‘Saneamento já!’. Sob esse lema, o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) lança sua nova campanha de comunicação e mobilização social, dedicada, neste ano, a dirigir os holofotes a um tema de extrema relevância para o contexto de proteção do rio, de suas águas e da biodiversidade.
Com quatro grandes eixos – tratamento e distribuição de água potável, coleta e tratamento de esgotos, drenagem urbana das águas pluviais e coleta e destinação correta dos resíduos sólidos –, a campanha ‘Rio das Velhas, Eu Faço Parte’ deste ano pretende ampliar a visibilidade do problema, ajudando a fazer com que essa causa seja abraçada decididamente pela comunidade da bacia hidrográfica de forma geral.
Terreno minado
A escolha não poderia ser mais oportuna. Números do Instituto Trata Brasil, ONG formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país, indicam que, no Brasil, mais de 5,5 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento – ou 20,6 bilhões de litros – são despejadas todos os dias na natureza.
Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), a cargo do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, revelam que a ausência de acesso à água tratada atinge quase 35 milhões de pessoas e 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto.
Se 84,2% da população tinha acesso à água tratada em 2021, última atualização do SNIS, menos de 56% dispunham de redes de esgoto e pouco mais da metade dos efluentes gerados (51,2%) recebia tratamento.
Poliana Valgas, presidenta do CBH Rio das Velhas, constata: “Hoje o que mais degrada e impacta a bacia ainda é a falta de saneamento. Nada mais importante do que trabalhar esse tema nos 51 municípios, pois precisamos avançar muito com o saneamento nesses territórios”.
“Esgotos são o maior problema, o de maior dimensão”, concorda o secretário do Comitê, Marcus Vinícius Polignano, que analisa: “Foi dada prioridade ao tratamento e distribuição da água e não houve, na mesma proporção, um equilíbrio e uma preocupação no que tange ao tratamento dos esgotos”.
A desigualdade social e regional acentua o desafio. Enquanto 97,96% da população dos 20 municípios mais bem situados no ranking nacional de saneamento têm acesso aos serviços, apenas 29,25% da população nos 20 últimos são assistidos – uma diferença de quase 70 pontos percentuais, diz o Trata Brasil.
Outro dado alarmante é a diferença do índice de tratamento de esgoto entre os 20 municípios mais bem posicionados em relação aos 20 piores. O primeiro grupo tem, em média, 80% de cobertura. Já o grupo da lanterna não chega aos 19%, quatro vezes menos!
O panorama em Minas
O SNIS 2021 mostra que a distribuição de água tratada atende 82,4% dos mineiros. Já a coleta de esgotos atinge 2/3 da população, ou 66,37%, com tratamento ainda mais baixo, de 57,88%. Salta aos olhos também o patamar elevadíssimo de perdas de água, da ordem 37,5%.
Na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, com área total de 27.850 km² e 51 municípios, 44 têm suas sedes urbanas dentro dos limites da bacia. Desses, só 21 têm Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) em funcionamento, ou 47,7%, segundo pesquisa de Josiani Cordova, em tese apresentada à Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2020. Outro dado preocupante: 16 municípios, dos 51, não contam sequer com coleta de esgoto. A Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) lidera a prestação de serviços de esgoto em 28 dos 51 municípios banhados pelo Rio das Velhas ou por seus afluentes.
Região Metropolitana
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), com parte significativa inserida na Bacia do Rio das Velhas e onde está 30% da população do Estado, mais números impactantes: 658 mil pessoas (ou 10,9% da população) não têm acesso à água, 1,15 milhões (19,1% do total) não têm coleta de esgoto e 117 mil m³ são derramados todo ano nos cursos d’água sem tratamento nenhum, segundo o estudo do Trata Brasil baseado no SNIS.
A capital mineira, que ocupava o 37º lugar na classificação nacional do saneamento, perdeu dez posições em um ano. O principal responsável pela queda foi o indicador de ligações de água. Além disso, pioraram todos os três indicadores de perdas de água.
A prefeitura de BH atribui o resultado ao surgimento de muitos loteamentos e ocupações irregulares, que estariam fora do sistema de abastecimento, mesmo argumento usado pela Copasa, segundo o jornal Estado de Minas.
Batalha antiga
Completam-se neste 2023 os 20 anos da primeira expedição que percorreu o Rio das Velhas, da nascente à foz, entre setembro e outubro de 2003, parte da luta do Projeto Manuelzão, da UFMG, em parceria com o CBH. A jornada hasteou a ideia de “navegar, nadar e pescar” no maior afluente do Rio São Francisco, justamente em sua área mais degradada, na RMBH, chamando as atenções para a necessidade imperiosa de priorizar o saneamento básico.
“Com as metas que criamos, em conjunto com o Projeto Manuelzão, para 2010 e 2014, houve incremento importante no tratamento de esgotos em BH, com a construção da ETE Arrudas, em 2000, e ETE Onça, em 2006 e 2010 [segunda etapa]”, relembra Polignano.
O secretário, no entanto, pondera: “Ainda temos problemas. A Estação do Onça, por exemplo, está no limite e precisa ser ampliada. O esgoto não tratado adoece inexoravelmente nosso rio. Embora tenhamos avançado muito e avaliamos isso pela volta do peixe, já próximo de Lagoa Santa, ainda temos um percentual que compromete muito a qualidade de vida e saúde das pessoas e a vitalidade do rio, com mortandade de peixes e impossibilitando que a gente possa nadar no rio na RMBH.
Na prática
O CBH Rio das Velhas arregaça as mangas também no campo das soluções práticas, como financiando, com recursos da cobrança pelo uso da água, a elaboração de dezenas de Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) na bacia.
Valgas, com a experiência de Secretária de Meio Ambiente em Jequitibá, confirma: “O CBH Já vem trabalhando ao longo dos anos, apoiando na elaboração dos PMSB, temos 28 entregues. Hoje todos na bacia possuem seu Plano. Não é por falta de instrumentos de planejamento que a gente não avança. O grande X é como operacionalizar, tirar do papel, essa a dificuldade dos municípios. A maioria sobrevive de FPM [Fundo de Participação dos Municípios], não consegue executar as intervenções”.
Tais investimentos do CBH emanam das diretrizes do seu Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH), cuja primeira edição data de 2004, quando já assinalava que “o tratamento de esgotos é extremamente deficitário na bacia, gerando significativa carga remanescente de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), incompatível com a autodepuração na maioria dos trechos”.
A chamada Agenda Marrom do PDRH, voltada para o saneamento ambiental, congrega 22,6% das ações e 22,4% dos recursos arrecadados pelo Comitê.
Fúlvio Simão, secretário adjunto do CBH Rio das Velhas, corrobora: “Mesmo não tendo recursos para fazer ETEs, tem que ser protagonista nas discussões. Saneamento não é só esgoto, tem múltiplas dimensões. Não é de agora essa demanda, é de uma vida inteira. O Comitê tem representação de setor público, usuários e sociedade civil, é um ambiente propício para reunir todos trabalhando por isso que é interesse geral”.
Para Valgas, “um dos papéis do CBH Rio das Velhas é ser articulador, indutor de boas práticas e oferecer caminhos aos municípios”. Outra frente de relevo é a “questão do saneamento rural”, diz: “Vamos trabalhar, em parceria com o CBH do Rio São Francisco, para fornecer estruturas de saneamento rural aos municípios”.
O vice-presidente do Comitê, Renato Constâncio, elogia a integração: “O São Francisco já tinha um programa de saneamento rural e agora estamos trabalhando de forma integrada para potencializar recursos e ações, somando com eles e aumentando a sinergia”. Isso, diz, como “representante da Cemig [Companhia Energética de Minas Gerais] e dos usuários, mostra bom senso, responsabilidade e inteligência na aplicação dos recursos da cobrança, dando retorno palpável, tangível para quem paga”.
Constâncio ainda sugere que o CBH “incentive, valorize e divulgue as boas práticas”, como o reuso da água e o tratamento de efluentes”. Para isso, indica a busca de “parcerias com Faemg e Fiemg” e a criação de um prêmio, “ainda que simbólico”, distinguindo as empresas urbanas e rurais que sejam “exemplo no cuidado com os recursos hídricos e o meio ambiente”.
No campo das ações em preparação, a presidenta informa: “Vamos apoiar as cidades também na elaboração dos Projetos Executivos para sistemas de tratamento de esgotos, para que estejam prontas a captar recursos assim que sair um edital”.
Concluindo, Valgas ressalta: “Não adianta produzir água, executar programas de conservação sem saneamento. Se não tratar a água, os rios vão seguir contaminados”.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala