Em tom de luto, tristeza e revolta, conselheiros dos Subcomitês vinculados ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) se manifestaram sobre a lama de rejeitos que está devastando o território do Rio Paraopeba. São posicionamentos de indignação por aqueles que lutam diariamente pelo bem dos nossos cursos d’água.
Ademir Martins, conselheiro dos Subcomitês Ribeirões Caeté – Sabará, Rio Taquaraçu e Águas do Gandarela destacou a dimensão da tragédia ambiental. “Esta data ficará marcada para sempre na história da mineração no Brasil. Os criminosos neste episódio, a meu ver, são os órgãos do Estado, responsáveis pela aprovação destes projetos e as grandes empresas que corrompem e pressionam de todas as fórmulas para conseguir seus objetivos a curto prazo. Vejam o tamanho da irresponsabilidade: aprovar este projeto nas três etapas de licenciamento, passando pela LP [licença prévia] com todas as instalações logo abaixo desta barragem e, o pior que nenhuma providência foi tomada depois do episódio de Mariana, para se evitar está catástrofe”.
Isec Sabara , conselheiro do Subcomitê Ribeirões Caeté – Sabará “Estamos perplexos. Há três anos, assistimos consternados a tragédia humana e ambiental de Mariana que chegou até o mar, no estado do Espírito Santo. Não serviu de nada, pra ninguém, a não ser aos pobres, literalmente pobres coitados, que foram diretamente atingidos. Aí sem ter aprendido a lição ou mesmo passar a ter processos mais honestos, vem essa também imensurável tragédia. Ficam muitas perguntas. Uma já foi feita inúmeras vezes: por que uma empresa que conhece, tem certeza do eminente perigo, coloca seus funcionários e outros na mira? Muitas pessoas capacitadas trabalham nesse tipo de empresa, que sendo privada, o mais importante é o lucro, essas pessoas que certamente sabiam que conviviam com o perigo, tinham que engolir, isto é, estavam sendo coagidas, pois poderiam ser demitidas? Engenheiros, principalmente, conhecem os riscos baseado no conhecimento que adquirem, diante desse conhecimento, porquê aconteceu? Não vou falar de órgãos que supostamente tem a competência, isso é outra história e estão inseridos num país sem credibilidade. A tragédia é muito maior do que se vê ou imagina. Precisamos de honestidade, precisamos de dignidade. Profissionais competentes para serem bem remunerados temos muitos por aí”.
Para Ricardo Carvalho, conselheiro do Subcomitê Rio Taquaraçu, o ocorrido em Brumadinho é preocupante. “O rompimento da barragem de rejeitos da Vale causou prejuízos humanos, acidentes fatais, mortes de funcionários e de moradores à jusante da barragem. A contaminação do manancial ao longo do percurso atinge as muitas famílias que dependem desta água para viver. O rio é o celeiro de muitas comunidades ribeirinhas e de muitos municípios. As dificuldades já são enormes, doenças de veiculação hídrica, fome, ignorância de naturezas diversas e, de agora em diante, água contaminada com metais e químicos dissolvidos. O que será dessas comunidades e o que será de nós? O que estamos fazendo? Onde queremos chegar ? Que futuro pleiteamos ?. Até quando a indiferença fará parte da nossa consciência ?”
Antonio Nepomuceno Damada, conselheiro do CBH Rio das Velhas, destaca sua preocupação. “Gostaria de comentar como a sociedade ficou triste com este fato, ocorrido em Brumadinho. A preocupação é com o passar dos dias e do tempo. E se ocorrer em outra represa de mineração? Que seja em Sabará, Nova Lima, Ouro Preto, Congonhas ou outra cidade. Estamos todos preocupados. Pode ocorrer futuramente. É preciso ficar alerta e buscar alternativas para que o episódio não ocorra novamente.Precisamos salvar nossa natureza e buscar a preservação da vida humana”.
Cronologia dos sonhos soterrados
Era a “hora do almoço”. Para quem trabalhava e vivia próximo ao Córrego do Feijão em Brumadinho, o dia 25 de Janeiro de 2019 parecia comum. A paisagem, se pudesse ser vista do alto, seria encantadora, não fosse pela marca corrosiva da mineração, ao lado da barragem do feijão – imagem inarmônica considerando-se a presença de várias famílias mineiras no panorama verde, umedecido pelos vários afluentes do Paraopeba, que resiste correndo na terra bem próximo dali. Terra rica em minério de ferro e outros metais que atraíram o brilho nos olhos de gente boa com vontade de trabalho, mas que também despertou a ganância de gente sequiosa de poder.
Com a avidez, própria da fome insaciável de dinheiro, fizeram, ao longo dos anos, o uso dos mecanismos mais baratos e parcos possíveis, comprovadamente, para conter o esgoto da mineração, isto é, tudo que não era útil. Quando, no segundo semestre de 2018, com a crise econômica severamente agravada após o maior crime ambiental que o Brasil já sofreu, ocorrido em Mariana, o desespero por receitas financeiras mais opulentas inflamou a vontade de ampliação da dilaceração da terra em busca do minério. Evidentemente, no avanço irracional da fome de poder sobre a pobre natureza, foram desprezados os critérios de segurança, de respeito ao meio ambiente e à comunidade humana. Estaria neste ponto engatilhada a tragédia prevista pelos ambientalistas, porém legalizada pelas licenças obtidas. E, sem avisos, sem sirenes de emergência, a barragem de rejeitos com 11 milhões de metros cúbicos de lama e lodo tóxico não suportou e rompeu numa avalanche sobre as pessoas, animais, matas, casas, hotéis, plantações, sonhos, amores, amigos, filhos, pais, irmãos. Na lama, se misturou sangue – seiva da vida – com gritos de desespero pela vida arrancada como raiz da terra.
É inaceitável sentirmos na pele a vergonha e o peso da impunidade dos irresponsáveis – nossa vida já tem sido muito dura. Choramos a cada árvore suprimida, cada córrego e riacho que secam, cada espécie ameaçada tornando-se extinta, cada licença de operação concedida sem a avaliação cautelosa com o respeito do qual natureza é digna, em meio a uma sucessão infindável de crimes e catástrofes que não são eventos da natureza. É inadmissível tolerarmos o império da negligência de servidores públicos e de poderosos amasiados com os sistemas de fiscalização e governo. E é inadmissível porque se não vetarmos isso agora continuaremos soterrados na lama tóxica da imoralidade e da corrupção que jorra em fluxo incontido e nos joga da lama podre de Mariana para as cinzas do Palácio São Cristóvão, de onde saímos desolados sem um passado para o qual olhar e imediatamente nos afogamos num lamaçal em Brumadinho. Se não exercermos nossa cidadania agora, é possível que sejamos as próximas vítimas fatais em futuros crimes que serão tratados como desastres naturais.
Rhaniel Veríssimo – Subcomitê Ribeirão da Mata
Por um mundo onde a vida importe
Quem nasceu no sopé das montanhas de Ouro Preto, Mariana, Itabirito, Santa Bárbara, Barão de Cocais, entre outras cidades mineradoras, cresceu vendo os sinais da mineração do passado. Na terra e na pujança do barroco que nos foi legado pelo ciclo do ouro. Faz-se sempre presente na memória de quem nasceu no coração das Minas Gerais também a grandeza da mineração de ferro. Lembro-me da primeira vez que estive em uma mina, na mina da Conceição em Itabira. Tudo é grandioso nessas minas, uma grandiosidade que enche os olhos e faz pensar até onde vai a engenhosidade humana. Nessa mesma visita, lembro-me de ter visto também pela primeira vez uma barragem de rejeitos imensa à beira da estrada. Uma paisagem desértica e que me fez pensar se haveria uma solução para aquilo.
Passados alguns anos, durante a universidade, viria a me interessar definitivamente pelas questões ambientais e dedicar metade da minha graduação a estudar técnicas de recuperação de áreas degradadas por mineração. A essa altura adquiri mais consciência de que “encher” um vale de rejeitos de minério não poderia ser encarado como algo de simples solução técnica e que aquele modelo exploratório ainda vigente precisaria ser revisto, pois é inadmissível que ao fechar uma mina esses passivos ambientais sejam simplesmente deixados para trás.
Fato é que essa mineração de ferro sempre foi encarada como uma dádiva. As mineradoras são geradoras de emprego, dinamizam a economia local e geram uma receita vultosa para esses pequenos municípios, o que os coloca numa situação muito cômoda de não promover o desenvolvimento de nenhuma outra atividade econômica. Os empregados andam de uniforme pelas ruas e sequer tiram o capacete. Têm orgulho de trabalhar para essas empresas. Não dá para não sentir pena de não saberem, ou não se incomodarem, com o fato de que o emprego de que se orgulham não passa de migalhas de um grande esquema montado para tornar uma minoria milionária.
É a esse lucro a qualquer custo para uma minoria que devemos nos ater diante de tragédias como as de Mariana e de Brumadinho. Aquelas vítimas sepultadas naquela lama, vítimas duas vezes no meu modo de entender, estão lá porque não houve preocupação quanto ao que era mais seguro ou quanto ao que era mais adequado ambientalmente. Estão lá porque a maximização dos lucros para atender aos interesses de especuladores foi mais importante. É um sistema impossível de ser defendido, que envolve lobistas, políticos financiados por mineradoras e uma conivência tácita da sociedade quanto ao modelo exploratório. Nesses momentos tudo se escancara, mas parece que daqui a pouco tudo adormece novamente e nós que sonhamos com outro mundo nos perguntamos: – Até quando?
Muitas outras barragens que utilizaram a mesma técnica construtiva ameaçam outras cidades e lugarejos. É urgente que os licenciamentos se tornem mais rigorosos e que o sistema de alteamento de barragens à montante seja definitivamente proibido. Mas se é que ainda é permitido indagar, será que o momento que o Brasil atravessa permite que esses avanços aconteçam? Qual a importância que é dada ao meio ambiente num país que até outro dia não sabia se haveria Ministério do Meio Ambiente? Não dá para não associar uma coisa à outra e todos aqueles que se revoltaram por Brumadinho precisam compreender que a defesa do meio ambiente está fragilizada no momento. Não é só a questão da mineração, é também a questão da preservação das terras indígenas e da efetividade e autonomia da atuação do IBAMA.
O mundo que queremos é um mundo onde não haja mais tragédias como as de Mariana e Brumadinho. Um mundo onde a preservação dos rios e florestas esteja acima dos lucros dos acionistas de empresas. Um mundo que produza através de modelos sustentáveis, não poluidores. Um mundo onde a vida importe, em toda sua diversidade.
Denilson dos Santos – Subcomitê Ribeirão do Onça
*Relatos de conselheiros dos Subcomitês do CBH Rio das Velhas
*Organizado por: Comunicação CBH Rio das Velhas