Revista Velhas Nº11: Mapa do Velhas por quatro olhares

19/06/2020 - 13:01

Apresentado por quem vive, cuida  e luta pelo Rio das Velhas, o caminho mostra parte  da diversidade dos 806 km de extensão do maior afluente do São Francisco.


UTE Águas da Moeda

Um rio pode se apresentar por meio de diversos olhares. Com uma bacia hidrográfica tão extensa, paisagens vão se alterando. Problemas e desafios vão ganhando seus próprios contornos. Com ajuda de Mércia, Junia, Marley e Luiz, parceiros dos Subcomitês Águas da Moeda, Ribeirão Arrudas, Ribeirão Jequitibá e Rio Bicudo, do CBH Rio das Velhas, vamos percorrer a bacia, as experiências deles e suas percepções sobre a região onde vivem. Um passeio de ponta à ponta do Velhas, guiado por pessoas que, entre projetos, programas, reuniões e dedicação, abraçam o rio, sabem de seus desafios e lutam por um curso d’água mais saudável.

Junia Borges é turismóloga, especialista em turismo e desenvolvimento sustentável, especialista em geoprocessamento, mestre em análise e modelagem de sistemas ambientais e doutora em urbanismo. Coordena o Instituto Cresce, que é o Centro de Referência em Educação, Sustentabilidade e Cultura do Espinhaço. Atualmente, é também coordenadora do Subcomitê Águas da Moeda. Junia lida com as questões de segurança hídrica e o conflito de interesses em uma região conhecida como Quadrilátero Ferrífero. Um território que passa pelo risco de ter seus cursos d’água afetados pela presença de diversas barragens de rejeitos de mineração e pela concentração urbana.

Fala: "A gente precisa entender que o sistema ambiental está interligado entre si. Se uma das coisas não funciona ou se eu tenho impacto sobre um dos elementos ambientais, eu vou acabar gerando o impacto em cadeia.” Junia Borges Coordenadora do Subcomitê Águas da Moeda e do Instituto Cresce, Centro de Referência em Educação, Sustentabilidade e Cultura do Espinhaço.

Conflito de interesses e a segurança hídrica

A região vive conflitos de interesse por parte da ocupação urbana, da proteção ambiental para unidades de conservação, da proteção de áreas relevantes e fundamentais para a preservação e garantia dos serviços ambientais dessas regiões para a população adjacente e da mineração, que é presente no território. Com o aumento da população na região, por meio do aparecimento de condomínios e permeabilização do solo, somado a retirada dos topos de morro que favorecem a recarga dos aquíferos, há uma dificuldade ou impedimento no abastecimento do lençol freático, enfraquecendo o volume de água.

“Além desse conflito de interesse para segurança hídrica, a gente vai ter muitos descuidos. Na região do Jardim Canadá, por exemplo, há o lançamento de esgoto direto na Estação Ecológica de Fechos (EEF).” Luta antiga do Fechos, eu Cuido!, movimento que tenta garantir que a prefeitura, responsável pelo saneamento público municipal, faça com que as pessoas da região do bairro Jardim Canadá não conectem a sua rede de esgoto doméstica à rede de drenagem de água pluvial, explica a coordenadora Subcomitê.

Localizada no Alto Rio das Velhas, UTE Águas da Moeda é de fundamental importância para o abastecimento público da Grande BH . Topos de morro são fundamentais para infiltração de água no solo, e também objeto das mineradoras para minério de ferro.

Filtros naturais de água

O Quadrilátero Ferrífero, que também pode ser conhecido como o Quadrilátero Aquífero, tem como sua principal característica a formação de topos de morro de uma formação geológica que se chama a formação Cauê, que coincide com o que é objeto das mineradoras para minério de ferro. A formação Cauê, também conhecida como Canga Ferruginosa, tem duas características: ela tanto pode ser a Canga Couraçada, como a Canga Granulada.

“Essa característica favorece a formação de filtros naturais nos topos de morro, para infiltração de água no solo e abastecimento dos aquíferos regionais. Então, todo esse topo de morro aqui da região é uma área bastante relevante para abastecimento dos aquíferos. Quando você retira a canga, retira essa capacidade ímpar e especial da região para fazer esse filtro e abastecer os lençóis freáticos”, explica Júnia.

Sobre a UTE A UTE Águas da Moeda está localizada no Alto Rio das Velhas, composta pelos municípios de Itabirito, Nova Lima, Raposos, Rio Acima e Sabará. A unidade possui uma área de 544,32 km² e sua população chega a 89, 5 mil habitantes. Os rios principais da UTE Águas da Moeda são: Rio do Peixe, Ribeirão dos Marinhos, Ribeirão Congonhas, Córrego Padre Domingos e Córrego Água Limpa, com extensão de 42,36 Km dentro da área delimitada para a Unidade Territorial.

 

UTE Ribeirão Arrudas

Mércia Inês é pedagoga e administradora. Vive na parte mais urbana e populosa da bacia: a UTE (Unidade Territorial Estratégica) Ribeirão Arrudas. A relação com o meio ambiente é contada em seus bordados, mas também nas lutas que trava, há anos, por meio da educação ambiental, pelo trabalho na associação de bairro e pelos projetos dedicados às águas que correm por entre córregos, afluentes e os rios “invisíveis” da capital mineira, até chegar ao Velhas.
Fala: "Mesmo morando em Belo Horizonte, eu não enxergo só cimento. Eu enxergo verde, enxergo terra. Quando chega uma lua cheia e você olha para a Serra do Curral, você vê aquela lua saindo ali...” Mércia Inês Moradora da UTE Ribeirão Arrudas e bordadeira, ilustradora do livro Resgate Histórico da Bacia do Córrego Navio/Baleia

Me conta uma história desse lugar

Em um dos trabalhos na Associação de Moradores e Amigos do Bairro Pompéia para criar um comitê integrado ao Projeto Manuelzão, Mércia elaborou um questionário com perguntas para cada morador que ela entrevistava. A pergunta “Me conta uma história desse lugar” se transformou no livro Resgate Histórico da Bacia do Córrego Navio/Baleia, publicação que mostra como a vida das pessoas vai mudando com a degradação do meio ambiente.

O livro é ilustrado com os bordados de Mércia, feito com base nos relatos dos moradores. Uma forma que ela encontrou de sensibilizar as pessoas. “Como você vai fazer alguma coisa atraente, se não envolver criança, não tiver algo lúdico, colorido, atrativo?” Como não tinha foto, ela resolveu bordar.

UTE Ribeirão Arrudas é a mais urbanizada de toda a Bacia do Rio das Velhas

BH e a fúria das águas de janeiro

Em janeiro de 2020, as enchentes que atingiram Belo Horizonte mostraram a força das águas que estão submersas na capital. Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), dos 654 km de cursos d’água da cidade, 208 km estão escondidos, por baixo das ruas, avenidas e construções. Com as fortes chuvas, a cidade teve vários pontos alagados e destruídos. O que, para Mércia, é a manifestação da força do meio ambiente. “A natureza está dando a resposta ao que está incomodando ela. A gente viu o vigor e a força do Arrudas, viu o vigor e a força do [Córrego do] Leitão, que por muitos anos estava acobertado, reprimido”,

A UTE Ribeirão Arrudas localiza-se no Alto Rio das Velhas e é composta pelos municípios de Belo Horizonte, Contagem e Sabará. A unidade possui uma área de 228,37 km² e sua população chega a quase 1,2 milhões de habitantes. Os principais cursos d’água desta UTE são o Ribeirão Arrudas, Córrego do Barreiro, Córrego do Jatobá e Córrego Ferrugem Os principais agentes de degradação das águas superficiais na UTE Ribeirão Arrudas devem-se, sobretudo, aos lançamentos de esgotos domésticos e aos efluentes industriais.

 

UTE Ribeirão Jequitibá,

Marley Beatriz de Assis Lima é técnica em química e professora licenciada em geografia. Atual coordenadora do Subcomitê Ribeirão Jequitibá, que ajudou a fundar em 2006, como conselheira ela sempre representou a Escola Técnica Municipal de Sete Lagoas, local onde trabalha. Vive em Sete Lagoas, município que mais polui o Ribeirão Jequitibá, afluente do Rio das Velhas. Entre desenvolvimentos de pesquisas e experiências de produção agroecológica, o território onde está inserido o Subcomitê sofre com a falta de tratamento adequado do esgoto, jogado in natura no curso do rio, atingindo o Jequitibá, um afluente do Rio das Velhas.

Fala: "O potencial poluidor de Sete Lagoas é realmente alto e impacta. Na bacia do Ribeirão Jequitibá, Sete Lagoas é, de fato, o maior poluidor.” Marley Beatriz Coordenadora do Subcomitê Ribeirão Jequitibá e professora da Escola Técnica Municipal de Sete Lagoas

Polo de produção de orgânicos

Capim Branco, município da região que integra a UTE Ribeirão Jequitibá, é considerado um polo de agricultura orgânica. Segundo Marley, a produção deles vai para o Ceasa e para os grandes mercados. Este ano, o Subcomitê Ribeirão Jequitibá deve se aproximar ainda mais do município para trocar conhecimentos, visto que em Sete Lagoas há também as experiências de hortas urbanas conduzidas por agricultores na cidade. “A experiência vitoriosa deles é referência em produção de orgânicos, de uso do recurso hídrico de forma sustentável, de forma eficiente. A ideia é tentar incentivar, estimular e multiplicar isso em nosso território”, conta a coordenadora.

Projeto de difusão de sistemas agroecológicos foi destaque na bacia do Ribeirão Jequitibá.

Água poluída

A água que chega de Belo Horizonte a Sete Lagoas apresenta um alto nível de poluição a ponto do SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) já ter suspendido várias vezes a captação de água do Rio das Velhas, que abastece ⅓ do município. A cidade também não apresenta uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de grande porte que consiga atender toda a cidade. O resultado é parte do esgoto sanitário da cidade sendo despejado, in natura no córrego Matadouro, que deságua no Jequitibá e compromete a qualidade da água do afluente do Velhas. “A gente tem ETEs de pequeno porte espalhados pela cidade, mas que não dão conta da demanda”, explica a coordenadora.

A ETE do Matadouro, que resolveria o problema, está há 14 anos em construção. “Com a finalização das obras, que foram paralisadas por problemas políticos, licitatórios, o esgoto não será mais lançado in natura no curso d’água do Matadouro, o que vai impactar positivamente na qualidade da água do Jequitibá”, explica Marley.

Sobre a UTE A UTE Ribeirão Jequitibá localiza-se no Médio Rio das Velhas. Composta pelos municípios de Capim Branco, Funilândia, Jequitibá, Prudente de Morais e Sete Lagoas, ocupa uma área de 624,08 km² e detém uma população de 145.729 habitantes. Os principais cursos d’água da Unidade são o Ribeirão Paiol, Ribeirão Jequitibá, Córrego Cambaúba, Córrego Saco da Vida e Ribeirão do Matadouro.

 

UTE Rio Bicudo

Luiz Felippe Maia é administrador e coordenador do Subcomitê Rio Bicudo. Nascido em Belo Horizonte, nos anos 1980 ele deixou a cidade em busca de paz e proximidade com a natureza. Foi em uma fazenda em Morro da Garça, há 207 quilômetros da capital, que ele encontrou seu refúgio. Em sua propriedade ele cria animais, planta, produz de forma orgânica, respeita e entende a importância da terra. Ao mesmo tempo, Luiz trabalha no setor administrativo da prefeitura da cidade. Desde que foi morar no norte de Minas Gerais, ele se dedica, por meio de ações e projetos, a proteger os recursos naturais e colaborar para reverter os impactos ambientais provocados pelo homem no território.

Fala: "Eu gostaria que o rio fosse aquilo que a gente tinha há 30 anos. Que ele fornecesse a vida por onde ele passasse. A vida dos animais, a vida das pessoas, a vida da flora da região...” Luiz Felippe Maia administrador e coordenador do Subcomitê Rio Bicudo

Bicudo não é mais o mesmo

O Rio Bicudo, um dos principais afluentes do Rio das Velhas, passa pela região. Mesmo com a quantidade de projetos que o Subcomitê realiza e o apoio da prefeitura, que sempre teve vontade política e comprometimento com as ações ambientais, Luiz lamenta ver que o rio continua morrendo. “O Bicudo era cheio de peixes. Ele só perdia para o Rio Cipó e Rio Paraúna. Em 1990… 1993 tinha muito peixe e eu pescava lá”, recorda. Para Luiz, uma série de fatores foram se juntando para chegar a essa situação. “A mão humana, as autoridades que não tomam providência, o próprio clima que mudou muito, as chuvas que minguaram, muito desmatamento ilegal, pastagens degradadas, liberação de outorgas a reveria, assoreamentos, isso tudo foi juntando”, comenta.

100% do esgoto é tratado

Se por um lado há um conjunto de fatores que degradam o rio, por outro, uma conquista possibilitou que o esgoto gerado em Morro da Garça seja 100% tratado antes de chegar ao Rio Bicudo. Por meio do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), elaborado pelo CBH Rio das Velhas, o município conseguiu recursos com a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) para construção da ETE.

Recursos para a construção da ETE de Morro da Garça foram alcançados após CBH Rio das Velhas desenvolver Plano de Saneamento Básico do município.

Amor à terra é importante

Luiz acredita que, antigamente, a relação das pessoas com a terra era diferente. Como as fazendas eram passadas de pai para filho, isso fazia com que as pessoas se envolvessem mais com os elementos naturais. “Aquilo era meu, veio da minha família”, diz. “O pessoal parou de ter amor à terra, eles olham para terra e enxergam cifrão, mais nada”.

Festa da Lavoura

Morro da Garça, desde a década de 1960, faz uma grande festa em homenagem ao homem do campo. A ideia surgiu para que fosse mostrada a riqueza agrícola do município e para valorizar o trabalho da agricultura familiar. Este ano ela completa 40 edições. É o maior evento do município, registrado como Patrimônio Cultural Imaterial de Morro da Garça. O sucesso do evento foi tanto, que o primeiro Festivelhas aconteceu por lá, em 2005.

Sobre a UTE A UTE Rio Bicudo localiza-se no Baixo Rio das Velhas e é composta pelos municípios de Corinto e Morro da Garça. A Unidade ocupa uma área de 2.274,48 km² e detém uma população de 20.813 habitantes. O principal rio desta UTE é o Bicudo, com 148,76 quilômetros de extensão. A bacia do Rio Bicudo possui alguns cursos d’água intermitentes (que secam durante o período de estiagem), fazendo com que a disponibilidade de água nos períodos de seca seja um dos grandes problemas na bacia, que possui uma representativa população rural que utiliza a água na produção agrícola e pecuária.

 

Encontro de Subcomitês

As experiências que Mércia, Junia, Marley e Luiz vivem em seus territórios podem ser muito parecidas com as vivenciadas por outras pessoas em diferentes pontos da bacia do Velhas. Para compartilhar conhecimentos, promover o aprendizado e fortalecer a rede de defensores do Rio das Velhas, todos os anos o Comitê realiza o Encontro de Subcomitês. Um momento importante de conexão para eles e outros membros que lutam, acreditam e querem ver um rio melhor, com água de qualidade e abundante.

Juntos nesses encontros, conselheiros, técnicos, membros de câmaras técnicas, equipe da Agência Peixe Vivo e a comunidade local buscam soluções e discutem formas de proteger a vida na bacia hidrográfica do Rio das Velhas.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: ShutterStock, Bianca Aun, Léo Boi, Lucas Nishimoto, Miguel Aun e Ohana Padilha