Revista Velhas nº14: Tudo é água

09/12/2021 - 12:23

Os percursos do Córrego Santo Antônio e do Ribeirão Maquiné até desaguarem no Rio das Velhas


O território que abriga o Córrego Santo Antônio e o Ribeirão Maquiné compreende os municípios de Curvelo e Inimutaba, estando na parte central de Minas Gerais e no Médio Baixo Rio das Velhas. Da junção dessas duas importantes sub-bacias nasce a Unidade Territorial Estratégica (UTE) Santo Antônio-Maquiné, subdivisão de planejamento e gestão da bacia do Velhas.

O lugar guarda histórias da época dos desbravadores, destaca-se pelo desenvolvimento de diversas atividades econômicas e pela cultura mineira muito peculiarmente enraizada na vida das pessoas que por lá moram.

Historicamente, por volta do século XVIII, às margens do Santo Antônio, viajantes e desbravadores que subiam e desciam os Rios das Velhas e São Francisco em busca de riquezas naturais tinham o córrego como local de passagem e pouso. Nessas idas e vindas, uma humilde capela foi se erguendo dando origem a um núcleo populacional. Com um padre baiano chamado Antônio Corvello de Ávila, o povoado foi se desenvolvendo nas imediações do atual município de Curvelo.

 

Também às margens do Córrego Santo Antônio, no século XIX, havia a Fazenda Santo Antônio, que deu início a uma formação de várias outras fazendas. O local passou a ser chamado de Fábrica da Cachoeira, ou simplesmente Cachoeira, até virar o município de Inimutaba, ao lado de Curvelo.

O Santo Antônio nasce no município de Curvelo nas proximidades da BR-040. Depois corre pela cidade até receber as águas de dois importantes afluentes: os córregos Santa Maria e Riacho Fundo. Adiante corta o município de Inimutaba até deixar as suas águas no Rio das Velhas. Já o Ribeirão Maquiné nasce nos limites de Curvelo e nas proximidades do município de Cordisburgo. Atravessa o caminho entre as duas cidades até também desaguar no Velhas.


Veja fotos da região


Diogo Carvalho tem 28 anos e é nascido e criado em Curvelo. Tem memória do Córrego Santo Antônio de quando era criança, quando via o rio passar e marcar momentos de sua infância. “Tenho uma relação muito próxima com o Córrego Santo Antônio. Minha avó paterna mora pertinho dele, então cresci indo aos finais de semana à casa dela, que ficava na beira do rio mesmo, poluído, brincando com meus primos. Lembro que ele [Córrego Santo Antônio] sempre foi um lugar de despejo, de esgoto, e com às margens sempre afetadas por queimadas e desmatamento”.

Já adulto, Diogo se mudou para a capital do estado e as visitas à terra natal passaram a ser mais esporádicas. “Nas minhas idas e vindas entre Curvelo e Belo Horizonte fiquei sabendo que parte do esgoto tinha sido interceptado e, quando cheguei perto dele, novamente vi a água do rio transparente, com peixinhos dentro e com a mata ciliar mais preservada. Isso me deu um otimismo para a volta da vida no rio”.

A vivência de Diogo reflete em parte a relação das pessoas da região com os cursos d’água e sobre como esses impactos históricos estão tão marcados na convivência da população com os rios.

Ao longo dos anos, Diogo Carvalho pôde observar mudanças na qualidade do Córrego Santo Antônio.

De acordo com o Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, as atividades econômicas mais significativas da Unidade Territorial Estratégica (UTE) Santo Antônio-Maquiné são os serviços e a atividade agropecuária. Nesse contexto, os principais agentes de degradação advêm de cargas difusas geradas pelas atividades agrossilvipastoris e minerárias e dos lançamentos de esgotos domésticos e efluentes industriais.

O conselheiro do Subcomitê Santo Antônio-Maquiné e representante do Sindicato dos Produtores Rurais de Curvelo, Marco Aurélio Machado, fala sobre as atividades econômicas do município. “A maior atividade é a agropecuária de corte com uma boa qualidade de carne e boas tecnologias aplicadas. Também somos o 12º município produtor de leite do estado”, ressaltou. A silvicultura – prática que estuda as maneiras naturais e artificiais de restaurar e melhorar o povoamento nas florestas para atender ao mercado – também é notória na região. “O reflorestamento gera empregos na cidade. As produções de leite e carne geram emprego para as pessoas, há também pequenos produtores que fazem parte da economia”, destacou Marco Aurélio.

Sobre os impactos, o conselheiro informou que as atividades têm os seus efeitos tanto para produzir carne e leite, quanto para gerar alimento para os animais. Mas salientou que nos últimos anos não tem havido expansão das áreas e que, por isso, quase não há novos desmatamentos no município. Ele destacou também um aumento da eficiência das atividades,
o que faria cada hectare produzir mais leite e carne.

Ainda segundo o Plano Diretor de Recursos Hídricos, 74,4% do uso do solo da região é representado pela agropecuária e 14,1% por cobertura natural com vegetação arbustiva. Um dos principais impactos decorrentes da atividade agropecuária é o favorecimento de processos erosivos, em decorrência da remoção da cobertura vegetal e exposição do solo.

Marco Aurélio Machado é conselheiro do Subcomitê Santo Antônio-Maquiné e representante do Sindicato dos  Produtores Rurais de Curvelo.
Também conselheiro no Subcomitê local, Christian Rodrigues é um dos responsáveis pela melhora no efluente que é despejado no Córrego Santo Antônio.
Silvicultura é uma das principais atividades econômicas na região e que também traz impactos aos recursos hídricos.

Para ver o rio correr

As sub-bacias do Córrego Santo Antônio e do Ribeirão Maquiné, com todos os seus afluentes, nascentes aparentes e sua riqueza natural são essenciais para as atividades da região – e, também, para o Rio das Velhas, que recebe suas águas.

Para ver as águas correrem em qualidade e quantidade pelo lugar, o CBH Rio das Velhas já investiu na construção de 301 bacias de contenção, popularmente conhecidas como barraginhas, no cercamento de quase 3.500 metros de áreas protegidas, serviços de desassoreamento e controle de erosões, plantio de mais de 8 mil mudas, além de ações de mobilização social e educação ambiental nos municípios de Curvelo e Inimutaba.

Atualmente está sendo elaborado um estudo sobre o projeto de recuperação de áreas degradadas e de conservação e manejo adequado do solo em áreas rurais no Ribeirão Maquiné. A expectativa com o projeto é ver o curso d’água revitalizado e produzindo mais água. O território também conta com os investimentos do Programa Pró-Mananciais da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).

Marco Aurélio, que também é o coordenador do Coletivo Local de Meio Ambiente (Colmeia), grupo formado nos municípios que recebem o Programa Pró-Mananciais, explicou que umas das diretrizes do programa é optar por um manancial a ser revitalizado. Assim, o Colmeia de Curvelo optou pelo Córrego Santo Antônio, que já recebeu o plantio de mudas em áreas degradadas, a recuperação e o cercamento de nascentes. Também já foi realizada a construção de barraginhas e atividades de educação ambiental nas escolas estaduais e municipais da cidade.

No imaginário de Guimarães Rosa

Descritos nas obras literárias do escritor mineiro João Guimarães Rosa, os municípios de Curvelo e Inimutaba fazem parte do Circuito Turístico Guimarães Rosa. A iniciativa de cunho literário surgiu a partir da paixão das pessoas pelo trabalho do escritor.

No circuito são realizadas expedições, caminhadas, contação de histórias e outras atividades nos locais que foram inspirações para as obras do autor. Também fazem parte do circuito os municípios de Araçaí, Buritizeiro, Corinto, Felixlândia, Morro da Garça, Pirapora, Pompéu, Ponto Chique e Presidente Juscelino.

“(…) CURVELO vive, Curvelo se faz presente, como se fosse bem um de seus centros – sede, núcleo, pólo de cristalização de sua área de paisagens: ‘cidade capital’ da minha literatura”. Trecho da ‘Carta de Guimarães Rosa’, no livro ‘Joãozito: Infância de João Guimarães Rosa’.

Água de qualidade e em quantidade

De acordo com o Plano Diretor de Recursos Hídricos, a região do Santo Antônio-Maquiné conta com a captação de água para o abastecimento de 100% dos municípios de Curvelo e Inimutaba, ambos possuindo tratamento de água com desinfecção e fluoretação.

Quando indagado sobre a crise hídrica atual, Christian Fabiano de Sá Rodrigues, técnico em tratamento de esgoto da Copasa de Curvelo e conselheiro do Subcomitê Santo Antônio-Maquiné, informa que há disponibilidade hídrica para o abastecimento na região, o qual é realizado por poços profundos, mas alerta sobre como as alterações no regime de chuvas impactam a captação. “Precisamos das chuvas para as recargas hídricas, pois as águas para o abastecimento vêm de poços profundos localizados em locais estratégicos em que são captadas e depois encaminhadas para as residências”, destacou.

Christian também ressalta que a revitalização e o reflorestamento no entorno das galerias dos poços são fundamentais para a recarga hídrica e para a garantia de água para a população. É importante destacar que a região não possui Unidade de Conservação e nem áreas prioritárias de conservação, como observado no PDRH.

Desde 2011, a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Curvelo está em operação e trata cerca de 90% do esgoto que é produzido pela população. Mesmo com esse número considerado satisfatório, o esgotamento sanitário na cidade há alguns anos tornou-se motivo de preocupações por parte da população curvelana. Isso porque o Córrego Santo Antônio, onde o efluente gerado é despejado, tem registrado cada vez mais vazões significativamente baixas, não conseguindo diluir o que é liberado da ETE.

Foz do Córrego Santo Antônio em seu encontro com o Rio das Velhas. Além da consolidada pecuária de corte, Curvelo é o 12º município produtor de leite no estado.

Para melhorar esse cenário e atender as necessidades ambientais da região, a Copasa tem investido. “Foram intensificadas as pesquisas para melhorar ainda mais o efluente da estação, não só para atender a legislação, mas também para possibilitar a evolução do tratamento de esgoto”, informou Christian.

Atualmente, a ETE de Curvelo conta com um tratamento de esgoto avançado. “Temos um efluente com uma remoção de carga orgânica muito acima da legislação. Percebemos que o efluente clarificado contribui com a vida do córrego, pois nesse período [de estiagem] o esgoto tratado é o que dá fluência ao Córrego Santo Antônio a jusante da estação de tratamento de esgoto de Curvelo, passando por Inimutaba, até chegar ao Rio das Velhas”, explicou.

Para ver os mananciais da região com água de qualidade, a Copasa segue aprimorando sua tecnologia com um pós-tratamento físico-químico com adição de um coagulante orgânico, que visa melhorar ainda mais a qualidade do efluente.

Subcomitê Santo Antônio-Maquiné

O Subcomitê Santo Antônio-Maquiné, vinculado ao CBH Rio das Velhas, tem o objetivo de tornar o Comitê mais próximo e atuante no território. Assim, de forma coletiva e participativa, o Subcomitê discute maneiras de compatibilizar o equilíbrio ecológico com o desenvolvimento econômico e socioambiental do local.

Para conhecer mais sobre a realidade do território, promover a troca de experiências e gerar mais conhecimento, o CBH Rio das Velhas já realizou na região o VI Encontro de Subcomitês, o Seminário Revitaliza Rio das Velhas e a 104° Reunião Plenária – que fizeram parte da programação da Semana Rio das Velhas em 2016, 2018 e 2019, respectivamente.

Vicente do Carmo, conselheiro do Subcomitê Santo Antônio-Maquiné, foi o primeiro coordenador do colegiado e ressaltou a importância da mobilização no lugar. “Foi uma oportunidade muito boa da gente se envolver e se comprometer mais com a produção de água. Nós partimos da premissa que precisamos de muita água aqui e nos envolvemos de tal maneira que o grupo foi se fortalecendo e o Subcomitê desenvolveu uma parte muito bacana na região”, destacou.

Mais de 300 barraginhas já foram construídas pelo CBH Rio das Velhas na região.


Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Ohana Padilha
Fotos: Bianca Aun, Fernando Piancastelli e Michelle Parron