Decreto presidencial autoriza construções em áreas de cavernas

31/01/2022 - 14:35

O Decreto Federal 10.935/2022 assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, no dia 12 de janeiro, autoriza a construção de empreendimentos considerados de utilidade pública em áreas de cavernas e permite a destruição mesmo daquelas que os órgãos ambientais classificam como de relevância máxima. O risco, afirmam especialistas, é que sítios arqueológicos que guardam vestígios dos ancestrais humanos e que são refúgios para a fauna sejam totalmente extintos.

As cavernas são bens da União protegidos pela Constituição. A legislação posterior à promulgação da Carta Magna determinou três classificações de relevância das cavernas: baixa, média e máxima. O ranqueamento serve para preservar a área onde as cavidades subterrâneas se localizam.

A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBP) informa que Minas Gerais possui 10.579 cavernas que ficarão com menos proteção ambiental, com destaque para a bacia do Rio das Velhas que possui um dos mais importantes complexos de cavernas da América do Sul. Entre Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, fica o complexo de Lapa Vermelha, considerado berço dos estudos em cavernas pelo dinamarquês Peter Lund, um complexo de 52 cavernas calcárias e cerca de 170 sítios arqueológicos, dentro do Parque Estadual do Sumidouro.

A grande preocupação dos especialistas em espeleologia, a ciência que estuda as cavernas, é que em algumas regiões do país estas formações naturais possuem vários tipos de minérios de valor comercial. A exploração dessas riquezas pode, em tese, levar à extinção das cavernas. A construção de rodovias também impacta negativamente as cavernas, podendo até mesmo causar contaminação do lençol freático.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, suspendeu no dia 24 de janeiro, trechos do decreto que libera construções em cavernas. Em sua decisão, Lewandowski afirmou que há “risco de danos irreversíveis às cavidades naturais subterrâneas e suas áreas de influência” que justificam a suspensão de partes do decreto até a análise do caso pelo plenário do STF. A decisão de Lewandowski é provisória e vale até que o caso seja analisado pelo plenário do STF. Ainda não há uma data para que a ação seja incluída em pauta.

Para o representante da SBP, Luciano Emerich Faria, o decreto deve ser revogado. “Esse decreto é um retrocesso para a espeleologia brasileira e possibilita a destruição de caverna de máxima relevância, o que será extremamente danoso ao país. O que o governo está fazendo nesse momento é permitir a extinção de espécies e da história da humanidade. O documento permite a destruição das cavernas com a prerrogativa de compensação ambiental. Compensar depois de destruir? O decreto precisa ser revogado, pois vai contra a constituição, sem contar a falta de diálogo com que foi imposto!”, afirmou.


Segundo especialistas, decreto do governo federal representa um retrocesso para a espeleologia nacional


Desenvolvimento insustentável

O coordenador do Centro de Estudos em Biologia Subterrânea da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Rodrigo Lopes Ferreira, explica que com a justificativa de geração de emprego e renda, o decreto autoriza a construção de empreendimentos considerados de utilidade pública, como por exemplo, rodovias, ferrovias, mineradoras e empresas, em áreas de cavernas. “Esse progresso não se sustenta porque os malefícios e as perdas podem ser incalculáveis. As cavernas da região do Carste, por exemplo, são habitadas por morcegos que prestam serviços ecossistêmicos excepcionais. As pessoas têm medo deles, mas eles trazem diversos benefícios à população. Imagina perder isso?”, indagou.

Rodrigo Ferreira afirma ainda que já existem estudos consolidados que mostram que quando uma população de morcegos desaparece, os prejuízos para as lavouras e o agronegócio são gigantescos por não haver predadores dos insetos, principalmente, os de praga agrícola. “Em médio a logo prazo poderá ter muitos prejuízos nas lavouras e o produtor utilizará agrotóxicos para extinguir os insetos e as pragas agrícolas e em enfeito cadeia intoxicar a população, além de encarecer a produção”.

Outra questão bastante atual, apontada pelo biólogo, é o surgimento de novas doenças, surtos epidêmicos e pandêmicos. O especialista da UFLA aponta como exemplo, o surgimento do SARS-CoV-2, vírus da COVID-19, que tem como principal teoria de surgimento da doença nos morcegos. “Imagina as cavernas sendo destruídas em uma velocidade muito maior que hoje, que é o que esse decreto permite. Os morcegos vão para as cidades em busca de abrigos e causar diversas novas doenças”, alertou.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Fotos: Newton França; Ohana Padilha