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Revista Velhas nº 21: Entre esgotos e esperança

13/05/2025 - 14:44

O abismo do saneamento no Brasil e os esforços que buscam salvar o Rio das Velhas e suas comunidades


Tomar banho, lavar utensílios, cozinhar alimentos, utilizar a descarga, recolher o lixo, além de tratar a água, o esgoto e os resíduos sólidos são exemplos do cotidiano que refletem os princípios básicos da dignidade humana e dos direitos fundamentais à vida, à saúde e ao meio ambiente. Contudo, o acesso a esses direitos essenciais ainda é um desafio para muitos brasileiros, devido à insuficiência no saneamento básico, que permanece como uma das principais barreiras para a garantia de qualidade de vida no Brasil.

Um direito básico que mais de 93 milhões de brasileiros (44,5% da população) ainda não possuem. “Aqui na comunidade, muitos usavam a fossa seca. Era uma casinha no fundo do quintal, com o piso de cimento ou de tábua, e um buraco no meio onde ficava a privada. Com o tempo, começaram a construir banheiros ligados a fossas negras, mas muitas pessoas não tinham condições sequer de construir um banheiro,” relata Consuelo de Fátima Ribeiro, presidenta da Associação de Moradores de Batatal, comunidade de Diamantina, localizada no Médio-Baixo Rio das Velhas.

Para mudar essa realidade nacional, foi criada em 2007 e atualizada em 2020 a Política Federal de Saneamento Básico, que compõe o Marco Legal do Saneamento. Esse conjunto de normas tem como objetivo garantir o acesso universal à água potável, à coleta e ao tratamento de esgoto, além do manejo adequado de resíduos sólidos e de águas pluviais urbanas para toda a população brasileira. Embora o marco estabeleça a universalização desses serviços até 2033, uma projeção do Instituto Trata Brasil indica que, no ritmo atual, essa meta poderá sofrer um atraso de 37 anos.

Os investimentos ainda não são suficientes. De acordo com o instituto, desde 2023, mais de R$ 46 bilhões anuais deveriam ser investidos até 2033, somando mais de R$ 509 bilhões de investimentos pelas operadoras, para que a universalização dentro da meta seja uma realidade. Até 2022, ano dos últimos dados disponíveis, o investimento era de R$ 20,9 bilhões anuais.

Sanitarista Fernando Rodrigues, professor da UFMG, destaca importância do
saneamento chegar a comunidades vulneráveis, mesmo quando o retorno financeiro for limitado.

Novos investidores, antigos desafios

Com a aprovação do Marco Legal do Saneamento, e com a abertura de licitação prévia para novos contratos, o mercado privado de água e tratamento de esgoto vem crescendo no território brasileiro. Desde 2020, a presença de operadoras sem controle estatal saltou de 5% para 30% dos municípios brasileiros, uma alta de 466%. O levantamento é da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcom).

Os desafios para alcançar as metas do marco estão fortemente vinculados à fiscalização e à regulação eficaz desses contratos, principalmente dos firmados pelas operadoras privadas. É o que explica o engenheiro sanitarista e ambiental Fernando Rodrigues, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “As principais dificuldades estão na forma como as agências reguladoras vão fiscalizar os contratos e garantir que as empresas cumpram os planos estabelecidos. Isso é fundamental”, explicou. Fernando também destacou a importância de se desenvolver estratégias para atender comunidades vulneráveis, mesmo quando o retorno financeiro é limitado. “Essas empresas privadas, ao vencerem os processos licitatórios, têm a obrigação de cumprir as metas de atendimento, incluindo as populações mais carentes. A regulação e a implementação de tarifas sociais são essenciais para garantir que esse público seja contemplado”, explicou.

Para 2025, a Abcon, a partir de dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), faz uma estimativa de R$ 69 bilhões de novos investimentos em leilões de contratos regionais para gestão de água e esgoto. Somente para o estado de Pernambuco, estima-se um investimento de R$ 18,9 bilhões no leilão.

Para além dos contratos e a expansão da infraestrutura, o investimento em estudos e tecnologia são fundamentais para enfrentar os desafios do saneamento básico no Brasil. “Há um campo vasto para pesquisa e aplicação de tecnologias mais avançadas, como separação por membranas e processos em níveis mais complexos de tratamentos”, destacou Fernando Rodrigues. Ele enfatizou a necessidade de adaptar soluções à realidade brasileira, em que cerca de 37% das Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) utilizam reatores anaeróbios, uma tecnologia especialmente relevante em estados como Minas Gerais e Paraná. “Esse cenário é único no Brasil e exige incentivos à pesquisa para o desenvolvimento de técnicas sustentáveis e inovadoras, alinhadas às nossas condições”, afirmou.

Embora reconheça que ainda há muito a ser feito, especialmente no desenvolvimento de tecnologias adaptadas à realidade brasileira, ele acredita que o progresso é evidente. “Estamos avançando nas políticas públicas, tanto de saneamento quanto ambientais de forma geral. No entanto, ainda há muito a ser feito em termos de regulação. Apesar dos desafios, acredito que estamos em um momento melhor do que já estivemos, sempre buscando melhorias por meio das políticas implementadas”.

Rio Batatal, afluente do Rio Pardo Grande, na comunidade de Batatal, em Diamantina.

Programa de Saneamento Rural

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), onde está parte significativa da bacia do Rio das Velhas, anualmente são registradas 772 internações ao ano por doenças de veiculação hídrica, e sete óbitos. A renda mensal das pessoas com saneamento na Grande BH é 110% maior do que as que não contam com esse serviço. Pessoas com saneamento ficam em média três anos a mais na escola do que as sem saneamento.

Diante desse cenário e reconhecendo o saneamento como um direito social, o CBH Rio das Velhas tem desenvolvido uma série de ações buscando alterar essa rota. Com um investimento de R$ 20 milhões e em parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), o CBH Rio das Velhas tem buscado promover mudanças significativas na realidade de municípios e famílias rurais, proporcionando soluções coletivas e individuais para o saneamento.

Um exemplo disso é a comunidade de Batatal, em Diamantina, citada no início desta matéria. Com R$ 2 milhões provenientes dos recursos da cobrança pelo uso da água na bacia, o Comitê está implantando sistemas inovadores e simplificados na localidade. O Programa de Saneamento Rural do CBH Rio das Velhas beneficiará mais de 118 famílias na região. “Aqui em Batatal, a comunidade não tinha tratamento de esgoto, que é um serviço essencial de saneamento básico. Agora, com a implantação dos sistemas individuais em parceria com o CBH Rio das Velhas, será uma grande conquista para todos. A situação vai melhorar bastante, sem contar no tratamento adequado e na preservação das águas”, comemorou Consuelo de Fátima.

Além de Batatal, o município de Congonhas do Norte, também no Médio-Baixo Velhas, recebe os seus primeiros sistemas individuais. Ao todo, até o primeiro trimestre de 2025 serão entregues 112 intervenções sanitárias na região. Outras iniciativas como essa estão em andamento ao longo de toda a bacia, incluindo as comunidades de Maciel e Engenho D’Água, pertencentes a Ouro Preto, e o distrito de São José da Serra, em Jaboticatubas. Em breve, as comunidades de Tronqueiras, em Funilândia, Doutor Campolina, em Jequitibá, João da Costa, em Baldim, e Riachinho, em Morro da Garça, também terão projetos focados na coleta, tratamento e destinação de esgotos domésticos por meio de módulos individuais.

Presidenta da Associação de Moradores de Batatal, Consuelo de Fátima (esq). Comunidade rural de Batatal, em Diamantina, recebeu Tanques de Evapotranspiração (TEVaps), biodigestores e bioetes.

Programa de Saneamento Urbano

Além de promover ações no meio rural, o CBH Rio das Velhas tem financiado a elaboração de estudos de concepção, projetos básicos e executivos para sistemas de esgotamento sanitário de uso coletivo. É o chamado Programa de Saneamento Urbano. Os municípios de Inimutaba, Jaboticatubas, Esmeraldas e Jequitibá foram contemplados e o termo de referência para contratação está em fase final de elaboração.

O Programa nasce para tentar corrigir uma rota problemática. Inimutaba, por exemplo, conta com um sistema deficitário de coleta dos esgotos – 40% do município não é atendido. No que diz respeito ao tratamento, a situação é ainda mais precária: o esgoto bruto é jogado diretamente nos cursos d’água, sem nenhum tipo de tratamento.

Nesse contexto, o prefeito de Inimutaba, Emersomm Danezzi, vê com bons olhos o projeto que está sendo gestado pelo CBH Rio das Velhas. “Precisamos pensar nas próximas gerações, no bem-estar e na melhoria da qualidade de vida da população e esse projeto será de extrema importância para Inimutaba. Estamos muito felizes por nossa cidade ser contemplada com mais essa iniciativa. Tenho plena confiança de que o CBH Rio das Velhas está comprometido em intensificar os esforços para a preservação da bacia, um trabalho que exige a participação ativa de todos nós, inclusive dos municípios”, afirmou.

Vice-presidente do CBH Rio das Velhas e integrante das três grandes Expedições pelo rio, Ronald Guerra destaca a importância de investimentos em saneamento para que a bacia tenha uma melhora significativa. “As cidades crescem continuamente, mas os programas de revitalização e saneamento não acompanham esse ritmo para mitigar os impactos desse crescimento. Como Comitê, estamos dedicando tempo e recursos para avançar com estudos, projetos e intervenções em comunidades e municípios da bacia. Precisamos avançar com urgência, pois a ação mais essencial e indispensável para a despoluição do rio é a interceptação e o tratamento dos esgotos,” concluiu.

Prefeito de Inimutaba (esq.), Emersomm Danezzi vê com esperança início de projeto do Comitê no municípioPara vice-presidente do CBH, Ronald Guerra (centro), ação mais indispensável na revitalização é a interceptação e tratamento de esgotos. 100% do esgoto bruto gerado em Inimutaba é jogado diretamente nos cursos d’água. Triste realidade está com os dias contados (dir.).

 


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: João Alves