Revista Velhas nº13: O fogo que fica

11/06/2021 - 9:00

Quais sequelas os incêndios mais severos em 10 anos deixam no ecossistema e na prestação de serviços ambientais


Na noite do dia 28 de setembro de 2020, com a voz embargada, a gestora do Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato, Honorina Rocha, anunciava em um áudio nas redes sociais o que ninguém queria ouvir:

Hoje está sendo um dia de muita tristeza para nós da gruta. Eu estou desolada, nunca vi nada igual. Um incendiário andou colocando fogo aqui, o fogo alastrou de tal forma que a gente está em combate desde 11h da manhã. Ainda tem gente combatendo lá, está retornando agora para gente reiniciar amanhã 5h30m da manhã. Mas está difícil sabe, queimou onde não poderia queimar. Tem fogo no maciço, tem fogo para todo lado. Muito difícil, vocês não têm noção do que estou sentindo, meu coração está em pedaços. Rezem para que nessa noite as chamas e o fogo se dissipem totalmente.“

Infelizmente, o fogo não se dissipou naquela noite, como clamava Honorina. Durou quase 10 intermináveis dias. Descobriu-se por fim que o incêndio que consumiu o entorno da unidade de conservação, na chamada zona de amortecimento, e também o interior do monumento, foi causado por um andarilho com problemas mentais.

Localizada em Sete Lagoas, região central do estado, a Gruta Rei do Mato possui formações de estalagmite e estalactite raras em todo o mundo e é uma das cavernas mais visitadas do Brasil.

Gestora do Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato e conselheira do Subcomitê Ribeirão Jequitibá, Honorina Rocha viu o fogo tomar toda a unidade de conservação.

O cenário de destruição visto por lá se repetiu sistematicamente em vários cantos do Brasil, de Minas e da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas em 2020 – ano com o maior número de queimadas no país desde 2010, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Foram 222.798 focos de incêndio registrados, 12% a mais que os 197.632 de 2019. Ainda segundo o instituto, o destaque entre os biomas foi o Pantanal, que contabilizou 22.119 focos, 120% a mais que em 2019 e o maior número desde o início das medições em 1998.

Com toda essa magnitude, o problema das queimadas não se dissipou com a chegada das chuvas de final de ano, mas deixou sequelas nos ecossistemas e afetam a prestação de serviços ambientais, como a produção de água. É o que afirma o pós-doutor em Biologia e diretor-presidente do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (CEPAN), Severino Ribeiro. “Quando estão submetidas a esse regime de fogo criminoso e se perde a cobertura nativa do Cerrado, a capacidade de manutenção dessas zonas de provimento de água é absurdamente comprometida. Ou seja, para se manter recurso hídrico no Cerrado, para se manter esse provimento de serviço ambiental hidrológico, tem que ter cobertura do Cerrado nativa”, afirmou ele, destacando ainda que o bioma é um dos dois hotspots de biodiversidade (áreas de grande riqueza biológica e que podem estar ameaçadas de destruição) que o Brasil possui.

Somente em Minas Gerais foram quase 41 mil hectares (ha) de área queimada no interior das unidades de conservação sob gestão do estado em 2020, e outros 13,7 mil ha atingidos pelo fogo também no entorno, nas chamadas zonas de amortecimento. O total equivale a 54 mil campos de futebol em chamas. Foram 386 ocorrências de incêndios dentro dessas unidades e mais 197 no entorno, de acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad).

 

Drama na Bacia

Do total da área queimada no entorno das unidades de conservação estaduais em 2020, metade foi na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, com 6,9 mil ha. Do que pegou fogo no interior dessas unidades, a área chegou a 6,8 ha e representou 16% do total de Minas. São quase 14 mil campos de futebol.

Além das unidades de conservação estaduais, os dois Parques Nacionais inseridos na bacia também sofreram. Na Serra do Cipó, foram dez dias de combates ininterruptos que mobilizaram mais de 100 profissionais, segundo o Corpo de Bombeiros, além de brigadistas do IEF, brigadistas voluntários e de empresas.

Assim como na Serra do Rola Moça, fogo nas áreas do Parque Nacional da Serra do Gandarela só foi contido por aeronaves Air Tractor, que dispersam até 3 mil litros de água nas chamas.

Já no Parque Nacional da Serra do Gandarela, um incêndio de grandes proporções teve início na região da Cachoeira Chica Dona, se alastrou pela Serra de Ouro Fino e queimou uma área de 12 mil campos de futebol – sendo contida apenas por brigadistas e por aeronaves Air Tractor, que dispersam até 3 mil litros de água nas chamas. “O Gandarela pega fogo todo ano, sempre, é comum. Praticamente 100% desses incêndios são causados pelo homem e estão associados ao turismo – pessoas que fazem fogueira, jogam bituca de cigarro, fazem churrasco – e a pequenos sitiantes que soltam principalmente cavalos para pastar na área do parque, e aí botam fogo nessas áreas para rebrotar o capim”, afirmou o chefe do Parque Nacional da Serra do Gandarela e conselheiro do Subcomitê Águas do Gandarela (vinculado ao CBH Rio das Velhas), Tarcísio Nunes.

A ausência de dados sobre as causas das queimadas e as dificuldades nas investigações são fatores que mostram como ainda estamos longe de resolver esse problema. Ainda pouco se sabe sobre a origem e a motivação desses incêndios. A estimativa do Corpo de Bombeiros é que 90% ocorram por motivação criminosa – mas não há levantamentos oficiais do governo acerca de ocorrências de delitos dessa natureza.

O capitão Warley de Paula Vieira Barbosa, do Batalhão de Emergências Ambientais e Respostas a Desastres, do Corpo de Bombeiros, comenta que as ações antrópicas são verdadeiramente o problema. “Existem vários fatores climáticos, como baixa umidade do ar, aumento da incidência de ventos, longos períodos sem chuva, que fazem com que a vegetação fique mais seca e mais suscetível aos incêndios. Não seriam problemas tão preocupantes se não fosse o fator humano, que faz com que esse número passe a ser mais volumoso a cada ano”.

 

Ocorrência de incêndios florestais
em Unidades de Conservação Estaduais da Bacia do Velhas em 2020

 

Mapa com a distribuição das queimadas ao longo da Bacia do Rio das Velhas

Unidade de Conservação Área interna queimada (ha) Área entorno queimada (ha) Ocorrência interna Ocorrência entorno
1 Estação Ecológica de Arêdes 23,04 0,04 1 1
2 Parque Florestal Estadual da Baleia 58,85 71,25 2 4
3 APA Cachoeira das Andorinhas 1,05 3
4 Estação Ecológica de Cercadinho* 4 2
5 Estação Ecológica de Fechos 0,07 0,03 0 1
6 Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato 79,54 132,89 1 4
7 Refúgio de Vida Silvestre Macaúbas* 2 6
8 Monumento Natural Estadual Serra da Moeda 1.379,09 4.190,99 2 6
9 Parque Estadual da Serra do Cabral 2.166,53 2.062,61 22 22
10 Parque Estadual da Serra do Intendente 332,45 290,98 7 5
11 Parque Estadual da Serra do Ouro Branco 301,61 32,75 7 0
12 Parque Estadual da Serra do Rola Moça 14,69 38,52 34 31
13 Parque Estadual da Serra do Sobrado 2,59 3,24 8 7
14 Parque Estadual Serra Verde 32,31 3,70 16 3
15 APA Sul RMBH 2.362,19 1,10 24 0
16 Parque Estadual do Sumidouro 3,15 51,20 5 11
17 Floresta Estadual do Uaimií 86,50 26,40 13 10
Total * 6.843,66 6.905,70 151 113

* Dados de março/2021. As demais UCs da Bacia do Rio das Velhas que não constam na listagem não foram atingidas por incêndios florestais em 2020. Dados somente de UCs estaduais. Fonte: Semad

 

O IMPACTO DAS QUEIMADAS NO AMBIENTE

Alterações no equilíbrio dos ecossistemas Mudança da temperatura e umidade do solo Emissão de gases poluentes
Desertificação ambiental Manutenção e controle de fauna e flora Piora da
qualidade do ar
Circulação de águas
superficiais e subterrânea
Diminuição da
biodiverside
Intensificação do efeito estufa e do aquecimento global

 

 


Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiz Ribeiro
Fotos: Evandro Rodney e Jonatan Lopes