A busca por um Rio das Velhas mais saudável já foi um dia política pública no estado de Minas Gerais. Em 2003, o Projeto Manuelzão propôs o compromisso de revitalizar a bacia até o ano de 2010. Em 2005, a proposta passou a fazer parte da carteira de projetos do governo de Minas Gerais, surgindo, assim, a Meta 2010 e, posteriormente, a Meta 2014, ambas sob o lema “Navegar, Pescar e Nadar” no Rio das Velhas, mais especificamente em sua área mais poluída, a Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Segundo Marcus Vinícius Polignano, secretário do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), “o grande mérito da mobilização e da organização social foi trazer a sociedade para o debate. Principalmente em 2010, a coisa andou. O governo incorporou as propostas dentro de um planejamento estratégico, e as colocou como um dos eixos estruturadores, e isso significou elaboração de projetos e aplicação de recursos, com quase R$ 1 bilhão efetivamente investidos, via Copasa, principalmente, nas ETEs [Estações de Tratamento de Esgoto] Arrudas e Onça, em BH, na estrutura de saneamento, na ampliação da rede de coleta”.
Os avanços, no entanto, não bastaram para que o objetivo de nadar nas águas do Rio das Velhas, na Grande BH, fosse concretizado, em função do alto índice de coliformes fecais na região.
Se hoje temos águas melhores do que há 20 anos, não há como esquecer da meta principal: é hora de a revitalização do Rio das Velhas – e de seus afluentes – retornar à agenda política do nosso Estado.
Encaixa-se nessa construção o encontro promovido pelo CBH Rio das Velhas com prefeitas, prefeitos e outros representantes de 27 dos 51 municípios da bacia, em 24 de março, em Belo Horizonte.
O evento fez parte das atividades da Semana da Água deste ano, que abrigou ainda o lançamento da campanha de comunicação e mobilização Rio das Velhas Eu Faço Parte, organizada em quatro eixos: Revitalização Já!; Pela Segurança das barragens!; Saneamento para todos! e Pela Segurança hídrica da bacia.
Poliana Valgas, presidenta do CBH, considera que a “campanha anual vem muito oportuna, depois de dois anos sem atividades presenciais. Este é um ano de retomada, além de ano eleitoral, e espero que a campanha ajude a aumentar o sentimento de pertencimento das pessoas com relação ao rio e a lançar luz sobre os problemas que a bacia vem sofrendo”.
Fora de foco
Em 2018, o então presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, já alertava que a “agenda ambiental e hídrica tem estado à margem das discussões”. De lá para cá, pouco mudou. Polignano avalia que “a pauta é desfocada pelos governos, no sentido de não dar continuidade a uma política consistente e permanente, que fica no circunstancial”, e exemplifica: “Ano passado teve escassez séria, aí todo mundo fala de água, mas é retórica, não existe a construção de uma agenda que nos leve a algum caminho proveitoso”.
Um ano antes, era lançado o Programa Revitaliza Rio das Velhas, pacto firmado entre o CBH Rio das Velhas, a Copasa, prefeituras da bacia, FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) e o Governo de Minas Gerais.
Hoje, conforme Polignano, “o programa está em passo de tartaruga, podíamos estar avançando muito mais, com metas e prazos para a aplicação dos recursos por parte dos signatários. Na parte hídrica, a gente sente uma insegurança brutal, estão no limite as captações do Paraopeba e do Velhas para a Região Metropolitana de BH, não há sistema de interligação eficiente. O recente rompimento da adutora da Copasa [na travessia do rio Paraopeba] deixou grande parte da população sem água, e os mais pobres sempre sofrem mais”.
A presidenta do CBH Rio das Velhas, Poliana Valgas, concorda. “Ainda tem muito a avançar, principalmente na revitalização das bacias, com programas de governo que tenham visão integrada”.
Para Ronald Guerra, conselheiro do CBH e membro da Câmara Técnica de Planejamento, Projetos e Controle (CTPC), “a pauta perdeu força. No governo federal a gente vê um sucateamento das políticas ambientais em geral, da participação social e do investimento, o mesmo que a nível estadual. O saneamento depende essencialmente dos programas estadual e federal. No saneamento, o que vemos é a expansão das concessões, transferindo esses investimentos para a iniciativa privada”.
Novos problemas
Mesmo sendo signatário de carta-compromisso em defesa do rio, quando ainda candidato, em 2018, o atual governador Romeu Zema (Novo) “vem tocando o dia a dia sem nenhum plano de metas relacionado à revitalização ou à ampliação das redes coletoras. O único mérito foi, mesmo assim depois de muita luta, o descontingenciamento dos recursos da cobrança pelo uso da água. O FHIDRO [Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais] continua travado, ninguém sabe, ninguém viu”, diz Polignano.
Marcus Vinícius Polignano criticou a condução do governador Romeu Zema (NOVO) no que tange a questão dos recursos hídricos no estado
O secretário do CBH vai mais longe: “Além dos problemas que já enfrentávamos, de falta de foco dos governos e de recursos, a questão ganhou novos contornos com os crimes de Mariana e Brumadinho [respectivamente em 2015 e 2019], e com a completa ausência de articulação entre a pauta ambiental e a de recursos hídricos, deixando todos os nossos rios em alerta pela absurda insegurança das barragens”.
Ronald Guerra chama atenção para outro aspecto: “As cidades crescem, aumenta a poluição difusa das drenagens e os esgotos lançados in natura migram para as periferias, realçando a desigualdade social. Ainda há muito a se investir no saneamento, nos resíduos sólidos, nos bota-fora irregulares, e o ritmo não vai na dinâmica da necessidade de revitalização”.
Municípios e revitalização
A parceria do CBH Rio das Velhas com os municípios da bacia não é de hoje. Com a liberação de recursos da cobrança pelo uso da água, o Comitê investe permanentemente em projetos de revitalização de sub-bacias, produção de água, proteção de matas ciliares, saneamento rural, educação ambiental e outros.
Grandes intervenções, porém, exigem investimentos de larga magnitude. “Com a campanha Rio das Velhas Eu Faço Parte queremos discutir isso, mostrar a realidade atual, que não se consegue fazer saneamento, proteger os ecossistemas, sem recursos. A Constituição Federal deu várias atribuições aos municípios, mas a grana não veio junto”, pontua Polignano.
Para Valgas, “ainda é muito tímida a participação dos municípios. Embora o CBH tenha vários projetos, ações e programas e tudo aconteça no território municipal, é preciso aproximar e trazer as prefeituras para a gestão com um olhar para a questão hídrica. Muitos planos diretores não conversam com o tema. Precisamos compatibilizar a questão hídrica com o uso e a ocupação do solo, áreas de recarga, margens de córrego”.
Guerra vai na mesma linha: “Meu foco é no papel do estado e no papel dos municípios. Esse encontro com os prefeitos foi muito importante para tratar da gestão do território. Precisamos avançar na discussão do uso e ocupação do solo, as cidades crescem e ocupam as margens dos rios, as áreas de inundação, e quando temos eventos como os do começo do ano, com inundações e deslizamentos, por trás de tudo não é a natureza que causa esses danos, mas a maneira pela qual estamos ocupando o território”.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Fotos: TantoExpresso