Mais um Projeto de Lei tenta transferir parte da Estação Ecológica de Arêdes para a mineração

25/10/2023 - 20:35

Na esperança de que o ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” acabe surtindo efeito, tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) mais uma investida para desafetar parte da Estação Ecológica Estadual (EEE) de Arêdes, de proteção integral e uso restrito, localizada no município de Itabirito, e destinar a porção à atividade minerária.


De autoria do deputado João Magalhães (MDB), líder do governo Zema desde agosto de 2023, o Projeto de Lei (PL) nº 387/23 acrescenta à Unidade de Conservação (UC) 61 hectares e exclui outros 27,9, uma área, diz o autor do PL em sua justificativa, “notoriamente antropizada e desprovida de relevância ambiental e arqueológica”.

Edton Barbosa, integrante da ONG União Ambientalista de Itabirito (UAI) e membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente (CODEMA) da cidade, discorda e lembra que o PL 387 é “a terceira tentativa de desafetação dos limites da EEE Arêdes”.

As duas anteriores resultaram nas leis 21.555/2014 e 22.796/ 2017, ambas declaradas inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça, a primeira por vício no processo legislativo, pela ausência de relação temática entre o PL e a emenda parlamentar (as chamadas “emendas Frankenstein”), e a segunda por ausência de estudo prévio referente à alteração da área da UC.

Comitê atento

A tramitação chamou a atenção dos Subcomitês Nascentes e Rio Itabirito, os dois coletivos do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) situados no alto curso do maior afluente do rio São Francisco, ainda em agosto.

Reunião conjunta dos Subcomitês aprovou ofício endereçado à diretoria do CBH Rio das Velhas no qual destacava o “contexto histórico-ambiental” da área que o PL pretende desafetar, que tem “a presença de estruturas que remetem ao Ciclo do Ouro do Brasil Colônia, bem como a manutenção da quantidade e qualidade dos recursos hídricos que contribuem para o abastecimento de Itabirito”.

O ofício alertava para o fato de que, “apesar da desapropriação das propriedades inseridas nos limites desta Unidade de Conservação, os direitos minerários continuam ativos, motivo pelo qual, Arêdes se tornou alvo das diversas tentativas de desafetação ao longo do tempo”.

Os mencionados direitos pertenceram à Minar Mineração Arêdes Ltda, empresa que os teria comercializado após a criação da UC, em 2010. O grupo Toledo, do Espírito Santo, do ramo de rochas ornamentais, mas iniciando exploração mineral em Minas, seria um dos novos sócios.

Os Subcomitês apontaram vários e graves riscos na desafetação, entre eles a “inviabilização de projetos ambientais em curso no interior da UC, a perda da zona primitiva, definida no Plano de Manejo, considerada a área mais sensível de Arêdes, com a presença de espécies endêmicas e ameaçadas da flora, e o aumento do isolamento das espécies da fauna”, pois a UC “serve de corredor ecológico na região tipicamente minerária”.

Ronald Guerra, atual vice-presidente do CBH Rio das Velhas e conselheiro de ambos os Subcomitês, considera que “o assunto precisa ser bem mais discutido”. Existem, diz, “muitos interesses minerários no território e se trata de UC rodeada pela mineração, como as empresas Herculano, Vale e Gerdau”. É preciso “muito cuidado na análise. Sabemos que o IEF [Instituto Estadual de Florestas] é atualmente muito sensível às pressões que sofre”, arremata.

A diretoria do CBH Rio das Velhas acolheu a demanda e oficializou ao presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ALMG, deputado Tito Torres (PSD), pedido de “discussão técnica sobre o tema e participação da sociedade civil”.

O PL recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça em maio e entrou na pauta da Comissão de Meio Ambiente nesta quarta-feira (25). O parecer do relator Gustavo Santana (PL), também favorável, foi distribuído para análise dos componentes. A votação ainda não tem data definida.

Valor incalculável

Barbosa, do CODEMA itabiritense, vê na UC um “valor incomensurável cultural, histórico e patrimonial, que se destaca, especialmente, pelo contexto ambiental”. Ele explica: “Arêdes reúne os mais altos mananciais de água da região e é área de topo de morro, de recarga aquífera, com diversas nascentes que contribuem para a bacia hidrográfica do Córrego do Bação, no flanco leste, próximas às ruínas arqueológicas”.

Já no “flanco oeste”, “impacta diretamente córregos que deságuam no Ribeirão do Silva”, que, por sua vez, ao se unir ao Córrego Almas, vem a “formar o Ribeirão Mata Porcos, importantíssimo tributário que contribui com 40% do volume de água do Rio Itabirito”. Além disso, Edton Barbosa ressalta os “campos rupestres, principalmente o do tipo ferruginoso”.

Outros especialistas da área ambiental fazem coro aos argumentos de Edton. Parte da área proposta para desafetação é a chamada zona primitiva, a mais sensível numa UC, que não pode ter qualquer uso direto nem benfeitorias. Nela se encontram canais de drenagem do Século XVIII, ruinas, tanque de drenagem e aqueduto do mesmo período.

A relevância da Estação Ecológica já rendeu até o livro “Arêdes – recuperação ambiental e valorização de um sítio histórico arqueológico”, que tem como organizadores os arqueólogos Alenice Baeta e Henrique Piló.

O restante da área disputada se refere à barragem que pertencia à própria Minar, descomissionada por acordo judicial, mas ainda não devolvida à UC pela ausência das devidas intervenções de recuperação ambiental.

Polêmicas

Duas das principais alegações do deputado Magalhães são refutadas com veemência por ambientalistas e técnicos do setor, testemunhas de que o principal objetivo de Arêdes, a proteção do patrimônio arqueológico, vem sendo firmemente cumprido.

A primeira alegação diz que, “transcorridos mais de 12 anos desde a criação da EEE Arêdes, tem-se que (…) seus objetivos não foram concretizados”, e afirma que “a UC ainda não teria sido adequadamente estruturada, bem como que não teria sido realizada a devida regularização fundiária da sua área.”

Afora soar óbvio que eventual falta de estrutura não justifica “utilizar propriedade pública que hoje é Unidade de Conservação para fins privados”, como registra o ofício dos Subcomitês do CBH Rio das Velhas, todas as três glebas integrantes da UC pertencem ao Estado de Minas Gerais, sendo duas diretamente do IEF. Tudo está devidamente documentado, faltando apenas a transferência da última gleba ao órgão ambiental.

Ao todo, já são 13 anos de reconversão de territórios e proteção amplamente documentados no livro de Baeta e Piló.

Outra proposta do PL deixa muitas dúvidas: “declarar de utilidade pública e de interesse social, para desapropriação de pleno domínio, os terrenos e as benfeitorias necessários à implantação e à ampliação da Estação Ecológica”, referindo-se aos 61 hectares que seriam incorporados à UC.

O problema é que essas terras, alerta Barbosa, além de serem “área de pastagem”, não são “de propriedade da mineradora, que muito provavelmente procurará delegar esta incumbência legal e pecuniária ao estado”.

Onças e lobos

A prefeitura de Itabirito, por meio de sua Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, acompanha o caso de perto. Frederico Leite, titular da pasta e coordenador do Subcomitê Rio Itabirito, informa: “Participamos da primeira audiência pública da ALMG e da visita técnica. É uma unidade estadual, o processo se dá no âmbito da ALMG e não temos nenhum poder de decisão, mas é uma área prioritária para a conservação”.

Ele cita, como exemplos da necessidade de preservação, “o Ribeirão Silva, o fato de a área funcionar como corredor ecológico, as nascentes e a fauna de grande porte, como as onças pardas e os lobos-guará”.

Leite anuncia que a prefeitura inclusive está “procurando parcerias para que a comunidade do entorno seja capacitada a lidar com isso, em caso de avistamento de mamíferos de grande porte”.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: Michelle Parron; Leo Boi; Leo Ramos