Seis Unidades de Conservação da bacia do Rio das Velhas estão em lista de concessões à iniciativa privada

17/03/2022 - 13:25

O Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI) e o Programa de Concessão de Parques Estaduais (PARC), do governo de Minas, já incluíram, em sua relação de concessões à iniciativa privada, seis unidades de conservação (UCs) situadas na bacia do Rio das Velhas. São elas o Parque Nacional da Serra do Cipó, incluído em fevereiro último, e as seguintes unidades mineiras: Parques do Sumidouro e do Rola Moça, Monumentos Naturais Peter Lund e Gruta Rei do Mato e Floresta do Uaimií. Em três delas os contratos já foram assinados: em Sumidouro e nos dois Monumentos Naturais.


Segundo a legislação federal, o objetivo é a “concessão para prestação dos serviços públicos de apoio à visitação, com previsão do custeio de ações de apoio à conservação, à proteção e à gestão”. O PARC estadual, de abril de 2019, proclama, entre outros anunciados benefícios, a “inovação na gestão das áreas protegidas (…), atraindo investimentos, gerando empregos, ampliando os recursos humanos e financeiros a serem empregados na conservação ambiental”.

As primeiras concessões da espécie datam da década de 1990, sendo a de maior destaque a do Parque do Iguaçu (PR), de 1999, com suas famosas cataratas. Outras áreas concedidas na primeira fase são os Parques da Tijuca (RJ), da Serra dos Órgãos (RJ) e de Fernando de Noronha (PE). A pauta é retomada pelo governo Michel Temer em 2017, com a Instrução Normativa nº 2, de janeiro daquele ano, e a Lei 13.668/2018.

Elitização e outros problemas

Raquel Faria Scalco, turismóloga com mestrado e doutorado em Geografia e professora do curso de Turismo na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), vê o processo com olho crítico. Para ela, os ganhos das concessionárias virão da cobrança de ingressos e por produtos e serviços, como abertura de trilhas, construção de hospedagens, lojas, estacionamento, oferta de condutores etc. “Para compensar os investimentos em infraestrutura”, diz, “corre-se o risco de elitizar o acesso”.

Conhecimento de causa não lhe falta. Vice coordenadora do curso “Parcerias para o Uso Público em Áreas Protegidas – pela efetiva conciliação entre uso público e comunidades locais”, projeto de extensão da universidade, Scalco considera “fundamental que as comunidades e conselhos acompanhem tudo de perto para garantir a democratização do acesso pelo menos para as comunidades do entorno”.

Ela argumenta que, para que a concessão seja interessante do ponto de vista das empresas, seria necessário um grande fluxo turístico, mas “em Minas praticamente não temos esse perfil de massa”. Alternativas mais adequadas, defende, seriam o turismo de base comunitária ou modalidades, como, por exemplo, os termos de fomento, de colaboração e de parceria, que possuem até marco regulatório (Lei 13019/2014 e decreto 8.276/2016). Essas formas em que “comunidades tradicionais teriam prioridade na parceria podem gerar mais benefícios, com inclusão social e envolvimento de pequenos empreendedores da região”, avalia.


O Parque Estadual do Sumidouro está entre as UC’s na lista de concessão à iniciativa privada


Privatização?

A professora pondera ainda que “essas empresas desconhecem a realidade local” e que “o lucro não vai circular pela comunidade”. Outro problema apontado é o prazo das concessões, em torno de 30 anos. “Se resultar em prejuízos, eles se prolongam no tempo”.

Sobre o temor expresso por muitos ambientalistas quanto à possibilidade de que os programas federal e estadual sejam uma espécie de antessala da privatização das unidades de conservação, Scalco concorda que ambos se enquadram numa visão neoliberal, mas estima que “muita coisa teria que mudar para isso, inclusive a Lei do SNUC” (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza). “Nossa crítica mais contundente é que a parceria é mercadológica, com esse viés de mercantilização da própria natureza, pois a concessão está sendo priorizada quando existem outros modelos”.


Outra UC na lista para privatizações é o Monumento Natural Gruta do Rei do Mato


No lombo da sociedade

Ronald Guerra, conselheiro do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, ativista ambiental com larga experiência em unidades de conservação e proprietário de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) vizinha da Floresta Estadual do Uaimií, uma das áreas na fila das concessões, constata: “as unidades de conservação sofrem, de forma geral, muitas fragilidades relacionadas à falta de infraestrutura e de recursos humanos”, mas observa: “Está previsto legalmente o repasse de compensações ambientais às UCs, mas há uma dificuldade de operacionalização e grande parte dos recursos não é aplicada por conta da burocracia e de debilidades administrativas”.

Ele continua: “O governo atual acha que investir em concessão é o caminho, mas se administrasse bem teria amplas condições de gerir o uso público”. Ronald receia que “à medida que se coloca a iniciativa privada, perde-se uma das funções primordiais, uma unidade que atenda a sociedade de forma mais equânime. Esses recursos deixam de ser investidos, permite-se a cobrança pelo uso e mais uma vez a conta vai bater vai no lombo da sociedade”. Com as concessões, termina, “o uso público das UCs passa a ser um negócio em vez de um serviço para a sociedade”.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Fotos: Bianca Aun; Newton França; TantoExpresso Arquivo