Grupo de dança cria espetáculo que vai flutuar pelo Rio das Velhas
O corpo é como um rio, feito de água. Quando dança, o corpo faz muita água se movimentar. Pensar na relação entre o corpo humano e a água, na importância desse elemento para manter a vida e traduzir isso usando os movimentos da dança é conectar arte e natureza.
Quando se pensa em um rio importante e fundamental para a sobrevivência de um número grande de pessoas em Minas Gerais, é inevitável lembrar do Rio das Velhas. Sua água, primordial para abastecer boa parte da capital mineira e de tantos moradores ao longo de sua bacia hidrográfica, se transformou em inspiração e entrará literalmente em cena no projeto Veias Abertas de Minas Gerais, uma criação do Camaleão Grupo de Dança.
Tudo começou em 2017 com a visita de Inês, acompanhada de outros bailarinos do grupo, à sede do CBH Rio das Velhas. Nesse dia foi dado início a algo único e surpreendente: uma parceria que une a dança ao Rio das Velhas. Entre muitas visitas e reuniões, o grupo de dança, a equipe de mobilização do Comitê e o Projeto Manuelzão realizaram várias trocas de ideias para tirar do papel o sonho de colocar um espetáculo desenhado para acontecer dentro do Rio das Velhas. Foi então que nasceu o projeto “Veias Abertas de Minas Gerais”.
A parceria envolveu aulas sobre a situação da região, a geografia, um estudo de quais seriam os principais pontos para realizar o projeto e a importância da própria água e da Bacia do Rio das Velhas.
Em novembro de 2017, o Camaleão fez a sua 1ª Expedição ao Baixo Rio das Velhas, trabalho de campo que integrou parte da pesquisa que resultou na criação de um espetáculo para ser apresentado para as populações ribeirinhas dentro de uma balsa no rio. E por que no Baixo Rio das Velhas? Porque, além da riqueza cultural e social da região, é a única parte do rio que ainda é navegável.
A pesquisa levou diretores e bailarinos até as comunidades de Barra do Guaicuí, Porteiras, Buriti das Mulatas e às sedes dos municípios de Várzea da Palma e Lassance para conhecerem os moradores e artistas locais. “Todo o processo nos influenciou muito. Conhecer as pessoas que moram nesses locais, cada uma com a sua história, com a sua música, com as suas vivências, as tradições passadas de geração em geração. Nós fomos muito bem recebidos por todos”, conta Marjorie Ann Quast, diretora geral do grupo.
Com olhar de quem tem intimidade e experiência de anos com a região, o geógrafo e ex-mobilizador social do CBH Rio das Velhas, Élio Domingos, está na produção do espetáculo e acompanhou o trabalho de campo do Camaleão no território. “Essas visitas foram importantes para estar no rio, sentir o local e averiguar tecnicamente as possibilidades para a realização do espetáculo. Do ponto de vista artístico e humano, sobretudo, o contato com as folias do Bolô (Lassance), folia de Guaicuí e com a Dança de São Gonçalo (Barra do Guaicuí) foi aparentemente fundamental para a inspiração do grupo”, diz Élio.
O contato com os ribeirinhos tem sido marcante para o grupo que, mesmo com a pandemia e o distanciamento físico, continua se comunicando com as comunidades, como conta Luciana Lanza, uma das bailarinas do grupo. “A relação com as comunidades ribeirinhas tem sido inesquecível para mim. Um presente, um aprendizado constante. Aprendo muito. Essa pandemia nos dificultou a ter a presença física, mas já faz um ano que a gente tem pesquisado e se relacionado com as comunidades de lá. Me chama muito a atenção as mulheres fortes de Barra do Guaicuí, a colônia dos pescadores”.
Luciana criou um carinho especial pela folia do mestre Bolô e conta que fez amigas e amigos com os quais se comunica frequentemente. “Eu espero poder voltar mais vezes e que esse projeto dê muitos outros frutos para que a gente continue fortalecendo essa rede de comunicação e de criação artística e de afeto”.
Não há dúvidas de que os aspectos sociais e culturais são parte importante desse trabalho, para não dizer a principal. A realidade das comunidades, o cotidiano, as experiências narradas por seus moradores, tudo isso não foram apenas informações absorvidas pelo grupo, mas inspirações fundamentais para criação do espetáculo. “O processo do Veias Abertas de Minas Gerais está sendo muito forte, profundo e está nos deixando cada vez mais envolvidos e encantados”, explica Inês.
Folias do Bolô (Lassance), folia de Guaicuí e Dança de São Gonçalo (Barra do Guaicuí) inspiraram a estética do espetáculo.
Mais do que ser inspirado pelo contato com as comunidades do Baixo Rio das Velhas, o Camaleão Grupo de Dança pretende retribuir tudo que foi absorvido dando visibilidade e mostrando a beleza, as possibilidades e a realidade da região. “Nossa dança traz uma linguagem mais contemporânea, portanto as referências e os elementos coreográficos não são tão literais. Mas na visita técnica a Barra do Guaicuí, Várzea da Palma e Lassance, em 2019, observamos a vegetação, entramos no rio de barco, participamos de uma reunião de pescadores, conhecemos várias pessoas que atuam ativamente na comunidade e convidamos para trazer um pouco da cultura local para a gente se relacionar com ela. Essa vivência trouxe algumas nuances para a construção de dois trabalhos: o vídeo e o espetáculo na balsa”, explica o bailarino e coreógrafo do grupo, Pedro Jorge Garcia da Silva, que dirigiu o videodança gravado em novembro de 2020, na famosa Igreja de Pedras de Barra do Guaicuí.
A videodança e o espetáculo são instrumentos que vão fazer perpetuar a história do Velhas, a história das comunidades locais e por que não ressignificar a relação dos moradores com o próprio rio? O Velhas vai virar palco, papel talvez jamais visto pela população ribeirinha. “A arte que propomos tem motivado e movimentado estas comunidades. Nosso espetáculo será numa balsa na beira do rio e as pessoas vão assistir na terra. Acho que de alguma forma isso faz com que o rio ganhe outras camadas de atuação não só artística, mas de reflexão sobre suas possibilidades”, acredita o coreógrafo.
O encontro da arte com o Velhas, mais do que valorizar a história e a cultura de um povo, pode ir além. “A arte sensibiliza. Através dela podemos chamar a atenção para a necessidade de preservarmos o que temos, como nossas águas, florestas, plantas, animais, nossa cultura e história. Fica difícil ver vida sem o meio ambiente preservado. Queremos que a nossa arte sensibilize, chame a atenção para o rio, para as comunidades e todas as suas riquezas e para a necessidade de preservação e proteção”, diz Marjorie.
O espetáculo Veias Abertas de Minas Gerais pretende fazer sua estreia em 2021. A apresentação dentro do Rio das Velhas, em um palco flutuante, deverá acontecer em Barra do Guaicuí, próximo à Igreja de Pedra, em Várzea da Palma, próximo à Ponte do Velhas, e em Lassance, próximo às corredeiras da Escaramuça.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: Léo Boi