
Congresso afrouxa regras e presidente sanciona lei com vetos; em Minas, propriedades rurais de até mil hectares têm licenciamento dispensado
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou com vetos, no dia 8 de agosto, o projeto de lei aprovado no Congresso que fragiliza regras para o licenciamento ambiental. Dos quase 400 dispositivos da lei que receberam aval no Legislativo, o presidente vetou 63, evitando a implementação da licença automática, reforçando a proteção de áreas sensíveis e garantindo a exigência de estudos de impacto ambiental para projetos prioritários.
A lei é oriunda do Projeto de Lei nº 2159/21, que foi aprovado pelo Congresso em julho deste ano. O texto vinha sendo duramente criticado principalmente por flexibilizar regras do licenciamento ambiental e por representar riscos significativos à proteção do meio ambiente e das bacias hidrográficas, como a do Rio das Velhas.
O objetivo dos vetos foi, segundo o governo e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, fortalecer a proteção ao meio ambiente, mas sem fechar portas de negociação com o Congresso. Em outras palavras, não atendeu todas as expectativas dos ambientalistas, mas diminuiu exageros que fizeram com que fosse chamado pelos ambientalistas de “PL da Devastação”. Por outro lado, agradou investidores e empreendedores ao manter a Licença Especial Ambiental, que é um processo simplificado, em casos de obras de infraestrutura consideradas de grande importância para o país.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou a importância dos ajustes na nova lei para que o Brasil chegue às metas ambientais e climáticas já anunciadas. “Eu já sinalizava que nós iríamos fazer vetos estratégicos para preservar a integridade do licenciamento. E isso ficou assegurado. Então, as nossas metas em relação a desmatamento zero e a reduzir entre 59% e 67% das emissões de CO₂ estão perfeitamente mantidas, porque você não tem a abdicação do processo de licenciamento”, disse.
Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva destacou a importância dos vetos em relação às metas climáticas do país
Foram vetados itens que transferiam da União para os estados a responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento, como os critérios de porte e de potencial poluidor. A intenção foi garantir a obediência a padrões nacionais e evitar concorrência entre estados para atrair investimentos, com riscos de “guerra ambiental” que poderiam fragilizar a proteção do meio ambiente.
No entanto, a decisão do presidente da República será devolvida ao Congresso, que pode derrubar os vetos presidenciais e restaurar a versão anterior. O governo, no entanto, aposta no diálogo para manter as modificações.
PL da Devastação
O Projeto de Lei nº 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), foi aprovado pelo Congresso com o objetivo de uniformizar e simplificar os processos de licenciamento em todo o país. No entanto, foi duramente criticado por ambientalistas e teve parte modificada pelo Executivo.
Entre os principais pontos, destacou-se a reformulação da base do licenciamento ambiental brasileiro ao flexibilizar regras e permitir a dispensa de licenças para uma série de atividades, especialmente no setor agropecuário. A lei ampliou o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) inclusive para empreendimentos de médio impacto, por meio de autodeclaração e sem análise técnica prévia – medida que contraria decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e ignora o princípio da precaução.
O texto também desvinculou o licenciamento da outorga de uso da água e da regularização do solo, fragilizando a gestão ambiental integrada e aumentando o risco de degradação e conflitos. Além disso, enfraqueceu a participação de órgãos técnicos como a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), cujas manifestações deixaram de ter poder de veto, mesmo em casos que envolvem territórios não regularizados e unidades de conservação.
As condicionantes ambientais foram fragilizadas e o projeto de lei não estabeleceu critérios nacionais mínimos para o licenciamento, repassando a definição aos estados e municípios, o que, segundo especialistas, pode gerar insegurança jurídica.
Para o Senado, a medida representou uma resposta à “burocracia excessiva” que emperrava investimentos no país. Segundo a senadora Tereza Cristina (PP-MS), a legislação ambiental brasileira era um “cipoal” com mais de 27 mil normas. A nova lei, na avaliação de seus defensores, trará segurança jurídica e agilidade à liberação de projetos.
Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo do PL 2159/21na madrugada de 17 de julho; Ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina foi uma das principais articuladoras do PL no Senado
FIEMG avalia vetos como retrocesso
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) classificou como um grave retrocesso o veto presidencial a 63 dispositivos da nova Lei de Licenciamento Ambiental e a apresentação de uma Medida Provisória e de um Projeto de Lei para suprir as lacunas deixadas pelos vetos. Para a entidade, a decisão do governo compromete o desenvolvimento sustentável do país. Em resposta, a FIEMG atuará pela derrubada das restrições junto aos parlamentares, como parte do movimento lançado no último mês: “Licenciar não é destruir”.
Segundo a Federação, os vetos enfraquecem um marco regulatório que, embora não tenha alterado parâmetros de proteção de áreas de preservação permanente, reservas legais, emissões atmosféricas e efluentes líquidos, trouxe celeridade, previsibilidade e segurança jurídica ao processo de licenciamento no Brasil — condição essencial para atrair investimentos, destravar obras públicas e gerar empregos.
“Eu acredito que os vetos são um retrocesso para o país. Infelizmente, nessa pauta ambiental, as pessoas não compreendem a função do licenciamento, que é fazer com que as empresas sigam a lei. E a nova lei do licenciamento não alterou nenhum parâmetro do que as empresas têm que fazer ou não do ponto de vista ambiental, ela só deu celeridade e segurança jurídica ao processo”, disse o presidente da FIEMG, Flávio Roscoe, em entrevista à imprensa, no dia 08 de agosto.
Na avaliação da FIEMG, a decisão do governo federal de vetar 63 dispositivos desrespeita o Congresso Nacional, a Constituição da República — em especial o seu artigo 23 —, bem como a Lei Complementar nº 140/2011. A entidade destaca que o texto foi discutido por mais de 20 anos no Legislativo e aprovado pela primeira vez na Câmara dos Deputados em 2021, com 300 votos favoráveis e 122 contrários. Na votação de retorno, em julho deste ano, recebeu 267 votos a favor e 116 contrários. No Senado, foi aprovado em maio de 2025 por 54 votos a 13.
Manifesto e crítica de organizações
Mais de 350 entidades de diferentes áreas lançaram um manifesto conjunto contra a proposta, entregue a parlamentares e integrantes do governo. O grupo reuniu movimentos populares, organizações indígenas, ambientalistas, instituições acadêmicas e sindicais, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Observatório do Clima.
Físico integrante do IPCC, Paulo Artaxo foi uma das principais vozes contra o PL então aprovado no Congresso
Para a SBPC, a lei representava o maior retrocesso ambiental desde a redemocratização e era incompatível com os compromissos do Brasil no Acordo de Paris. O físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos principais cientistas do IPCC (Painel Climático da Organização das Nações Unidas – ONU), afirmou que a medida desestruturava um dos instrumentos centrais de proteção ambiental no Brasil. “Essa lei modifica, para pior, todo o processo de licenciamento ambiental no nosso país. O licenciamento é o instrumento que o Estado tem para proteger os bens públicos: nossos rios, florestas e o ar que respiramos”, disse.
O CBH Rio das Velhas também manifestou repúdio à aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei, por meio de Nota Pública. “Consideramos esta proposta um retrocesso sem precedentes na política ambiental brasileira. O texto aprovado desmonta os pilares do licenciamento ambiental no país, ignorando deliberadamente a gravidade da crise climática, os compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais e os princípios constitucionais que garantem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, destacou a nota.
Reflexo em Minas Gerais
Em paralelo ao cenário nacional, Minas Gerais seguiu a mesma trilha e anunciou a dispensa de licenciamento ambiental para propriedades rurais de até 1.000 hectares voltadas à pecuária extensiva e ao cultivo de lavouras anuais. Além disso, o Governo de Minas pretende reenquadrar a atividade pecuária como de pequeno potencial poluidor no estado. A decisão foi apresentada em junho pelo governador Romeu Zema (Novo) e aprovada no dia 24 de julho pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Com a alteração, algumas atividades agropecuárias, sobretudo a criação de animais em regime extensivo (como gado, cavalos e cabras) e o cultivo de lavouras (como milho, café e soja), passam a ser classificadas como de baixo potencial poluidor para o ar e a água. Além das mudanças para o setor agropecuário, o Copam também aprovou, na mesma reunião, uma proposta da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI) que retira um critério usado para avaliar o impacto ambiental de empreendimentos em geral. Esse critério dava peso máximo a projetos em áreas com vegetação considerada muito importante para a conservação da natureza. Com a mudança, empreendimentos nessas regiões poderão passar por processos de licenciamento mais simplificados.
A secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Melo, foi responsável por dar os anúncios durante o evento Megaleite 2025. Em sua fala, a titular da pasta defendeu que ocorra uma promoção de desenvolvimento sustentável no estado, mas afirmou que o meio ambiente não poderia ser “entrave”, nem ter “amarras burocráticas”.
Anúncio sobre dispensa de licenciamento em MG foi feito pela secretária de Meio Ambiente, Marília Melo, durante o evento Megaleite 2025
A primeira medida anunciada é voltada aos setores de pecuária extensiva (criação de gado) e de culturas anuais, como café, soja e milho. Conforme Marília, a dispensa do licenciamento ambiental para essas prioridades, de até mil hectares, será pautada pelo Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental). “Isso significa oportunidade de regularização ambiental aos produtores rurais, que prestam importante serviço ambiental para toda a sociedade. Nosso estado tem 30% de vegetação nativa, então, nossa agricultura em Minas é sustentável”, argumenta.
A dispensa do licenciamento ambiental para propriedades rurais de até 1.000 hectares foi considerada, pelo presidente da Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais), Antônio Pitangui de Salvo, uma medida importante para a evolução do setor. “A mudança vai facilitar muito, tanto para os órgãos ambientais na sua fiscalização, que deixarão de exigir um papel, que na realidade não protege o meio ambiente. Por outro lado, traz melhorias para a produção mineira, na qual essa licença ambiental nada mais era que uma burocracia cara e dificultosa, principalmente para os pequenos produtores”, afirmou.
No entanto, para pesquisadores e defensores da causa ambiental, a dispensa no licenciamento ambiental trata-se de mais um passo perigoso na direção oposta à preservação. O coordenador do Projeto Manuelzão e vice-presidente do CBH do Rio São Francisco, Marcus Vinícius Polignano, vê a decisão como um retrocesso. “Dispensar o licenciamento para áreas de até 1.000 hectares é ignorar a complexidade ambiental. São grandes áreas, com impactos acumulativos e sistêmicos. Não se trata de ideologia, mas de responsabilidade com o futuro”, alertou.
Além dessa mudança, a secretária de Meio Ambiente também anunciou que uma portaria do IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) instituirá uma outorga sazonal nas bacias do Rio São Francisco e do Paraíba do Sul. No caso, haverá 50% a mais de disponibilidade hídrica no período de chuva para fomento da agricultura irrigada nas regiões.
Coordenador do Projeto Manuelzão e vice-presidente do CBHSF, Marcus Vinícius Polignano crê em retrocesso com a nova medida em Minas.
O professor Klemens Laschefski, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi direto: “O que está em curso é a desconstrução do Sistema Ambiental do Estado de Minas Gerais. A flexibilização não visa ajudar os pequenos produtores, mas blindar os grandes empreendimentos de suas responsabilidades socioambientais”, afirmou.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos:Lula Marques/Agência Brasil; José Cruz/Agência Brasil; Marcos Oliveira/Agência Senado; Cristiano Machado/Imprensa Minas; Cristiano Costa