Um em cada quatro municípios da Bacia do Rio das Velhas tem água da torneira contaminada

16/03/2022 - 15:25

Chumbo, diclorometano, cádmio, ácidos haloacéticos, antimônio, trihalometanos, lindano, nitrito, selênio, acrilamida, mercúrio e cromo: pelo menos uma dessas substâncias vem, em concentração superior ao máximo determinado pelo Ministério da Saúde, na água que sai das torneiras de 13 dos 51 municípios total ou parcialmente inseridos na bacia do Rio das Velhas, (25,5% do todo).


A estatística fica ainda pior se considerarmos apenas quem cumpriu a obrigação de informar anualmente o resultado dos testes de qualidade da água tratada. Nesse caso, a contaminação alcança 38% dos municípios da bacia, que tem 21 cidades dentro do limite de segurança, 15 inadimplentes e duas que apresentaram dados inconsistentes.

O panorama foi revelado em estudo da organização Repórter Brasil, que analisou dados do Sisagua, Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano, de 2.924 cidades brasileiras, de 2018 a 2020. Veja o mapa.

Onde mora o perigo

As análises de Nova Lima, Ouro Preto, Confins, Jaboticatubas, Jequitibá, Lagoa Santa, Araçaí, Curvelo e Presidente Juscelino apontaram a presença de uma substância nociva acima dos limites sanitários. Em Itabirito, Pirapora e Várzea da Palma, duas. Em Sete Lagoas, no Médio Alto curso do rio, nada menos do que sete!

A maioria desses elementos e suas combinações e derivados são classificados como potencialmente cancerígenos pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), braço da Organização Mundial da Saúde, além de poderem causar inúmeros outros distúrbios de saúde.

O lindano, por exemplo, agrotóxico do grupo de organoclorados, é proibido tanto no Brasil quanto na União Europeia e é classificado como altamente perigoso pela Pesticide Action Network, coalizão internacional de cerca de 600 ONGs em 60 países que se opõe ao uso de agrotóxicos e defende alternativas ecologicamente corretas.

Luz amarela

As empresas de saneamento – estaduais, autárquicas ou concessionárias privadas – são obrigadas a tornar pública a informação sobre qualquer substância que esteja acima dos limites legais, mas isso simplesmente não é feito.

Contraditoriamente, boa parte da contaminação vem de substâncias geradas no próprio processo de tratamento, caso dos ácidos haloacéticos e trihalometanos, adotados na desinfecção da água captada, que interagem com algas, esgoto e agrotóxicos e criam subprodutos nocivos à saúde.

Para o professor Aníbal Santiago, da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), doutor em Engenharia Sanitária e Ambiental, “luzes amarelas têm que ser acionadas”. “O ovo está rolando na mesa e todo mundo olhando ele se espatifar”, alerta, mas admite que ainda prefere “usar uma água que vem do sistema do que uma água mineral sem selo ou certificado”.

De acordo com Santiago, o efeito de todo remédio “varia conforme a dose. Se usado acima dos limites, vai dar problema”. “Tem como corrigir”, diz: “Se toda água estivesse contaminada, por exemplo, por agrotóxicos, pesticidas, teria que mexer na bacia de contribuição”, empreitada muito mais complexa.

O professor vê com receio o fato de que 48% das cidades brasileiras tenham deixado de prestar informações ao Sisagua: “É uma obrigação negligenciada pelos municípios, pelos sistemas de saúde em todos os níveis e também pelo Ministério Público”. Afirma, porém, que o buraco é “mais embaixo”, pois “cerca de 35 milhões de pessoas não têm acesso sequer à água tratada”. A esse número escandaloso, junta-se outro: 100 milhões não têm o benefício da coleta nem do tratamento de esgotos.


Mapa apresenta pontos onde a água coletada estava contaminada e qual o nível de contaminação


Alarme

O colega Guilherme Cunha Gomes, doutor em Engenharia Civil e também professor da UFOP, avalia como “alarmantes” os dados divulgados e “muito heterogênea” a distribuição de casos de contaminação, por conta da grande variação das formas de uso e ocupação do solo.

Gomes chama a atenção para o uso indiscriminado de agrotóxicos, “altamente poluentes, já banidos em muitos países”, mas que podem ser “adquiridos aqui em qualquer loja do ramo, sem controle”, e para “as substâncias químicas encontradas nas estações de tratamento”, que “podem causar câncer” e mesmo “mutações genéticas, no caso das radioativas”.

O tempo de exposição ao produto é determinante, explica Gomes: “Não é porque ingeriu uma vez que vai causar doença grave. Mas quanto mais a gente beber essa água contaminada, pior para a saúde”.

O professor aponta outro dado “muito preocupante”, a inconsistência e mesmo a falta de dados enviados pelos municípios: “Podemos ter um cenário ainda pior”. Gomes faz uma constatação e um apelo: “O Brasil está longe de ter um padrão de qualidade de água como os países desenvolvidos. Temos um longo caminho a percorrer. Precisamos superar a falta de educação de parte da população e o descaso do poder público com nossos recursos hídricos, o bem mais precioso a proteger”.

Precariedade

Beatriz Alves Ferreira, doutora em Química e professora da Universidade Federal de São João del Rei (Campus Centro-Oeste, em Divinópolis), traz uma lente que vê outro problema: a precariedade enfrentada por muitas prefeituras para cumprir as obrigações estabelecidas pela portaria do Ministério da Saúde (GM/MS Nº 888, de maio de 2021).

Segundo Ferreira, “a maioria dos municípios realiza parcialmente a análise da qualidade da água para consumo humano”, abrangendo menos substâncias do que o determinado, por falta de infraestrutura. Ela vai adiante: “O plano de amostragem muitas vezes é inadequado. Teria que abarcar as áreas urbana e rural, mas muitas prefeituras só fazem na urbana”. Além disso, prefeituras costumam realizar a análise “na saída da estação de tratamento de água e na chamada ponta de rede, deixando sem testagem todas as demais regiões”. Com isso, quem recebe água no meio do caminho pode estar consumindo um produto fora dos padrões estabelecidos na legislação vigente.

E acrescenta: “A água tem que ser avaliada do ponto de vista químico e microbiológico. Na água para consumo humano, é imprescindível que haja ausência de coliformes termotolerantes, principal causa de doenças diarreicas agudas na população. Essa análise microbiológica também costuma ser deficiente, principalmente nas chamadas soluções alternativas coletivas de abastecimento, como poços artesianos, cisternas, nascentes etc.

Palavra do saneamento

No caso de Itabirito, o Serviço Autônomo de Saneamento Básico (SAAE) local divulgou nota à imprensa, no dia 15/3, afirmando que os parâmetros referentes a chumbo e diclorometano, as duas substâncias que o Mapa da Água diz estarem em taxas além do aceitável, se encontram dentro dos padrões. A nota informa ainda que o SAAE entrou em contato com a Repórter Brasil arguindo direito de resposta.

A Copasa informou que os dados relativos às cidades de Baldim, Esmeraldas, Pedro Leopoldo, Prudente de Morais, Ribeirão das Neves, São José da Lapa, Taquaraçu de Minas, Conceição do Mato Dentro, Datas, Diamantina, Vespasiano e Paraopeba “foram enviados regularmente ao Sisagua, mas que, ocasionalmente, faltaram alguns parâmetros”. A Companhia não especificou quais.

Sobre as substâncias encontradas em concentração superior ao estipulado pelo Ministério da Saúde, nas cidades de Nova Lima, Confins, Jaboticatubas, Jequitibá, Lagoa Santa, Araçaí, Curvelo, Presidente Juscelino e Várzea da Palma, a empresa estadual de saneamento explica que “os resultados atípicos ocasionais nas análises de qualidade de água dão origem a novas campanhas amostrais, com a verificação do histórico geral de qualidade do sistema envolvido, inspeção sanitária para identificar eventuais causas e providências imediatas para a eliminação dessas causas e a correção de problemas pontuais constatados”.

Procurado, o SAAE de Sete Lagoas não se manifestou até o fechamento desta matéria.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Foto: Edson Oliveira; Site da Repórter Brasil (Divulgação)