma das principais atrações de Conselheiro Mata (Distrito de Diamantina).

Nem é preciso falar que as outras cachoeiras também são lindas. A dos Anjos fica próxima ao centro do distrito. Ali há várias quedas d’água não muito grandes e ótimas piscinas naturais para brincar.

Mas a mais cobiçada mesmo é a do Telésforo. São 18 quilômetros do centro de Conselheiro da Mata até lá. A cachoeira é simplesmente linda, assim como o Rio Pardo, que é ladeado por areia branquíssima e finíssima. Um verdadeiro oásis no meio da mata e das montanhas. A queda d’água é um dos mais belos atrativos naturais da Bacia do Rio das Velhas e merece ser apreciada.

Augusto de Lima, Buenópolis, Diamantina, Monjolos e Santo Hipólito também possuem cachoeiras. Nesses municípios o urbano e o natural são retratados em harmonia.

Espinhaço, ao fundo, próximo à localidade de São João da Chapada, onde nasce o Rio Pardo.

 

A importância de preservar

Conservar a biodiversidade do território do Rio Pardo, região tão importante em termos socioambientais e culturais, é um desafio. Alexandre Magno Gonçalves é um ambientalista de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que frequenta a bacia do Rio Pardo desde pequeno. “A região sofre com a supressão da vegetação para a expansão das atividades agrícolas, o que tem ocasionado o assoreamento de alguns cursos d’água. Noto que há uma falta de incentivo de práticas agrícolas ambientais corretas para os proprietários rurais. Muitos sabem da necessidade de preservar o meio ambiente, mas precisam do sustento que vem da terra. Sem o incentivo acabam ficando desacreditados com as questões ambientais”, disse.

Alexandre tem mobilizado a população e os gestores municipais em busca da revitalização e preservação do território.“Temos buscado parcerias para projetos de revitalização que envolvem a construção de bacias de contenção de água das chuvas, entre outras ações que possam melhorar a qualidade ambiental da região”, esclareceu.

Alexandre Magno tem mobilizado a população e o poder público em busca da revitalização do território do Rio Pardo.
Rio Pardo em Monjolos.

A UTE Rio Pardo ainda não possui instalado um Subcomitê, instância ligada ao CBH Rio das Velhas. No entanto, Alexandre Magno tem mobilizado a população. “Tenho dialogado com moradores da bacia do Rio Pardo e acreditamos que, unindo esforços, alcançaremos as melhorias necessárias.
Criar um Subcomitê na UTE Rio Pardo é um desafio, pois envolve a mobilização dos três segmentos da sociedade (poder público, usuários da água e sociedade civil organizada), mas é sem dúvida um objetivo que precisa ser alcançado”, afirmou.

Os Subcomitês são ferramentas importantes na gestão de recursos hídricos constituindo um avanço na descentralização da gestão das águas. Seus membros exercem a função de articuladores das entidades existentes na sub-bacia e possuem funções públicas relacionadas às questões ambientais,sociais e educacionais.

Fazenda em São João da Chapada (Distrito de Diamantina), cabeçeiras do Rio Pardo

 

Mergulho simbólico em Santo Hipólito marca a Meta 2010

Antiga Estação em Santo HipólitoEm 2003, o Projeto Manuelzão propôs o compromisso de revitalizar a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas até o ano de 2010. Dois anos depois, a proposta passou a fazer parte da carteira de projetos do governo do estado de Minas Gerais, surgindo assim a Meta 2010 e, posteriormente, a Meta 2014: navegar, pescar e nadar no Rio das Velhas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A Meta, respaldada pelo Plano Diretor do CBH Rio das Velhas, definiu estratégias, ações de saneamento e a recuperação ambiental, visando alcançar a melhoria das águas e a volta dos peixes ao rio.

Em 2007, o então governador, Aécio Neves, afirmou que nadaria no Rio das Velhas – em trecho da RMBH – quando o projeto de revitalização da bacia começasse a dar resultados. Três anos depois, ele e o já empossado novo governador, Antônio Anastasia, cumpriram a promessa de nadar no rio, mas distante da Grande BH, em Santo Hipólito.


Natação Rio das Velhas Meta 2010 / Meta 2014 em Santo Hipólito (MG)


Com as Metas 2010 e 2014 os resultados foram significativos, principalmente na região do Baixo e do Médio Rio das Velhas. Essas áreas, beneficiadas pelas intervenções na RMBH, apresentaram melhorias significativas na qualidade das suas águas.

Os avanços, contudo, não foram suficientes para que o objetivo de nadar nas águas do Rio das Velhas na Grande BH fosse concretizado, em função do alto índice de coliformes fecais na região. Apesar desse ponto negativo do balanço, foram positivos os avanços na política de saneamento básico na bacia, o que tem possibilitado a volta dos peixes ao rio e a diminuição na ocorrência de mortandades.

Rio das Velhas próximo à foz do Rio Pardo, em Santo Hipólito.

 

Barragem não!

Também em 2010, a UTE Rio Pardo foi palco do Movimento Contra a Barragem no Rio das Velhas. À época, o vilarejo centenário de Senhora da Glória, município de Santo Hipólito, corria o risco de ser inundado pelas águas do Rio das Velhas. A população de Senhora da Glória, aterrorizada com a possibilidade de ter suas casas, histórias e vidas submersas, reagiu. Seus moradores acreditaram na mobilização como força para impedir a obra.


Movimento contra a Barragem no Rio das Velhas em Senhora da Glória 2010 – Rogério Sepúlveda


A região de Senhora do Glória estava entre as cinco áreas mineiras escolhidas pelo governo federal para construções de barragens cujo objetivo primordial seria a reserva de água para a regularização da vazão para a transposição das águas do Rio São Francisco. As represas funcionariam como caixas d’água, que regularizariam a vazão do Velho Chico no período de estiagem. Elas não auxiliariam o abastecimento humano nem a produção energética.

Estudos realizados pelo CBH Rio das Velhas comprovaram a inviabilidade e os danos ambientais que seriam causados pela construção do barramento. A represa se transformaria num grande lago que exportaria algas tóxicas para o Rio São Francisco.

Barragem no Rio das Velhas inundaria o vilarejo histórico de Nossa Senhora do Glória, distrito de Santo Hipólito. À direita, Apolo Heringer Lisboa (Projeto Manuelzão), Rogério Sepúlveda (então presidente do CBH Rio das Velhas), Antônio Anastasia (então governador de Minas Gerais) e outras lideranças em ato contrário à construção de barragem no Rio das Velhas.


Veja mais fotos da região!


 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Fotos: Álvaro Gomes, Fernando Piancastelli, Leandro Durães e Lucas Nishimoto