Umas das principais vozes do movimento ambiental no Congresso Nacional, a mineira Duda Salabert fala à Revista Velhas sobre segurança hídrica, Serra do Curral, emergência climática – e o papel crucial do parlamento nessas discussões
Em 2022, a professora de literatura Duda Salabert Rosa (PDT) foi eleita a deputada federal mais bem votada da história de Minas Gerais. Em meio a um Congresso Nacional notadamente hostil – em sua maioria – às temáticas progressistas e ambientais, Salabert teve na centralidade das suas propostas a defesa do meio ambiente, os direitos humanos e a educação.
Natural de Belo Horizonte, a política já havia sido eleita vereadora, em 2020, tendo sido – também na cidade – a mais bem votada da história. No exercício do papel legislativo, seja em Brasília ou na capital mineira, a defesa da Serra do Curral a acompanha. Atualmente, é relatora do Projeto de Lei que pretende criar uma Unidade de Conservação (UC) para a região, tendo os Rios das Velhas e Paraopeba como limites geográficos. “São áreas fundamentais para a recarga dos aquíferos da região e que estão gravemente afetadas pelo avanço predatório da mineração, o que precisa mudar”, revela.
A segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é outro motivo de preocupação para a parlamentar. Ela defende maior rigor no monitoramento da água bruta extraída, auditoria nas outorgas concedidas e preservação integral de áreas estratégicas na produção de água, como é o caso do Sinclinal Gandarela.
Nesta entrevista exclusiva à Revista Velhas, Duda Salabert fala, ainda, das ameaças e dos efeitos já presentes da emergência climática, dos desafios ligados à gestão de resíduos sólidos em todo o país e do papel crucial do Legislativo nessas discussões.
O seu mandato é focado em três principais eixos: meio ambiente, educação e direitos humanos. Quais são as suas prioridades em relação ao meio ambiente?
O espaço legislativo, seja em esfera municipal, estadual ou nacional, é parte da tarefa urgente de contribuir com o endereçamento da crise climática e de tratá-la como se deve: uma questão global. No que nos cabe fazer, nossas prioridades são de legislar em consonância com as evidências e constatações científicas sobre esse assunto; em respeito à necessidade urgente de reduzirmos emissões de gases de efeito estufa e nos adaptarmos às consequências das mudanças climáticas, ampliando legislações e os respectivos processos de fiscalização de atividades que emitem gases de efeito estufa, tal como a mineração, indústrias cimenteiras, carvoarias, entre outras; e respondendo à urgência de passarmos por um processo de transição energética para termos um novo modelo de desenvolvimento econômico, com vistas à descarbonização, efetivamente sustentável, que faça o Brasil tirar as pessoas da fome, ter empregos e, ainda, salvaguardando a sociobiodiversidade, a nossa vida e a das gerações futuras.
Defesa do meio ambiente é uma das bandeiras da deputada federal, eleita, em 2022, como a mais votada da história de MG
2023 foi um ano marcado pelos extremos climáticos no Brasil e no mundo. Qual o papel do Legislativo brasileiro nas discussões que envolvem a emergência climática?
O povo de Minas Gerais me deu seu voto de confiança para que eu o representasse no parlamento. É minha obrigação levar ao Congresso Nacional as pautas que carrego na minha trajetória política e que são estruturantes para a sociedade mineira. A pauta ambiental é central na minha atuação política desde muito antes de ser detentora de um mandato legislativo. Não há mais espaço para discussões ideológicas que empobrecem o debate político do parlamento e afogam a construção de políticas públicas que são urgentes para a população. O Legislativo precisa tratar a crise climática como trata pautas econômicas e as pautas da saúde, até porque não são divergentes. Uma economia forte precisa ter em suas bases a defesa dos ecossistemas, protegendo-os da ação destrutiva da mineração e do agronegócio irresponsáveis.
Parte do papel do legislativo é, também, alargar o debate, fazendo as pontes necessárias entre as comunidades e as organizações da sociedade civil para construirmos saídas coletivas, colocando as populações vulnerabilizadas e carentes na centralidade da discussão – afinal são os mais atingidos pelos efeitos da crise climática. Um parlamento que defende o meio ambiente é de fato um parlamento que defende a democracia, a participação social.
A sua campanha em 2022 foi considerada “lixo zero”, sem impressões de materiais eleitorais. Qual a sua proposta em relação à gestão de resíduos no país, em especial à cadeia da reciclagem e fim dos lixões?
A gestão adequada e inteligente dos resíduos sólidos é um dos principais desafios ambientais da nossa sociedade. Apesar da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) preconizar a importância de se reduzir a produção de resíduos, reciclar e destinar corretamente o que for produzido, dez anos depois, em 2022, das 77 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos geradas no Brasil, 38,6% foram destinados de forma totalmente inadequada – em lixões, aterros controlados, queimados a céu aberto ou lançados em rios e oceanos. O restante, 61,4%, foi destinado a aterros sanitários. Precisamos ir além, seguir o que a PNRS nos traz, não precisamos inovar e reinventar a roda: a gestão dos resíduos no Brasil precisa ter a participação dos catadores e catadoras, cooperados ou autônomos, ampliando os percentuais de reciclagem no país. Por outro lado, é preciso que a indústria também compreenda o seu papel na produção de embalagens mais sustentáveis – e o legislativo pode contribuir nesse sentido, a partir da ampliação do diálogo sobre o tema e de novas leis.
É preciso também que ajamos sobre a gestão dos resíduos orgânicos, visto que reciclá-los é peça chave para aumentar os índices de reciclagem dos resíduos secos. Ou seja, precisamos trabalhar na separação entre resíduos sólidos e orgânicos, otimizando o trabalho – fundamental – das associações e cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis, aumentando a quantidade e a qualidade dos materiais recuperados e, também, endereçando corretamente os resíduos orgânicos, para evitarmos emissões de gases de efeito estufa oriundas desse processo e, ainda, podemos usá-los na produção de biogás, por exemplo. Hoje, quem paga a coleta seletiva são os munícipes, com as taxas e impostos que lhes são cobrados, porém, conforme prevê a PNRS, quem deveria custear esse processo são aqueles que produzem e comercializam as embalagens, o que chamamos de logística reversa.
Veja o caso de Belo Horizonte. Temos um contrato com as associações e cooperativas de catadores para a coleta dos resíduos recicláveis, porém eles não recebem um centavo pela triagem desses materiais, que é parte enorme do serviço que prestam. E ainda temos uma situação que é totalmente absurda: o contrato assinado entre a Prefeitura e a empresa dona do aterro sanitário que recebe os resíduos coletados na cidade possui uma meta de aterramento atrelada a uma cláusula de exclusividade. Belo Horizonte gera cerca de 2.900 toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) todos os dias, porém, a cláusula 10.5 do Contrato SMURBE SC – 266/08 estabelece uma meta que garante a exclusividade na destinação final dos RSU para o aterro sanitário até a quantidade de 3.178t/d. Ou seja, mesmo que a prefeitura decida investir na reciclagem, ela não pode, pois se o fizer descumprirá o contrato e, com isso, pode ter de pagar uma multa ao dono do aterro.
Parlamentar lembra que, ainda hoje, quase 40% dos resíduos sólidos urbanos são destinados de maneira inadequada no Brasil.
A RMBH vive um contexto de insegurança hídrica, com fragilidades e ameaças aos dois principais sistemas produtores de água – Rios das Velhas e Paraopeba. Como mudar essa rota?
Em Minas Gerais, vivenciamos a falta de transparência sobre a gestão das águas e sobre a concessão de outorgas, sobretudo para grandes usos. Defendo a realização de auditorias operacionais e de conformidade nos processos de outorgas concedidas pelo IGAM [Instituto Mineiro de Gestão das Águas], bem como que se monitore em tempo real a quantidade de água extraída nelas, de modo que o poder público e a população tenham condições reais e efetivas de avaliar, em conjunto, os pedidos de outorga, e tenham capacidade de intervir quando necessário sobre os usos que extrapolam as condições mínimas de garantia ao fornecimento de água para os usos fundamentais.
A garantia da segurança hídrica na RMBH necessita, então, de vontade política e da atuação estruturante do Estado, em curto, médio e longo prazo. Nas regiões dos Rios das Velhas e Paraopeba, observamos que há uma concentração do uso das águas pela mineração nas regiões altas ou mais relacionadas ao Quadrilátero Aquífero-Ferrífero; mais de 90% da vazão outorgada de água subterrânea é para a mineração. Isso traz implicações, como a redução de disponibilidade de água superficial em várias localidades, que se alia ao grave problema do reuso das águas, vez que as águas captadas pelas mineradoras são, em grande parte, canalizadas para as Unidades de Tratamento de Minérios. Elas tiram/desviam águas de uma ou mais microbacias e jogam-nas com rejeitos nas barragens, que não foram projetadas para suportar os novos regimes de chuva que estão cada vez mais intensos, como parte das consequências das mudanças climáticas.
Outra ação primordial para mudar essa rota de insegurança hídrica envolve a preservação integral do Sinclinal Gandarela, fundamental para a garantia de água em quantidade e qualidade para a RMBH no presente e no futuro. Em direção contrária ao da preservação, o imediatismo do atual chefe do Executivo estadual favorece a expansão da mineração e demonstra, mais uma vez, o seu desprezo pelo meio ambiente e pelo bem-estar das gerações atuais e futuras. Não é possível continuar com a destruição de aquíferos em troca de compensações que não compensam, estritamente em áreas de menor relevância do ponto de vista hidrológico. É urgente pensarmos áreas livres de mineração na RMBH com o objetivo de preservar os aquíferos do Quadrilátero e o fornecimento de água potável, de qualidade, para milhares de pessoas.
Preservação do Sinclinal Gandarela é vista por Duda Salabert como fundamental para a garantia da segurança hídrica na RMBH.
Você é relatora do Projeto de Lei que cria uma UC para a Serra do Curral e já defendeu que parte dos Rios das Velhas e Paraopeba estivessem incluídos no perímetro. Qual proteção aos mananciais isso poderia garantir?
O meu relatório propõe alteração na tipologia da UC, de Parque Nacional para Monumento Natural (Mona). Este tem o objetivo básico de preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica sem a necessidade de desapropriação. Além disso, o Mona não impedirá que comunidades tradicionais que utilizam a área continuem a utilizá-la. É preciso lembrar que a Serra do Curral é, também, um local produtor de águas tanto para a bacia do Rio das Velhas quanto para a do Paraopeba, principais responsáveis pelo abastecimento da RMBH. É na Serra do Curral e na sua confluência com a Serra do Rola-Moça que nascem os cursos d’água que banham a RMBH, como o Ribeirão Arrudas, os córregos e ribeirões Sarzedo, Ibirité, Barreiro, do Bálsamo, Rola Moça, Taboões, Clemente, Capão da Posse, Cercadinho, Acaba Mundo, Serra, André Gomes, Jambreiro, Mutuca, Carrapato e Casa Branca. A nossa proposta de perímetro compreende uma ampliação sentido Rio Paraopeba em razão da necessidade de preservação das cangas ferruginosas, matas, campos rupestres e cachoeiras.
Além disso, o perímetro que estou propondo no substitutivo busca conectar 24 unidades de conservação – sete Reservas Particulares do Patrimônio Natural, 12 Parques, três Monumentos Naturais e duas Estações Ecológicas – existentes na região, bem como áreas ainda preservadas. A ideia é transformar o Mona Serra do Curral num grande corredor ecológico com limites geográficos no Rio das Velhas, a nordeste, e no Rio Paraopeba, a sudoeste. São áreas fundamentais para a recarga dos aquíferos da região e que estão gravemente afetadas pelo avanço predatório da mineração, o que precisa mudar.
E quanto à Serra do Curral? É a criação de uma UC a solução para a preservação definitiva da área?
A criação de uma UC de proteção integral tem sim o objetivo de estabelecer um espaço territorial efetivamente protegido de toda e qualquer ação humana que ameace a sua integridade e possa gerar danos à sociobiodiversidade. No entanto, é fundamental avaliar o perímetro proposto. Não queremos uma UC ali convivendo com a atividade mineradora ao lado. É preciso lembrar que a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela, por exemplo, deixou de fora uma área prioritária para conservação e que é alvo de um megaprojeto de mineração pela empresa Vale S.A: o Projeto Apolo. Faço essa relação porque não podemos aceitar a criação de um Parque Metropolitano da Serra do Curral em troca da liberação das instalações e operações da Tamisa. A sociedade quer a proteção efetiva da Serra do Curral por meio do tombamento e da criação do Mona que engloba o perímetro de oito municípios: Belo Horizonte, Nova Lima, Sabará, Brumadinho, Raposos, Mário Campos, Sarzedo e Ibirité.
A mobilização popular em defesa da Serra tem mostrado a sua força, mas é preciso que os poderes públicos – e seus gestores – respondam aos anseios do povo belo-horizontino e mineiro. Trata-se de um bem tombado pelo Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] e pela Prefeitura de Belo Horizonte, algo que não pode ser atropelado, como tem sido.
Deputada federal é relatora do Projeto de Lei que cria Monumento Natural para a Serra do Curral.
Como belo-horizontina, qual a sua relação com os rios da capital?
Eu me lembro de, quando mais nova, ouvir histórias das pessoas terem contato com diversos rios, córregos e cursos d’água pela cidade e muitos deles permitiam atividade humana, servindo como uma opção de lazer, principalmente para pessoas de baixa renda. Enquanto cidadã e mãe, gostaria que a Sol, minha filha, pudesse ter o mesmo contato dessas histórias. Faltam opções de lazer na cidade e temos diversos cursos d’água cobertos embaixo dos nossos pés. Dos quase 700 km de cursos d’água, aproximadamente 1/3 está tamponado, 1/3 está canalizado e apenas 1/3 em leito natural, mas grande parte dessa parcela está poluída. Não podemos lembrar dos rios urbanos apenas no período de chuvas. É preciso recuperar a saúde dos nossos rios, torná-los parte da cidade novamente, contribuindo para termos uma cidade mais agradável, com mais saúde no espaço urbano.
Infelizmente, sequências contínuas de gestões – irresponsáveis – tornaram essa realidade um sonho distante para Belo Horizonte. Mas, o que nos move, senão os sonhos? A BH que eu quero para o futuro é colorida, com muito verde, das árvores que serão plantadas, com rios urbanos reconhecidos como patrimônio do povo belo-horizontino. Inclusive, BH se tornou a capital de Minas Gerais por conta da riqueza dos seus recursos hídricos. O caminho para isso passa pela educação climática e de gestões que se comprometam com o meio ambiente e com a saúde da cidade e do povo que nela vive, trabalha, estuda, se diverte.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Por Luiz Ribeiro