Projeto criado por professor e estudantes pode mudar a vida das famílias da Ocupação Izidora, em Belo Horizonte
“
Eu sou Paulinha e cheguei aqui há sete anos. Me deparei com uma situação muito difícil e não tinha mais como pagar aluguel.
Foi quando decidi colocar quatro paus aqui e morar.”
Essa é a história da Paula Cristina Fonseca da Silva, que conta como foi sua chegada na comunidade Vitória, na qual hoje é reconhecida pelos moradores como uma liderança.
No dia em que ela se mudou para o barraco, coberto pela metade com uma lona, a chuva caiu e molhou as suas coisas. “Eu falo que foi para limpar tudo que ficou para trás, sabe? Apesar de ter molhado tudo e a gente ter ficado em pé, foi maravilhoso ter caído essa chuva.” O que Paula quer dizer quando conta sobre o primeiro dia em que chegou na ocupação foi ter deixado para traz a angústia das noites sem dormir com medo de não ter dinheiro para pagar aluguel.
A vida da Paula pode servir para explicar a situação enfrentada por milhares de famílias brasileiras. Desemprego, falta de dinheiro para pagar o aluguel, falta de uma política habitacional e a oportunidade de ter uma casa são alguns dos motivos que levam pessoas a se juntarem e ocuparem espaços em busca de moradia. Famílias como essas que formaram a Izidora, uma das maiores ocupações urbanas da América Latina, onde moram cerca de 30 mil pessoas.
Localizada na região norte de Belo Horizonte, há cerca de 18 km do centro da capital e na divisa com o município de Santa Luzia, a ocupação começou em 2013 e hoje é formada por quatro comunidades: Vitória, Rosa Leão, Esperança e Helena Greco.
Ameaças de despejo, lutas judiciais e o sentimento de insegurança constante é a realidade de quem se arrisca na conquista de um novo lar para morar. Insegurança sentida por Josymar das Dores Coelho, que já viveu cenas de violência na comunidade Helena Greco. Liderança local, Josy relembra uma das ações de despejo que derrubou 27 barracos: “Meu filho sofreu muito. Ele recebeu spray de pimenta no olho que a polícia jogou pra eu sair de dentro do barraco pra eles derrubarem.”
Para se ter uma ideia do que os moradores da Ocupação Izidora já enfrentaram, em 2016 o Tribunal Internacional dos Despejos, órgão que produz e envia recomendações sobre conflitos por moradia para a Organização das Nações Unidas (ONU) e a governos, elegeu o caso como um dos sete mais graves do mundo.
Hoje, a Josy é mãe de cinco filhos e cuida deles sozinha. Para sustentar a Nicole, com 18 anos, o Pedro, com 13 anos, o Natan, com 8 anos, a Sofia, com 7 anos e o Joaquim, com 3 anos, ela trabalha como faxineira do Centro Cultural Zilah Spósito. Lá ela também mapeia os artistas da comunidade e leva para o espaço cultural as demandas dos moradores. Com um salário que, como ela mesma diz, “não dá para fazer muita coisa”, Josy consegue, pelo menos, colocar comida na mesa dos filhos.
É certo que lutar pelo direito à moradia é um ato de coragem por necessidade, já a conquista do saneamento básico em uma ocupação pede um pouco de esperança. Quem vive na Izidora convive com o esgoto sem tratamento adequado, a falta d’água e de coleta de lixo. Os moradores se viram como podem. Fossas são furadas no quintal e a água da pia e do tanque escorre ali mesmo, pelo terreno das casas. O lixo é queimado no quintal e a água, quando falta, precisa da colaboração dos vizinhos que formam um grande cordão de mangueiras unidas para puxar água de quem ainda tem para compartilhar.
“A gente vive com fossas dentro do terreno onde tem famílias que nem tem lugar mais para furar o chão. Sem contar que prejudica muito o solo. O que eu mais queria é que acabassem as fossas do nosso território e que a prefeitura desse uma olhada diferente pra gente aqui dentro, sabendo que somos humanos e que dependemos de saneamento básico. Pelo menos o básico que é o esgoto, a água tratada, a luz legal pra gente. Não queremos viver da forma que estamos vivendo”, conta Josy.
Mas assim como as mangueiras, que são emendadas, uma a uma, para fazer chegar a água aos moradores, o tratamento de esgoto poderá ser conquistado pela empreitada na própria ocupação. Isso porque o professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Daniel Miranda, com os estudantes Katy Marilym de Matos Neves e Nelson Xavier Ribeiro Neto, do curso de Engenharia Civil, e o engenheiro e ex-aluno do IFMG, Lorenzo Perpetuo Pinto, desenvolveram um projeto que é capaz de solucionar o problema dessas famílias que não têm tratamento de esgoto. “A ideia é usar formas de tratamento de esgoto alternativos, utilizando tecnologias sociais muito baratas que podem ser construídas com a mão de obra dos moradores dessas ocupações. Essa proposta envolve não só a construção das tecnologias em si, como cursos de capacitação que vão ser oferecidos pelo IFMG campus Santa Luzia”, explica o professor Daniel.
O projeto prevê colocar em prática dois tipos de tecnologias já conhecidas. Uma é o círculo de bananeiras, que trata das águas usadas dentro das casas, como em pias, tanques e chuveiros, as chamadas águas cinzas, e envolve o custo médio de R$ 100 reais por círculo. A outra é o tanque de evapotranspiração (TEvap), com custo médio de R$ 1 mil, o sistema que pode ser construído utilizando materiais de construção civil e pneus para tratar a água dos sanitários. Cada uma das tecnologias pode atender uma família de até 5 pessoas.
Mas o que levou Daniel e seus alunos a conquistarem o prêmio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) não foram exatamente as tecnologias que fazem parte do projeto, mas a forma como serão executadas na ocupação Izidora. No modelo de negócios proposto, que conta com a criação de uma empresa social que vai coordenar o processo e buscar parcerias, a ideia é que os moradores, organizados em cooperativas, sejam capacitados pelo IFMG para poderem construir e instalar os dispositivos sustentáveis e que sejam capazes de adquirir o próprio sistema de tratamento. “Essas tecnologias serão financiadas pelas famílias. Nós vamos executá-las com apoio dos moradores, devidamente capacitados pelo IFMG, e esses moradores beneficiados por essas tecnologias vão retornar esse investimento em prestações. É como se fosse um empréstimo, porém de uma forma muito facilitada e compatível com as condições que eles conseguem pagar. Como tudo envolve um investimento financeiro, a gente não conseguiria ter uma fonte inesgotável de recursos por conta própria para bancar a instalação para todas as famílias.”
O projeto segue em andamento. De setembro de 2020 até agora foram feitas diversas reuniões e apresentações, inclusive em dois encontros do Subcomitê Ribeirão Onça, do CBH Rio das Velhas. Foram realizadas reuniões com a prefeitura de Belo Horizonte, secretaria de Meio Ambiente, de Planejamento, de Segurança Alimentar, tudo no intuito de buscar parceiros para fortalecer a execução do tratamento alternativo para o esgoto na Izidora.
Ainda no primeiro semestre de 2021 será colocada em prática a fase pré-piloto, que contará com apoio do IFMG no valor de quase R$ 30 mil. A segunda fase será realizada no segundo semestre de 2021 com a execução do projeto-piloto. Neste momento entra em cena a empresa social, que contará com recursos próprios, como o prêmio de cinco mil dólares garantido pelo BID e outras parcerias para dar continuidade nas ações. “Nossa ideia é, a cada mês, construir um círculo de bananeiras e um tanque de evapotranspiração a uma família de cinco pessoas de cada ocupação. No total, vamos construir 36 TEvaps e 36 círculos de bananeira em um período de nove meses, beneficiando as quatro comunidades do Izidora. Em um período de um ano, vamos conseguir beneficiar em torno de 220 pessoas”, explica o professor.
Da mesma forma que se constroem casas, se resolve a falta de água, abrem ruas, colocam-se placas nessas ruas, a construção de sistemas de tratamento de esgoto também deverá ser apropriada por quem mora na Izidora. Uma necessidade unida à vontade de fazer acontecer dentro em uma rede cooperativa dos moradores, apoiados pelo IFMG, pode começar a transformar a vida da Paula, da Josy, das 8 mil famílias que têm um direito que será, mais uma vez, conquistado, literalmente, com as próprias mãos.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: Bianca Aun
Ilustração: Clermont Cintra