Com quase 150 quilômetros de extensão que percorrem boa parte dos municípios de Morro da Garça e Corinto, na região Central de Minas, o Rio Bicudo é um dos principais afluentes do Rio das Velhas. Num território em que a demanda concedida pelo Estado excede a oferta de água do rio em mais de 500%, segundo dados do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), não é de se assustar que hoje, em meio ao período de estiagem, o Rio Bicudo esteja intermitente, ou “cortado”, como é chamado quando o curso d’água desaparece temporariamente em algum trecho.
“A verdade é que já tem vários anos que o Bicudo está intermitente. Ao mesmo tempo em que hoje temos menos chuvas, a região está com o solo cada vez mais degradado, com menos mata ciliar, então toda água que cai vai embora direto, sem infiltração do lençol freático. Além disso, tem irrigações que retiram muita água do rio”, afirmou o coordenador do Subcomitê Rio Bicudo, Luiz Felippe Maia.
A situação não é nova e o CBH Rio das Velhas vem há tempos demonstrando preocupação com a disponibilidade hídrica na bacia do Rio Bicudo e cobrando do Estado medidas para reverter o quadro. Ao final do ano passado, o Comitê chegou a solicitar ao IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) que declare a Unidade Territorial Estratégica (UTE) Rio Bicudo como área de conflito pelo uso de recursos hídricos – o pedido inclui ainda o Alto Rio das Velhas e a UTE Ribeirão Picão. “Há tempos temos falado que nós não temos água no Bicudo, que estamos num conflito pelo uso da água. Se isso [rio “cortado”] não é conflito pelo uso da água, sinceramente, eu não sei o que é. Realmente, ao que parece, o conflito foi resolvido: porque não tem água. O conflito está se resolvendo no piloto automático, pela escassez”, afirmou o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano.
Veja as fotos do Rio Bicudo:
A declaração de conflito pelo uso da água, utilizada em bacias onde se verifica que a disponibilidade hídrica é menor que a demanda dos usuários, determina a elaboração de um processo único de outorga que contemple a alocação negociada da água entre os outorgados.
A solicitação do Comitê foi motivada por um estudo que analisou os usos de recursos hídricos sobre as vazões disponíveis em toda a bacia. Por meio do levantamento de usuários de água e dos usos outorgados, o trabalho concluiu que a demanda concedida pelo Estado excede a oferta de água do rio em mais de 500% na UTE Rio Bicudo, em quase 300% na UTE Ribeirão Picão e em 59% na região do Alto Rio das Velhas.
Nesse território, segundo dados do Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, de 2015, o principal setor responsável pela retirada de água é a irrigação, chegando a corresponder a mais de 70% do total retirado.
Com a medida, o Comitê esperava que o IGAM utilizasse critérios de outorga mais restritivos, considerando a emissão de autorizações de uso de forma sazonal e outorgas coletivas, que implantasse e utilizasse reservatórios fora do eixo dos cursos de água (offstream), que aprimorasse o sistema de controle de perdas de água para o abastecimento público, que fomentasse a ampliação de estruturas verdes ao longo da bacia e que estabelecesse medidas que induzissem maior eficiência nos usos da água pelos diversos setores, com o estabelecimento de índices de uso racional a serem seguidos para que possam ser emitidas novas outorgas.
Contudo, o IGAM, em resposta à solicitação do CBH Rio das Velhas, disse que “a análise dos dados de uso de água, situados nas UTEs do Rio Bicudo e do Ribeirão Picão, demonstraram que a vazão atualmente outorgada ainda é inferior ao limite outorgável, portanto, não apresentam os critérios necessários para a emissão da Declaração de Área de Conflito. Entretanto, uma avaliação histórica de vazões demonstra, de acordo com o IGAM, a ocorrência de Situação Crítica de Escassez Hídrica nas porções avaliadas, conforme estabelecido na Deliberação Normativa CERH 49/2015. O IGAM ressalta ainda que a Situação Crítica de Escassez Hídrica difere de Declaração de Área de Conflito pelo Uso da Água, sendo que a Situação de Escassez está relacionada com a vazão hídrica monitorada diariamente em um curso de água e a DAC, por sua vez, encontra-se associada com a demanda e a disponibilidade hídrica (limite outorgável) de uma bacia”.
O presidente do CBH Rio das Velhas não concorda com o posicionamento do IGAM e disse que a Agência Peixe Vivo prepara um documento técnico para rebater as informações que embasam o não reconhecimento da declaração de conflito pelo uso da água. Ainda segundo Polignano, todos os registros da atual situação do Rio Bicudo serão protocoladas junto ao órgão.
Os registros da seca no Rio Bicudo foram feitos pela equipe de mobilização do CBH Rio das Velhas, próximo às localidades Contria, Periperi e Mariquita, entre Morro da Garça e Corinto. “A orientação desse campo partiu da presidência, tendo em vista a declaração de escassez a partir de Santo Hipólito [portaria nº 45/2019 do IGAM que declarou oficialmente situação crítica de escassez hídrica em parte da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, de Ouro Preto até o município de Santo Hipólito]. A bacia do Rio Bicudo já vêm nessa situação faz alguns anos, inclusive, o Plano Diretor de Recursos Hídricos do Rio das Velhas já traz indicações de situação crítica em relação à disponibilidade hídrica. E a portaria do IGAM não leva em consideração esse território. Nossa ideia é, a partir daí, discutir o reconhecimento de conflito pelo uso da água na UTE, e tomar medidas visando a sua resolução”, afirmou o mobilizador local, Dimas Correa.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Textos: Luiz Ribeiro
*Fotos: Dimas Corrêa e Élio Domingos (Equipe de Mobilização)