Ritmo de expansão do saneamento precisa ser multiplicado por 10 para que metas sejam cumpridas

06/04/2023 - 14:55

A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou em 2015 os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma agenda de sustentabilidade adotada pelos países-membros da ONU a ser cumprida até 2030. O objetivo de número 6 é “assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos”.


Faltando apenas sete anos para a data, o cenário mundo afora e aqui dentro não é nada promissor. No Brasil, o número de municípios com rede de esgoto passou de 47,3% do total, em 1989, para 60,3% em 2017, um crescimento de 13 pontos percentuais ao longo de 28 anos, menos de 0,5 ponto por ano. Nesse ritmo, a universalização. somente da coleta, consumiria mais 80 anos.

O buraco, porém, é ainda mais embaixo. Em terras tupiniquins, cerca de 5,5 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento – ou 20,6 bilhões de litros – são despejadas todos os dias na natureza, e quase 100 milhões de brasileiros (44,2%) não têm acesso sequer à coleta de esgoto.

Nas áreas maios pobres do país, a situação é dramática. Na região Norte, apenas 14% da população (2,3 milhões de pessoas) têm acesso a redes de esgoto. No Nordeste, 30,2% (16,9 milhões de pessoas).

Outro dado alarmante é a diferença do índice de tratamento de esgoto entre os 20 municípios mais bem posicionados em relação aos 20 piores. O primeiro grupo tem, em média, 80% de cobertura. Já o grupo da lanterna não chega aos 19%, quatro vezes menos!

Os números são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2021), trabalhados em estudo da ONG Instituto Trata Brasil.

Enquanto isso, as precárias condições sanitárias e suas consequências, como as doenças de veiculação hídrica, continuam infernizando a vida de milhões de seres humanos.

A cólera, a esquistossomose e a simples diarreia são algumas delas. A maioria dos casos, claro, ocorre nos países onde uma proporção muito pequena de águas residuais e urbanas é tratada.

A diarreia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ocupa o segundo lugar na lista de doenças mundiais e chega a matar cerca de 1,5 milhão de crianças por ano, mais do que Aids, sarampo e malária juntos. Os dados são do relatório da Unicef 2009.

Minas Gerais e a bacia do Rio das Velhas

Em Minas, a coleta de esgotos atinge 2/3 da população, ou 66,37%, e o tratamento, menos de 60% (57,88%).

Na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, com área total de 27.850 km² e 51 municípios, 44 têm suas sedes urbanas dentro dos limites da bacia. Desses, só 21 têm Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) em funcionamento, ou 47,7%, segundo pesquisa de Josiani Cordova, em tese apresentada à Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2020. Dezesseis municípios dos 51 não contam sequer com coleta de esgoto.


Localidades na bacia do Rio das Velhas convivem com locais de despejo de esgoto em natura nos cursos d’água


A maior prestadora do serviço é a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), que responde pelo saneamento em 29 dos 51 municípios banhados pelo Rio das Velhas ou por seus afluentes.

Poliana Valgas, presidenta do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), constata: “Hoje o que mais degrada e impacta a bacia ainda é a falta de saneamento. Nada mais importante do que trabalhar esse tema nos 51 municípios, pois precisamos avançar muito com o saneamento nesses territórios”.

“Esgotos são o maior problema, o de maior dimensão”, reforça o secretário do Comitê, Marcus Vinícius Polignano, que analisa: “Foi dada prioridade ao tratamento e distribuição da água e não houve, na mesma proporção, um equilíbrio e uma preocupação no que tange ao tratamento dos esgotos”.

Segundo o Superintendente de Desenvolvimento Ambiental da Copasa, Nelson Guimarães, a almejada “ampliação e melhoria da ETE Onça está em fase de projetos executivos”. Já na ETE Arrudas, a pretendida introdução do tratamento terciário ainda está “em estudos”, sem previsão de desfecho.

Panorama

Dentre algumas das principais cidades da bacia do Rio das Velhas, onde, portanto, é ou deveria ser melhor o cenário do saneamento, a realidade dói. Em Ouro Preto, patrimônio cultural da humanidade, a concessionária privada Saneouro coleta 51,50 % do esgoto e trata 1,12%. Itabirito, cujos serviços estão a cargo do Serviço Autônomo de Saneamento Básico municipal (SAAE), apresenta percentuais muito acima: coleta de 80,19% e tratamento de 87,20%. Em Rio Acima, a prefeitura coleta 63,63% dos esgotos e não trata nada. Nova Lima, onde a Copasa administra os serviços apenas nos bairros Jardim Canadá, Vale do Sereno e Vila da Serra (sede e demais distritos e bairros têm o saneamento por conta da prefeitura), trata tudo que coleta, mas só recolhe 18,99% do esgoto gerado. Sete Lagoas, com seu SAAE, tem alto índice de coleta (97%), mas trata apenas 24,34%.


Dentre algumas das principais cidades da bacia, Itabirito tem um dos melhores índices de coleta e tratamento de esgoto


Na capital, com a área também a cargo da Copasa, 77,92% dos esgotos são interceptados e todo esse volume recebe tratamento.

BH, no entanto, desceu 10 posições no ranking nacional de saneamento de 2022 para 2023, caindo de 37º para 47º lugar. A prefeitura atribui o resultado ao surgimento de muitos loteamentos e ocupações irregulares, que estariam fora do sistema.

Em nota oficial, a Copasa esclarece: “O resultado do relatório pode ser explicado pelo aumento de imóveis que não possuem ligações ativas” e por “ligações clandestinas em áreas de vulnerabilidade social”. Nas regiões ainda não regularizadas, a Copasa “atua em conjunto com a Prefeitura no intuito de promover a devida regularização e a implantação das redes”.

A companhia também informa que, “no município de Belo Horizonte, cerca de 2,6% dos imóveis são tidos como factíveis de esgoto, ou seja, possuem redes disponíveis e não estão interligados às redes coletoras. Já na RMBH esse número sobre para 5,7%”.


Copasa responde pelo tratamento dos quase 78% de esgoto coletado na capital mineira


Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), 1,15 milhão de habitantes (ou 19,1% do total) não têm coleta de esgoto, e 117 mil m³ são derramados todo ano nos cursos d’água sem tratamento nenhum, segundo o estudo do Trata Brasil baseado no SNIS.

O marco legal do saneamento básico, de 2020, estabelece, para o ano de 2033, as metas de 99% de atendimento em fornecimento de água e 90% em coleta e tratamento de esgotos.

Para Guimarães, o Marco Legal representa o “grande desafio de todas as concessionárias e serviços municipais”. A Copasa, garante, vai investir “1,33 bilhão de reais no estado em 2023” e “ 9,5 bilhões até 2027” para alcançar os objetivos. “Alcançar isso”, diz o superintendente, “vai contribuir muito com a melhoria” das condições ambientais e com a qualidade das águas.


Estruturação de Estações de Tratamento de Esgoto, como a ETE Arrudas, na RMBH, é um dos passos importantes para a melhoria dos índices do saneamento na bacia


O CBH

“Com as metas que criamos, em conjunto com o Projeto Manuelzão, para 2010 e 2014, houve incremento importante no tratamento de esgotos em BH, com a construção da ETE Arrudas, em 2000, e ETE Onça, em 2006 e 2010 [segunda etapa]”, relembra Polignano.

O secretário, no entanto, pondera: “Ainda temos problemas. A Estação do Onça, por exemplo, está no limite e precisa ser ampliada. O esgoto não tratado adoece inexoravelmente nosso rio. Embora tenhamos avançado muito e avaliamos isso pela volta do peixe, já próximo de Lagoa Santa, ainda temos um percentual que compromete muito a qualidade de vida e saúde das pessoas e a vitalidade do rio, impossibilitando que a gente possa nadar no rio na RMBH.

Além das grandes jornadas pela revitalização do rio, iniciadas em 2003 com a primeira expedição que percorreu os 806 quilômetros do maior afluente do Velho Chico, o Comitê aplica criteriosamente os recursos da cobrança pelo uso da água em projetos que encaram de frente o problema.

Valgas explica: “O CBH Já vem trabalhando ao longo dos anos, apoiando na elaboração dos PMSB (Planos Municipais de Saneamento Básico). Temos 28 entregues. Hoje todos na bacia possuem seu Plano. Não é por falta de instrumentos de planejamento que a gente não avança. O grande X é como operacionalizar, tirar do papel, essa a dificuldade dos municípios. A maioria sobrevive de FPM [Fundo de Participação dos Municípios], não consegue executar as intervenções”.

Tais investimentos do CBH emanam das diretrizes do seu Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH), cuja primeira edição data de 2004, quando já assinalava que “o tratamento de esgotos é extremamente deficitário na bacia, gerando significativa carga remanescente de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), incompatível com a autodepuração na maioria dos trechos”.


Poliana destacou a elaboração de PMSBs, como o entregue em 2019, em Lassance, como ação relevante na busca por melhorias nos índices de saneamento na bacia


A chamada Agenda Marrom do PDRH, voltada para o saneamento ambiental, congrega 22,6% das ações e 22,4% dos recursos arrecadados pelo Comitê.

A presidenta vai adiante: “Um dos papéis do CBH Rio das Velhas é ser articulador, indutor de boas práticas e oferecer caminhos aos municípios”. Outra frente de relevo é a “questão do saneamento rural”, diz: “Vamos trabalhar, em parceria com o CBH do Rio São Francisco, para fornecer estruturas de saneamento rural aos municípios”.

Novas ações estão em preparação, informa: “Vamos apoiar as cidades também na elaboração dos Projetos Executivos para sistemas de tratamento de esgotos, para que estejam prontas a captar recursos assim que sair um edital”.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: Ohana Padilha; Leo Boi; Leonardo Ramos; Bianca Aun; Michelle Parron; Tiago Rodrigues