Saneamento Rural: um tiro no escuro

02/06/2023 - 12:45

Marcado por um apagão de dados e pelo lugar secundário em relação aos investimentos de infraestrutura urbana, o saneamento básico rural chega a 2023 com futuro incerto. No Brasil, pelo menos 25% da população rural está totalmente excluída de serviços básicos como abastecimento de água, esgotamento sanitário ou manejo de resíduos sólidos, segundo relatório de 2020 do Instituto de Água e Saneamento (IAS).


O Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, no entanto, não fornece dados sobre a situação do saneamento rural. A Fundação Nacional da Saúde (Funasa), entidade então vinculada ao Ministério da Saúde, responsável pelo atendimento a municípios com menos de 50 mil habitantes, áreas rurais, quilombolas e sujeitas a endemias, foi extinta no início deste ano através da Medida Provisória (MP) 1156/23. Estimativas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015 apontam que cerca de 30 milhões de brasileiros vivem em zonas rurais.

Zona invisível

E as questões começam já em como definir o que é a zona rural. Enquanto a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) utiliza a densidade populacional como principal critério para definição da zona rural, no Brasil essa definição é feita pelos municípios e por exclusão – decide-se primeiro qual é o perímetro urbano e, o que está fora, é considerado área rural. Isso impõe, de saída, um obstáculo, além de deixar explícita qual é a ordem de importância na implementação de políticas públicas. Essa preferência estava explícita no Plano Nacional de Saneamento (Planasa), instituído em 1971 durante o governo militar (1964-1985), que procurou retirar dos municípios a responsabilidade do saneamento, centralizando-a nos estados através das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs), que deram origem a empresas como a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) e a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

Além dessa preferência histórica, as zonas rurais impõem ainda outros dificultadores: a baixa densidade populacional e as longas distâncias entre áreas populadas fazem com que tecnologias já utilizadas em centros urbanos não sejam adaptáveis. “Parte desses desafios estão relacionados com as diferenças entre as prestações de serviços em áreas rurais e urbanas. Em termos de tecnologia, o que se aplica na cidade não é aplicável na zona rural. O problema não é a falta dessa tecnologia, mas o que ela envolve. Áreas dispersas demandam uma participação maior da comunidade, uma gestão compartilhada”, reflete Gabriela Capobiango, Coordenadora Geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde, especializada em Saneamento Rural. Gabriela é Engenheira Ambiental e considera que o Estado ainda está longe de um real diálogo com as populações rurais. “O tempo do Estado difere do tempo da população. A população precisa do tempo da preparação, e ela não tem acesso a um processo de educação profunda e adequada. A maior dificuldade não é a tecnologia em si, mas o que ela envolve”, conta.

A engenheira considera que, apesar da mudança no governo, há ainda muita incerteza sobre como a política de saneamento rural será gerida. “O saneamento como um todo vem sofrendo mudanças. No início do ano, a Funasa foi extinta. Era dela a responsabilidade de atuar com saneamento nos pequenos municípios, nas áreas rurais e comunidades tradicionais, e suas funções foram distribuídas entre o Ministério das Cidades e o da Saúde. Mas existem muitas incertezas ainda de como essas atividades vão ser realizadas no campo. Isso me preocupa bastante. A Funasa, com certeza necessitava de reformas profundas, mas a gente não sabe ainda para onde vão essas ações”, lamenta.

Privatizar é solução?

Em Minas Gerais, o atual governo procura privatizar os serviços de empresas como a Copasa com o argumento de que isso levaria a uma maior facilidade na universalização do saneamento. Gabriela discorda. “Minas é um estado muito diverso, as diversidades do Brasil se replicam aqui em escala menor. Há cidades de excelência em saneamento, como Uberlândia, e regiões ainda desassistidas, como o Vale do Jequitinhonha. O Governo de Minas nunca escondeu o interesse em privatizar diversos órgãos públicos, inclusive a Copasa. O estudo proposto para a regionalização apresenta fragilidades e incoerências. A falta de planejamento antes das tomadas de decisões abre espaço para fragilidades e que podem intensificar os déficits de saneamento hoje, especialmente nas áreas rurais”, conclui a engenheira.

Programa de Saneamento Rural CBHSF

Em parceria com o Comitê da Bacia do Rio São Francisco (CBHSF), o CBH Rio das Velhas levará saneamento para nove comunidades rurais na bacia, alcançando cerca de 300 famílias em localidades que não possuem recursos financeiros suficientes para planejar e executar por conta própria seus sistemas de esgotamento. Os recursos são oriundos da cobrança pelo uso da água na Bacia do Rio das Velhas, e serão aplicados em comunidades como o Quilombo Doutor Campolina, em Jequitibá.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Fernando Piancastelli; Gabriela Capobiango – Acervo Pessoal