Revista Velhas nº13: Hidrelétricas colocam em risco o futuro do Rio das Velhas

07/05/2021 - 13:31

Construções da UHE Formoso e da PCH Quartéis para a geração de energia ameaçam a biodiversidade e podem causar sérios impactos socioambientais no território


A construção de grandes hidrelétricas tem sido apresentada como indispensável para garantir o crescimento do Brasil. No entanto, a instalação dessas usinas não são necessariamente a solução e estão longe de ser sustentáveis. Pelo menos três empreendimentos voltados à geração de energia elétrica ameaçam a biodiversidade do Rio das Velhas e têm causado preocupação entre pesquisadores, ambientalistas e ribeirinhos.

Em maio de 2020, o presidente Jair Bolsonaro decidiu que é hora de retomar a construção dessas grandes usinas e incluiu no Plano de Parcerias de Investimentos (PPI) a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Formoso, na região de Pirapora, no norte de Minas Gerais. Além disso, outros dois grandes empreendimentos na Amazônia, a UHE Tabajara, em Rondônia, com 400 MW, e a Bem Querer, em Roraima, que teria 650 MW, foram incluídos no PPI, bem como de a Castanheira, no Mato Grosso, e a Telêmaco Borba, no Paraná, mas essas com capacidades menores, de 140 MW e 118 MW.

A construção de uma nova hidrelétrica no Velho Chico, próxima à foz do Rio das Velhas, tem gerado um alerta, pois poderá promover graves desequilíbrios ambientais. “O reservatório pode levar a mudanças na composição das espécies de peixes, favorecendo a introdução, disseminação e o estabelecimento de espécies exóticas, como por exemplo tilápias, aumentando a abundância de espécies não-comerciais. Podemos afirmar com toda certeza que a pesca da região será prejudicada”, afirmou o biólogo, mestre em Ecologia e doutor em Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos, Paulo Santos Pompeu, que com outros nove pesquisadores escreveu uma carta científica detalhando os possíveis impactos da construção da UHE Formoso na biodiversidade do Velho Chico.

Paulo Pompeu esclarece que as consequências vão além do São Francisco. “O impacto da UHE Formoso não ficará restrito ao Velho Chico ou aos afluentes que vão drenar água para o reservatório. A Bacia do Rio das Velhas também será afetada, visto que a região da sua foz ficará muito próxima ao barramento. Toda vez que uma barragem é construída e abaixo dela se tem um longo trecho livre de rio, as próprias máquinas do barramento causam grande mortandade de peixes, o que será significativo na Bacia do Rio das Velhas”, explicou.

Em conjunto com outros nove pesquisadores, biólogo Paulo Santos Pompeu detalhou em carta científica os possíveis impactos da construção da UHE Formoso na biodiversidade do Rio São Francisco. Rio Formoso em sua confluência com o São Francisco.

Existem na bacia do São Francisco, atualmente, 211 espécies de peixes reconhecidas, sendo que 135 são endêmicas (encontradas apenas nessa bacia). “Peixes como o Matrinxã, Dourado, Curimba, Pirá, Hypostomus e Surubim são importantes para a pesca, além de serem nativos da região onde o barramento será construído, mudando a composição das espécies, o que afetará uma série de pescadores que vivem na região”, esclareceu Paulo Pompeu.

Além de todo o impacto na biodiversidade, há um tremendo impacto social. É o que explica a antropóloga e professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Andrea Zhouri, que realiza pesquisas sobre hidrelétricas há 21 anos. “A UHE Formoso vai desalojar muitas pessoas e acabar com todo o sistema econômico que gira em torno da pesca na região. Precisamos de um modelo energético centrado na equidade socioambiental. Para isso, precisamos promover um amplo debate para que o cidadão possa, de fato, decidir sobre o destino do seu lugar e evitar processos que produzem ecocídio [extermínio deliberado de um ecossistema regional ou comunidade] e etnocídio [destruição da cultura de um povo, em vez do povo em si mesmo]”.

De acordo com Leôncio Vieira, gerente de Desenvolvimento da Quebec Engenharia, empresa responsável pela elaboração do projeto da UHE Formoso, a área inundada da UHE Formoso será de 324 quilômetros quadrados – o que equivale a 31,2 mil campos de futebol. “O empreendimento terá três turbinas instaladas e a previsão é de gerar 306 MW de energia. A área inundada vai abranger Buritizeiro, Pirapora, Lassance, Várzea da Palma, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias. A Quebec é a desenvolvedora do projeto, mas não será a responsável por operá-la. Estamos em fase de licenciamento e todos os impactos serão avaliados pelos órgãos responsáveis”, explicou.

PCH Quartéis e Agulhas Negras

Outro empreendimento que coloca em risco a biodiversidade na Bacia do Rio das Velhas são as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) Quartéis, na Sub-Bacia do Rio Paraúna. O projeto também é da Quebec Engenharia e prevê a construção de três Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) – Quartel I, Quartel II e Quartel III – com potência total de 90 MW, situadas nos municípios de Gouveia, Santana de Pirapama e Conceição do Mato Dentro.

O Rio Paraúna é fundamental para o Velhas com águas em quantidade e qualidade. A preocupação dos moradores da região, pesquisadores e ambientalistas é com os impactos que a construção do complexo de hidrelétricas vai gerar para a bacia.

O projeto tem enfrentado resistência. O professor do departamento de Geografia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), campus Diamantina, Hernando Baggio, esclareceu que faltam estudos técnicos no processo de licenciamento do empreendimento. “A empresa não apresentou um levantamento espeleológico da região, o que é inadmissível para um processo de licenciamento, faltando um embasamento técnico. As cavidades da região em que serão construídas as PCHs são de rochas cársticas, de extrema importância para a preservação da região”, esclarece.

O representante da ONG Caminhos da Serra da cidade de Gouveia, conselheiro do Subcomitê Rio Paraúna e do Copam Jequitinhonha, Alex Mendes, é contrário ao projeto. “Construir três PCHs a montante da PCH CEMIG Paraúna já existente é preocupante, visto que a região possui valiosa relevância ambiental, biológica, cênica e pela necessidade de atenção com situações que possam causar danos ambientais e sociais oriundos da implantação de empreendimentos hidrelétricos”, afirmou.

O Subcomitê Rio Paraúna elaborou um parecer contrário à construção do Complexo Hidrelétrico Quartéis que foi enviado à presidência do CBH Rio das Velhas, com pedido para que sejam tomadas providências perante os órgãos de licenciamento ambiental. De acordo com o parecer, o empreendimento ficará localizado em região de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, em uma área de preservação na Serra do Espinhaço Meridional.

A Quebec Engenharia já apresentou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e solicitou as Licenças Prévias (LP) das usinas à unidade regional do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam/Semad) no Vale do Jequitinhonha, órgão responsável pelo licenciamento.

A PCH Serra das Agulhas, localizada no município de Monjolos, a cerca de 250 quilômetros de Belo Horizonte, na Bacia do Rio Pardo Pequeno, também é um empreendimento projetado pela Quebec Engenharia que preocupa os moradores e ambientalistas. Em operação desde abril de 2017, ela tem capacidade instalada de 30 MW e é operada pela empresa Ômega Geração.

Em janeiro de 2020, devido às fortes chuvas que ocorreram em Minas Gerais, a PCH Serra das Agulhas teve de ser desativada temporariamente para reparos após um transbordamento do reservatório e “algumas avarias” na barragem, informou a Ômega Geração.

A superintendência de fiscalização dos serviços de geração da Aneel decidiu restabelecer no dia 3 de dezembro de 2020 a operação comercial das turbinas 1 e 2 da PCH Serra das Agulhas, totalizando 30 MW de potência instalada no Rio Pardo Pequeno, que é um afluente da margem esquerda do Rio Pardo Grande, inserido na Bacia do Rio das Velhas.

Mapas dos Municípios atingidos

Na contramão do mundo

Enquanto os países mais desenvolvidos têm diminuído nas últimas décadas a construção de grandes hidrelétricas, nações em desenvolvimento começaram a construir no mesmo período barragens ainda maiores. É o caso do Brasil, que está entre as 24 nações que produzem 90% de toda a energia disponível no mundo e é considerado o país com maior potencial hidrelétrico do planeta, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O modelo energético nacional assenta-se na fonte hídrica e, por isso, 79% de toda a energia produzida nacionalmente advém das mais de duas mil barragens construídas. A energia hidroelétrica é gerada pela correnteza dos rios, que faz girar turbinas instaladas em quedas d’água. De modo geral, a tecnologia é considerada limpa, uma vez que praticamente não emite gases de efeito estufa, que fortalecem o aquecimento global.

O grande problema ambiental e também social causado pelas hidroelétricas é a necessidade de represar os rios. Vastas regiões são alagadas, o que provoca não só a retirada das populações humanas do local, como alterações no ecossistema. Além disso, no Brasil as hidrelétricas já produziram deslocamentos estimados de, no mínimo, um milhão de pessoas, conforme o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

 

Com a abertura de mercado na década de 1990, investir no setor de energia elétrica no Brasil se tornou um negócio lucrativo que movimenta mais de R$ 100 bilhões por ano e que é controlado por empresas transnacionais. No entanto, mesmo tendo os custos de produção muito baixos, os brasileiros pagam uma das energias mais caras, sendo a sexta tarifa mais elevada do mundo”.

Andrea Zhouri
Antropóloga e professora da UFMG

 

Para Andrea Zhouri, a ideia de que é preciso gerar sempre mais energia é um mito. “Não leva em consideração a necessidade da diversificação da matriz energética, uma vez que a disponibilidade hídrica depende do volume, lembrando que as crises energéticas que já tivemos foram em decorrência da escassez de chuvas. Em 2001, por exemplo, tivemos um período de estiagem longo que deflagrou uma crise com racionamento de energia, em virtude da escassez de água nos reservatórios. A construção de novas barragens agrava esse quadro, pois torna o país cada vez mais dependente da energia hidráulica. Precisamos diversificar a matriz energética com eólica, solar e biomassa, por exemplo, considerando as finalidades não apenas econômicas, mas também as sociais, além das condições ecológicas de cada região”, disse a antropóloga.

Andréa Zhouri também destacou que é importante investir em eficiência. “Muitas das barragens construídas no Brasil são antigas. Estudos recentes da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que a repotenciação de 51 usinas com mais de 25 anos de operação e potência acima de 100 MW prolongaria a vida útil das barragens evitando geração de novos danos sociais e ambientais. Haveria um acréscimo de energia na rede equivalente a cinco barragens de Tucuruí [localizada em Tocantins e que possui capacidade de gerar 8.370 M], uma das maiores do Brasil. Outra medida seria o combate ao desperdício de energia, incluindo as perdas do setor, que são quase o triplo (17%) da média internacional (6%). Em vez da geração de energia, uma política moderna, racional e sustentável deveria visar, antes, uma melhor gestão energética”, esclareceu.

Infográfico da Matriz energética Brasileira

Várzea da Palma terá uma das maiores plantas solares do mundo

O município de Várzea da Palma, na região do Baixo Rio das Velhas, terá a terceira maior planta solar do mundo até 2023. O projeto é fruto de uma parceria entre o governo de Minas e a empresa Solario e prevê a construção de duas usinas solares que serão construídas com a capacidade de geração de 650 megawatts-picos (MWp).

Com investimentos na ordem de R$ 20 bilhões, 15 novas usinas fotovoltaicas, em nove cidades mineiras, serão construídas até 2023. As cidades mineiras que serão contempladas com a instalação das usinas, além de Várzea da Palma, são: Araxá, Coromandel, Janaúba, Jaíba, Arinos, Francisco Sá, Paracatu e Buritizeiro.

A energia solar fotovoltaica é a modalidade que converte a radiação solar em energia elétrica por meio de dispositivos conhecidos como células fotovoltaicas. A categoria está presente em mais de 100 países, incluindo o Brasil. A maior procura pela modalidade se deve, principalmente, ao seu custo-benefício e à facilidade de manutenção. Apesar da necessidade de grande investimento inicial, o sistema gera energia de maneira autônoma depois de instalado. Além disso, o excesso de eletricidade gerado é direcionado para a rede elétrica da distribuidora, convertendo-se em créditos para o proprietário.

Do ponto de vista ambiental, a energia fotovoltaica é ainda mais vantajosa, pois não libera, durante sua produção e consumo, resíduos ou gases poluentes. Ademais, é uma fonte renovável.

Segundo a Agência de Desenvolvimento do Norte de Minas (Adenor), estudos apontam o Norte de Minas como o melhor local do país para instalação de empreendimentos fotovoltaicos, devido ao alto índice de insolação, disponibilidade de áreas com desembaraço fundiário e malha de distribuição sendo ampliada, o que reflete a cada ano em geração de negócios e empregos.

Plantas solares já foram instaladas no município de Lassance, vizinho a Várzea da Palma.

 


Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Fotos: Leo Boi e Bianca Aun