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Revista Velhas nº 22: O expedicionário e o Vale do Taquaraçu

29/12/2025 - 9:00

A história do ímpeto científico e desbravador de um barão alemão que colocou o Vale do Rio Taquaraçu no roteiro de uma das mais importantes expedições científicas do século XIX


O ano era 1824. O Brasil, àquela altura um jovem império, recém apartado de Portugal, conduzia o processo de outorga de sua primeira Constituição. Em 25 de março, o imperador Dom Pedro I promulgou o texto que buscava estabelecer a organização política e institucional de um território continental e, naquele momento, autônomo. O país tornou-se então uma monarquia constitucional hereditária e foram estabelecidos quatro poderes fundamentais: Executivo, Legislativo, Judiciário e o Poder Moderador – este último exercido exclusivamente pelo Imperador.

Nesse contexto de efervescência política, estruturação de um país que engatinhava, buscando sua posição no mundo, um médico e diplomata alemão ocupava o cargo de cônsul geral da Rússia no Brasil. Nomeado pelo Czar Alexandre I, o barão Georg Heinrich von Langsdorff desembarcou no Brasil em 1813, mais precisamente no Rio de Janeiro, capital do Império, onde estabeleceu morada. Lá mesmo, o naturalista e cientista viajante fundou, em 1816, a Fazenda Mandioca, uma propriedade rural situada ao fundo da Baía de Guanabara, que se tornou polo científico para diversos pesquisadores estrangeiros que chegavam à capital imperial.

Sob este ímpeto e vocação científica, em 1821, o barão apresentou ao Czar Alexandre I um audacioso plano expedicionário, que percorreria o Brasil interiorano, em busca de um registro etnográfico e naturalista dessa parte do território nacional. A apresentação foi tão consistente que o Czar, líder supremo do Império Russo, logo aprovou o plano e patrocinou a empreitada.


O Barão de Langsdorff apresentou o projeto ao Czar Alexandre I, montou sua equipe e partiu em expedição. À direita, a gravura de Johann Motiyz Rugendas, ‘Habitantes de Minas Gerais, datada entre 1822 e 1825, como parte de seu livro ‘Viagem Pitoresca Através do Brasil’


Composição da equipe e resumo do caminho

Com o aval do mandatário russo, era o momento de montar a equipe que o seguiria. A ideia era compor um grupo multidisciplinar que pudesse, por meio de desenhos e relatos manuscritos, registrar as peculiaridades naturais e humanas do interior do Brasil. Sendo assim, ele convocou Edouard Ménétriès, naturalista francês; Nester Rubtsov, astrônomo russo; e os compatriotas alemães Johann Moritz Rugendas, pintor; Ludwig Riedel, botânico; Georg Wilhelm Freyreiss, caçador e naturalista; e Christian Friedrich Hasse, zoólogo.

Entre os anos de 1822 e 1824, o grupo promoveu incursões pelo estado do Rio de Janeiro e nos arredores da fazenda de Langsdorff, localizada onde hoje está o município fluminense de Magé. Já entre 1824 e 1825, os expedicionários percorreram o interior de Minas Gerais. Numa segunda etapa da viagem, realizada entre 1825 e 1829, a expedição ganhou os rios do Brasil. Por vias fluviais, Langsdorff saiu de Porto Feliz, às margens do Rio Tietê, em São Paulo, até Cuiabá, encerrando as atividades em Belém do Pará, percorrendo, ao todo, 17 mil quilômetros.

Ao fim do percurso, segundo relatos da equipe, o médico alemão estava extremamente doente, em virtude das diversas vezes em que foi acometido por malária. Com graves perdas de memória, Langsdorff voltou à Alemanha e faleceu em 1852, aos 78 anos.

Os caminhos das Minas Gerais

Foi em maio de 1824 que o barão e os expedicionários partiram rumo a Minas Gerais. A expedição passou então por Barbacena, São João del-Rei e Tiradentes, que formavam a Comarca do Rio das Mortes, atual Região do Campo das Vertentes. O grupo seguiu por Ouro Preto e entorno, Sabará, Caeté e Santa Luzia, na então Comarca do Rio das Velhas, atual Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os expedicionários encerraram a empreitada mineira em Serro do Frio, atual Serro, no Vale do Jequitinhonha, após uma passagem por Barão de Cocais.

Ao longo do percurso, o barão de Langsdorff registrou, em um diário completo, detalhes e impressões sobre a fauna e flora, sobre as condições de moradia e também sobre as principais atividades econômicas do caminho. Neste documento, publicado no Brasil pela Editora Fiocruz, em 1997, o expedicionário narra, com ricos detalhes, a realidade da época de parte da bacia do Rio das Velhas, principalmente no Vale do Rio Taquaraçu.

Um exemplo desses preciosos relatos foi feito no dia 04 de outubro de 1824. “Santa Luzia situa-se próxima ao rio das Velhas, que aqui ainda não é muito grande, mas abundante em peixes. Os peixes mais comuns aqui são: dourado, surubim, surubim cassonete e surubim-loango, curimatã, piau, piabanha, curubixá, que não tem espinhas; matrinxã, mandi, mandiaçu, traíra, pirá, piranha, cascudo, jaú, piaba e outros”, escreveu Langsdorff.

Logo no trecho seguinte, o barão alemão fala sobre a composição do solo e das águas. “Nas vizinhanças, existem jazidas abundantes de cal e salitre, além de barreiros ou locais onde o gado, cervos e pombos selvagens se reúnem em bandos para comer dessa terra ou lambê-la. A região é salubre durante o ano todo, há muito vento, e, às vezes, ventos fortes. Nas redondezas, existem muitos lagos piscosos”. Ele finaliza. “De maneira geral, as redondezas do rio das Velhas são muito saudáveis”.


Ao longo do caminho, as tradicionais estâncias do Vale do Taquaraçu recebiam a comitiva de Langsdorff, durante sua empreitada no século IX. Ao lado, as paisagens do território que foram palco da expedição


Mobilizadora social e liderança da ONG ‘Pé de Urucum’, Derza Nogueira destaca a riqueza dos relatos de Langsdorff. “Ele descrevia as condições de fauna, de flora, com foco nas espécies de pássaros, mamíferos e peixes que iam sendo encontradas ao longo do percurso. Além disso, Langsdorff também observava as condições de plantio, as técnicas utilizadas nas lavouras das fazendas que ofereciam pouso, recomendando, inclusive, técnicas sustentáveis de produção”.

Ainda próximo à Santa Luzia, ele escreveu: “é de se estranhar que os habitantes locais matem por simples diversão – isso eu posso atestar – o tamanduá, o mais útil de todos os animais, criado por Deus Amado para livrar o homem da fome, uma vez que ele come as formigas devastadoras e destrutivas”.

Briga com Rugendas e estalagens

A bacia do Rio das Velhas ainda foi palco de um desentendimento entre Langsdorff, já com 50 anos, e Johann Rugendas, àquela altura, um jovem pintor de 22 anos. Tudo aconteceu em Jequitibá — à época “Barra do Jequitibá” — no dia 1º de novembro de 1824, como relatado no diário da expedição. A troca de insultos ocasionou o desligamento de Rugendas da expedição. O célebre pintor alemão não seguiria para a segunda parte da viagem, de 1825 a 1829. Rugendas foi então substituído pelos artistas franceses Aimé-Adrien Taunay e Hercule Florence.

“O legado de Langsdorff significa muito para nosso estado e para o Brasil. Este foi um período áureo do desenvolvimento do conhecimento botânico, zoológico, mineralógico e etnográfico sobre o Brasil, tudo isso graças aos diversos expedicionários europeus que por aqui passaram, sendo Langsdorff um dos mais relevantes”, ressalta a geógrafa Márcia Maria Duarte dos Santos, especialista em cartografia histórica e docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela lembra ainda do importante papel dos artistas que acompanharam o alemão na empreitada. Foi Hercule Florence (1804–1879), desenhista francês, que reuniu todo o material e o enviou à Rússia, que guarda todo esse acervo até os dias atuais.

Ao longo do caminho, os expedicionários ficavam hospedados em estâncias da região, ricas fazendas e pequenas propriedades.

Refazendo o caminho

Seguindo os passos do barão alemão pelo Vale do Rio Taquaraçu e comemorando os 200 anos da passagem da comitiva por Minas Gerais, um grupo de expedicionários realizou, no fim do último mês de maio, uma jornada de cinco dias, que percorreu os municípios de Bom Jesus do Amparo, Nova União e Taquaraçu de Minas. Dezenas de cavaleiros e caiaqueiros refizeram, dois séculos depois, parte do caminho desbravado por Langsdorff. A iniciativa contou com o apoio do CBH Rio das Velhas e do Subcomitê Rio Taquaraçu.

Desta vez, o intuito não era, necessariamente, desbravar as alterosas nas cercanias da Região Metropolitana da capital mineira. Quem embarcou nessa empreitada ressalta que, em 2025, a ideia foi lançar mão das memórias de um território em prol da sua preservação. “Quem não conhece o passado não preserva o presente: por isso estamos aqui hoje, refazendo o caminho do Barão de Langsdorff. Queremos levar essa mensagem de preservação da memória em prol do avanço ambiental”, aponta Derza Nogueira.


Em 2025, duzentos anos depois, expedicionários refizeram parte do caminho do barão alemão


“O que é o Rio Taquaraçu? Ele é um dos principais afluentes do Rio das Velhas e nosso esforço aqui na sub-bacia é transformá-lo em um rio classe 01, ou seja, melhorar, cada vez mais, a qualidade das águas desse território. Há 200 anos, o barão de Langsdorff passou por aqui e, hoje, o que esperamos é um envolvimento da sociedade civil, da classe política, da população deste lugar. Este não é um projeto dos cavaleiros, dos caiaqueiros, é um projeto de todos dessa bacia”, destaca Walter Caetano. Conhecido como “Waltinho”, o experiente cavaleiro é produtor rural em Nova União e membro do Subcomitê Rio Taquaraçu.

Ao todo, a expedição ‘Taquaradorff 2025’ percorreu 70 quilômetros a cavalo e 25 quilômetros por via fluvial, em caiaques. Durante todo o percurso, os expedicionários compartilhavam uníssonos as mesmas mensagens de preservação do Rio Taquaraçu, de sua sub-bacia, em prol da quantidade e qualidade das águas na bacia do Rio das Velhas.


Jânio Marques e Walter Caetano, assim como demais expedicionários, uniram-se em torno desta história


Mais sobre o território

O Vale está inserido na Unidade Territorial Estratégica (UTE) Rio Taquaraçu, localizada no Médio-Alto Rio das Velhas. Seu território abriga os municípios de Caeté, Jaboticatubas, Nova União, Santa Luzia e Taquaraçu de Minas, em uma área total de 795,5 km².

Região produtora de água, o território apresenta diversos cursos d’água relevantes, sendo os principais o Rio Taquaraçu, Rio Vermelho, Ribeirão Ribeiro Bonito e Rio Preto. Apesar de receber lançamentos de esgotos de várias cidades do seu entorno, o Rio Taquaraçu ainda apresenta boa qualidade de água, sendo um berçário natural de peixes nativos da bacia do Rio das Velhas.

Em matéria de relevo, a região possui topografia diversa. Belos vales e serras suntuosas compõem o cenário que abriga grande produção agropecuária, focada em produtos típicos do estado de Minas Gerais, como a cachaça. “Este território é fundamental para toda a bacia do Rio das Velhas, visto que apresenta boa qualidade de água e potenciais turísticos, socioeconômico e ambiental gigantescos”, ressaltou João Sarmento, representante do Instituto Estadual de Florestas (IEF), conselheiro do CBH Rio das Velhas e coordenador do Subcomitê Rio Taquaraçu.

“A nossa região é produtora de água, um berçário de peixes, temos que cuidar desse rio. Quero que as pessoas entendam que, sem esse ecossistema, não somos nada. Vamos preservar o Vale do Rio Taquaraçu, e contamos com a parceria do CBH Rio das Velhas e do Subcomitê Rio Taquaraçu”, ressaltou Jânio Marques, ex-coordenador do Subcomitê e liderança da equipe de caiaque da expedição.

O Rio Taquaraçu encerra seu curso no encontro com o Rio das Velhas, em Santa Luzia, importante município da Região Metropolitana de Belo Horizonte.


Quer saber mais sobre a ‘Expedição Taquaradorff 2025’ e sobre o território do Vale do Rio Taquaraçu? Assista agora ao vídeo produzido pelo CBH Rio das Velhas!


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Matéria originalmente publicada na Revista Velhas nº22
*Texto: Arthur de Viveiros
*Fotos: Arthur de Viveiros; Bernardo Mascarenhas; Bianca Aun