A segurança hídrica é o grande desafio das bacias hidrográficas para assegurar água em quantidade e qualidade em um planeta cada vez mais sob pressão
Quando falamos em urbanismo e desenvolvimento de grandes cidades, como as capitais e as metrópoles brasileiras, a segurança hídrica é um dos assuntos que sempre vem à tona. O termo ganhou ênfase depois de alguns estados brasileiros sofrerem longos períodos de seca. Durante esse tempo, a população ficou desassistida e foi necessário racionar o uso da água.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), segurança hídrica significa “assegurar o acesso sustentável à água de qualidade, em quantidade adequada à manutenção dos meios de vida, do bem-estar humano e do desenvolvimento socioeconômico; garantir proteção contra a poluição hídrica e desastres relacionados à água; preservar os ecossistemas em um clima de paz e estabilidade política”.
Ter segurança hídrica implica na capacidade de fornecer água de qualidade e quantidade para atender às necessidades agrícolas, industriais, energéticas e domésticas. É importante pensar além dos canos, das estações de tratamento e outras infraestruturas que permitem que a água chegue às cidades; esforços devem ser direcionados para preservar a integridade dos sistemas ambientais que são as fontes naturais de água.
A falta de segurança hídrica é um dos maiores riscos para a prosperidade global. De acordo com dados da ONU, o consumo de água dobra a cada 20 anos e, até 2025, pelo menos dois terços da população mundial viverá em áreas com estresse hídrico. Portanto, a segurança hídrica desempenha um papel fundamental em diferentes áreas de nossa vida diária.
O professor da Universidade de São Paulo (USP), José Galizia Tundisi, um dos maiores especialistas brasileiros em gerenciamento de recursos hídricos, explica as ameaças relacionadas à segurança hídrica. “Os riscos principais são as mudanças globais e a falta de água; contaminação e poluição que impedem abastecimento efetivo; incapacidade de ministrar água suficiente de boa qualidade para a população humana e para manter o funcionamento dos ecossistemas”, esclarece o professor que ajudou a solucionar crises hídricas em mais de 40 países – como Japão e Espanha – e acompanhou de perto a escassez de água no estado de São Paulo em 2014.
Os fatores que ameaçam uma desejada situação de equilíbrio são o aumento populacional, principalmente nas áreas urbanas, e o crescimento econômico, que geram ampliação da demanda de água, bem como as mudanças climáticas e os seus efeitos nos eventos hidrológicos extremos. Esses fatores de desequilíbrio de balanço hídrico, associados à ausência de planejamento e ações institucionais coordenadas e de investimentos em infraestrutura hídrica e saneamento, desencadeiam cenários de insegurança hídrica e, no limite, a instalação de crises, tais como as que afetaram o Brasil nos últimos sete anos.
Para José Tundisi o grande desafio da segurança hídrica é a gestão das águas por bacias hidrográficas. “Os usos da água na área urbana devem ser estritamente controlados. A utilização da água na produção dos alimentos deve ter tecnologias mais avançadas. Se a gestão for bem executada em nível de bacias hidrográficas, pode-se assegurar um controle mais efetivo às reservas de águas e maior eficiência no uso”.
Insegurança hídrica na Grande BH
Em Minas Gerais, centenas de municípios estão em situação inadequada em relação à segurança hídrica, incluindo a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Em 2019, o Rio das Velhas, responsável por 70% do abastecimento de água de Belo Horizonte e por metade da Região Metropolitana, enfrentou uma das piores crises hídricas dos últimos tempos.
No período de estiagem de 2019, o rio – no ponto de captação da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) no Sistema Bela Fama, em Nova Lima – atingiu a vazão de 8 m³/s, a pior da história. O menor valor encontrado anteriormente foi em 2017, com a vazão de 9,2 m³/s e, em 2014, com 9,6 m³/s.
“O Rio das Velhas está sendo sacrificado desde que o Paraopeba, onde a Copasa fazia captação, foi devastado pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, no ano de 2019. Essa situação traz uma insegurança hídrica muito grande. Além de BH, Nova Lima, Raposos, Sabará, Santa Luzia e Sete Lagoas têm uma dependência crítica do Rio das Velhas”, frisou o secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano.
As barragens de rejeito de mineração representam uma grande ameaça à segurança hídrica no Rio das Velhas. Pelo menos três estruturas com alto risco de rompimento têm como rota dos rejeitos a captação de água mais importante da RMBH, no Alto Rio das Velhas: o complexo de Forquilha (Ouro Preto), Vargem Grande (Itabirito) e B3/B4 (Macacos, Nova Lima). Vale ressaltar que o eventual rompimento de alguma barragem na região do Alto Rio das Velhas poderia levar a Grande BH a um colapso hídrico e comprometeria a qualidade da água de toda a bacia.
O secretário do CBH Rio das Velhas também destaca que a ocupação desordenada com expansões imobiliárias e a falta de políticas públicas para a revitalização dos cursos d’água causam preocupação. “O número crescente de empreendimentos em curso e outros programados dentro da área do Sinclinal Moeda também podem afetar o futuro da segurança hídrica da RMBH”.
O Sinclinal Moeda é um sistema montanhoso com grandes reservas de água subterrânea que começa ao sul de Belo Horizonte, na divisa com Nova Lima, e segue até Congonhas. No entanto, nem só de suas belezas naturais vive a região onde encontram-se condomínios de luxo, mineradoras, uma fábrica de refrigerantes e o projeto urbanístico CSul, que engloba 27 milhões de m² entre Nova Lima e Itabirito e que pretende atrair cerca de 145 mil moradores nos próximos 45 anos.
Ainda conforme o secretário do Comitê, além do problema de quantidade de água, o Velhas também sofre com problemas de qualidade, já que parte do esgoto da RMBH chega ao rio. Por segundo, o Rio das Velhas recebe cerca de 700 litros de esgoto não tratado apenas na RMBH. Reduzir esse volume e, consequentemente, a degradação da bacia é uma das reivindicações do CBH Rio das Velhas.
“Ficamos preocupados com o futuro, não só do Rio das Velhas, como de todas as bacias hidrográficas pela falta de políticas públicas para a revitalização e preservação das bacias.
Ao contrário disso, o que vemos são processos de licenciamento cada vez mais abundantes e acelerados, destruição de matas ciliares e áreas de proteção de recarga. Precisamos de uma gestão mais eficiente e de políticas públicas preocupadas com indicadores ambientais, como a qualidade e quantidade de água. Por isso, o nosso foco é mobilizar a sociedade, as entidades da sociedade civil e o Estado para garantirmos a condição hídrica e de vida do rio em Belo Horizonte, bem como nas demais 50 cidades que recebem suas águas”, acrescentou o secretário do CBH Rio das Velhas.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Fotos: Bianca Aun, Fernando Piancastelli, Léo Boi e Shutterstock