Marcus Vinicius Polignano, Presidente do CBH Rio das Velhas, faz um balanço das atividades do Comitê e aponta mecanismos de gestão das águas.
Texto: Natália Fernandes Nogueira Lara
Fotos: Bianca Aun e Michelle Parron
1) Qual o papel principal do CBH Rio das Velhas?
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas tem um papel legal, por tratar-se de um órgão de Estado, estruturado pela Lei 9.433, ao mesmo tempo em que dispõe de algumas prerrogativas em relação a gestão dos recursos hídricos. Podemos dizer que o Comitê foi a forma estabelecida na Lei para que houvesse uma instância de deliberação tripartite, envolvendo sociedade, setor produtivo, governo, usuários e empresários. Com isso, propicia-se um processo de discussão sobre as questões mais importantes na gestão da Bacia, fazendo propostas que estarão principalmente relacionadas no chamado Plano Diretor.
2) O que seria o Plano Diretor de Recursos Hídricos?
No Plano diretor nós tentamos estabelecer a ligação entre os problemas, os desafios que temos e como podemos pactuar a gestão das águas no âmbito do Comitê de Bacia. Para isso nós precisamos de um espaço de diálogo, o qual é propiciado pelo Comitê. O foco está no estabelecimento de diretrizes para a gestão da Bacia e o pacto de ações que visem a revitalização da mesma.
3) Podemos dizer que os Subcomitês são facilitadores dessa gestão?
Primeiro é importante entender a estrutura do Comitê. Do ponto de vista de constituição formal temos a Diretoria, a Plenária com os representantes eleitos e as Câmaras Técnicas (Outorga e Cobrança; Planejamento, Projetos e Controle; Educação, Mobilização e Comunicação; e Institucional e Legal). As câmaras propiciam o debate e a consolidação das propostas que são levadas para as plenárias.
E nós temos algo inovador, implantando pelo Comitê do Rio das Velhas, que é a participação descentralizada, através dos Subcomitês. Então os Subcomitês são entes criados pelo Comitê devido ao entendimento de que embora a Bacia seja única, dentro dessa unicidade há uma diversidade de relações tanto sociais quanto ambientais. Cada Sub Bacia tem uma realidade específica, que acumulou inclusive valores históricos e culturais diferenciados. Nesse sentido, os Subcomitês tornam a mobilização mais permeável a essa estrutura vertical e mais próxima, mais participativa, mais interativa. Além de que os Subcomitês fomentam e subsidiam os debates.
4) Fazendo uma avaliação, um balanço do Comitê nos últimos anos, quais ações podemos destacar como mais relevantes?
Eu diria que a mais importante e fundamental foi a estruturação do próprio Comitê. No início tratava-se de uma estrutura muito frágil na sua institucionalização, não tinha sede, não tinha recursos. Durante muito tempo o projeto Manuelzão abrigou a sede do Comitê.
Com a implementação da cobrança pelo uso da água, houve a possibilidade dos recursos e a consolidação da AGB Peixe Vivo. Isso proporcionou uma nova capacidade, com planejamento de bases e diretrizes, através do qual vem ocorrendo uma estruturação organizacional e operacional ao Comitê.
O ano de 2014, eu diria que foi de muitos desafios e dificuldades. Mas conseguimos nos reorganizar e acabamos nos consolidando ainda mais. Na nossa visão, hoje para um Comitê funcionar é preciso três pilares básicos: mobilização, comunicação e informação. Esses são essenciais para que possamos tomar decisões, discutir problemas e apontar soluções. Ampliamos a mobilização com a criação de mais dois Subcomitês. Organizamos o fluxo dos Projetos Hidroambientais. Investimos na aproximação com o poder público municipal, as prefeituras. Tivemos em todas as plenárias a apresentação dos planos municipais de saneamento. Contratamos uma empresa para a implantação do programa de comunicação e consolidamos as inovações com a AGB Peixe Vivo.
Foi um ano de consolidações e estruturações.
5) Quais são as principais ações previstas para 2015?
Nossa próxima meta é a implantação de um sistema de informação.
Nós precisamos de um banco de dados gerido pelo Comitê que possa nos dar base de assuntos fundamentais como os processos de outorga e as vazões do rio. O tripé educação, comunicação e informação é suporte para o
Comitê tomar as melhores decisões.
6) Estamos passando por uma crise hídrica, pelo visto ela veio para ficar e estamos longe de uma solução. Na sua avaliação, qual o principal fator que levou a esta situação?
Quando você tem um sistema que já está em exaustão com problemas de gestão, quando ocorre a limitação de um fator, há um estado de choque. A situação complicada do sistema já era conhecida. O próprio Comitê no final de 2013 havia identificado situação de conflito pelo uso da água na região do Alto Rio das Velhas, na oportunidade nós acionamos o IGAM para que fizesse uma intervenção nesse processo. A diminuição da chuva, que por sinal não foi nada exorbitante (saímos de uma chuva média de 1200 mm e chegamos em 900 mm), não se compara a situação do semi árido brasileiro. O que houve foi um aporte menor do que o esperado, cerca de 20% a 30% menos. Nós não podemos ter uma visão antrópica de que só precisamos de água para consumo das cidades ou para indústria. O rio é maior que a nossa necessidade, o rio tem que sobreviver na sua lógica, no seu sistema, no todo.
7) Por onde passa o caminho das soluções para esse problema?
Não adianta tratar pedaços do rio, não resolverá. Nós estamos nessa crise exatamente porque nós tratamos partes e não o todo. O rio está morrendo. É preciso rever tudo. Se não fizermos agora, tendo conhecimento de que o sistema é complexo e tomar atitudes no sentido de reverter processos, a política atual não dará suporte para vida do rio. Nós temos também problemas de demanda. Passa pela lógica da demanda e da produção, por que na medida em que eu não preservo a nascente, a recarga do rio, não é sustentável. Temos observado que o Rio das Velhas atingiu o seu nível de baixa vazão em um período muito anterior ao que ele atingia. O que antes ocorria em agosto, este ano ocorreu em maio. Eu diria que nós estamos em um dilema que é de civilização mesmo. Ou seja, o que queremos? Vamos preservar os rios e as bacias ou tentaremos políticas locais através das quais vencerá o mais forte? Esses são os grandes desafios que temos para 2015.
8) O Comitê vinha trabalhando e com a crise intensificou suas ações de mobilização e conscientização da população, certo?
O Comitê vai bem quando o Rio das Velhas vai bem. Não adianta o Comitê estar estruturado e não existir rio para gerir. E olha, eu não tenho dúvida, pelo menos do ponto de vista da ação política, o Velhas é um dos melhores comitês que a gente tem. E com certeza um dos mais politizados, não no sentido partidário ou deste ou daquele segmento. O Comitê tem o papel de mostrar à sociedade e a todos os setores o que está em jogo. Nós não podemos fazer do Comitê um mero instrumento burocrático de acumulação de papeis ou de plenárias sem horizonte de verdades sobre a bacia hidrográfica. Inclusive uma das coisas que a gente faz questão de introduzir em todas as plenárias são imagens do rio, para lembrar a todos qual é o motivo de estarmos ali. As imagens têm o objetivo de sensibilizar não só a retina, mas também o poder de decisão.
9) O senhor tem falado em governança da água. No que consiste esta governança?
A Lei 9433 criou o sistema nacional de recursos hídricos. De um lado ele institui o Comitê e do outro, demais instâncias que respondem pela execução de determinadas atribuições, como o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e o IGAM. O que a gente vê é uma falta de harmonia nessas relações. Entre o que o Comitê decide, propõe e conhece, daquilo que o IGAM libera de outorga, por exemplo. Falta um alinhamento e nem sempre fica claro quais interesses estão em jogo. O Comitê tenta pautar aquilo que é de interesse da bacia, com base no conhecimento e experiência, aquilo que diz principalmente da necessidade de preservação. Enquanto que os outros órgãos de estado sofrem uma influência muito pesada dos fatores econômicos. Não podemos minimizar a complexidade do que estamos vivendo. A gestão das águas tem se mostrado sem controle, imprevisível. Trata-se de um sistema aberto, que sofre interveniência de mil fatores, ainda mais agora com as mudanças climáticas, ficam mais incertezas do que
certezas. Ou seja, estamos mais vulneráveis e daí o problema da falta de governança. Como conhecemos as premissas, as questões naturais cujas mudanças não estão ao nosso alcance, é preciso fazer a gestão do que é possível. E não é fazer gestão de crise, mas sim gerir corretamente, antecipar os fatos e problemas. Nós precisamos de políticas de estado para a governabilidade da água em todas as esferas (união, estados, municípios). É preciso transcender governos, épocas e interesses. Não podemos nos dar ao luxo dos interesses particulares.
10) A crise abriu mais espaço para o diálogo?
Em certa medida sim. A construção é coletiva e precisa ser pactuada. Ainda que haja divergências, todos precisam aceitar que certas decisões são necessárias, o pacto não precisa partir de um consenso absoluto, mas sim do entendimento de que algo precisa ser feito para o bem comum e que está acima de nossas vontades. Se você procurar o setor industrial, agrário, industrial, mineral, a sociedade civil e os usuários, todos reconhecerão o papel do Comitê. Isso foi um ganho. As pessoas entenderam que apesar de todos os desafios e do caos que estamos vivendo, o Comite é a forma mais próxima que temos de organização da sociedade para debater um bem comum, no caso de um patrimônio como as águas do rio. E não há outro caminho.
11) O projeto do CBH Rio das Velhas ‘Valorização das Nascentes Urbanas nas Bacias Hidrográficas dos Ribeirões Arrudas e Onça’ foi finalista no Prêmio ANA. Qual a importância desta conquista?
São projetos que mostram o arrojo do comitê, a iniciativa, a inovação e a capacidade de tentar responder às necessidades. Nesse sentido é muito relevante e destaca essas iniciativas para tentar solucionar grandes desafios, mas os quais precisamos tentar vencer. Nós consolidamos as propostas que serão intensificadas em 2015 através dos projetos hidroambientais. Estamos trabalhando nesse sentido, fazendo com que os recursos potencializem as ações de mobilização e impulsionem as ações para recuperar os rios. A exemplo dos planos de saneamento que foram financiados pelo Comitê. Trata-se do primeiro passo, pois com o plano a prefeitura consegue buscar recursos para implantar seu sistema de tratamento de água e esgoto. Enfim, a premiação nos qualifica, dá visibilidade, mas não é suficiente. O desafio que temos é muito grande.
12) Uma mensagem final para nossos leitores.
Gostaria de ressaltar que o Comitê esteve sempre presente e na vanguarda na gestão do Rio das Velhas. No momento em que a crise da água não era mencionada, o Comitê já havia acionado o IGAM. Quando a escassez veio, fomos para a mídia explicar que o problema estava para além da falta de chuva, que envolvia outras questões do sistema. Quando houve o rompimento da barragem em Itabirito, estivemos presentes. E sempre tivemos uma Plenária extremamente atuante.
É preciso destacar a questão do comprometimento, pois o Comitê não remunera ninguém, presidente, diretoria, membros da sociedade, nem os Subcomitês. Isso é voluntarismo e capacidade de doação. Do fundo do meu coração, me sinto muito honrado por ser presidente deste Comitê e agradecido a todos. O Comitê está crescendo. Ainda, não é o suficiente para dar conta de toda a dimensão do desafio que temos, mas estamos chegando lá. Eu espero que se fortaleça com a ação coletiva e que isso se traduza na sobrevivência do bem maior que temos, que é o Rio das Velhas.