Revista 9: Em entrevista, Ademir fala sobre a região do Gandarela

31/05/2019 - 14:03

Apaixonado pela Serra do Gandarela, um santuário natural, Ademir Bento luta pela sua preservação há anos. Conheça um pouco da relação do entrevistado com a região, a última área bem preservada do Alto Rio das Velhas e que sofre com constantes ameaças.

Ademir Martins Bento é conhecido por sua inteligência, coerência e conhecimento profundo do município de Caeté, dedicando-se há anos a trabalhos voluntários na área social, cultural e ambiental, especialmente na associação do Bairro São Geraldo, Seresta da Lua Cheia, Carnacatu, Conselhos Municipais, ONGs e em movimentos socioambientais.

Ademir é formado em contabilidade e já foi vereador em Caeté no período de 2013 a 2016. Apaixonado pelo meio ambiente e por sua preservação, é conselheiro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) e dos Subcomitês Caeté-Sabará, Rio Taquaraçu e Águas do Gandarela, como representante do Movimento Artístico Cultural e Ambiental de Caeté (Macaca). Ao longo dos anos, tem exercido um papel fundamental na luta pela preservação da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e, em especial, por uma de suas paixões na vida: a Serra do Gandarela.

Localizada a Sudeste de Belo Horizonte, na Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte (APA Sul RMBH), o santuário natural da Serra do Gandarela situa-se entre as Serras do Caraça e da Piedade e abrange os municípios de Barão de Cocais, Caeté, Sabará, Santa Bárbara, Rio Acima, Raposos, Nova Lima e Itabirito.

Formando um corredor natural com o Caraça, o Gandarela é a última área ainda bem preservada de toda a região, com significativa extensão de Mata Atlântica e Campos Rupestres sobre cangas que são um tipo de solo onde há plantas que não existem em nenhum outro local. As cangas são muito importantes também para alimentar as nascentes, porque a água da chuva que cai nelas escoa bem devagar para dentro das rochas, formando os “aquíferos” que mantêm os rios mesmo na estação seca. No Quadrilátero Ferrífero, região localizada no Centro-Sul do estado de Minas Gerais, existe uma tradição de mineração, porque realmente há muito minério, sempre embaixo das cangas. É por isso que é importante que as últimas cangas da região não sejam destruídas.

A maior parte da APA Sul e das serras que guardam rica biodiversidade e 80% dos mananciais da região vêm sendo seriamente degradados, principalmente pelas atividades de mineração. Para assegurar sua preservação, um grupo de entidades e movimentos sociais propôs a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela. Foi escolhida a categoria “Parque Nacional” porque, além de proteger recursos naturais muito importantes, como águas, flora e fauna, o local tem grande beleza e grande quantidade de atrativos para o turismo, como cachoeiras, mirantes e trilhas para caminhadas e outras atividades em contato com a natureza.

Região da Serra do Gandarela. Crédito: Robson de Oliveira

A equipe de Comunicação do CBH Rio das Velhas, juntamente com o ambientalista Wanderley Pinheiro, membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e Macaca, realizaram uma entrevista com o Sr. Ademir para conhecê-lo melhor e saber um pouco mais sobre a importância da Serra do Gandarela para a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas.

Como começou sua trajetória no CBH Rio das Velhas?

Minha caminhada no CBH Rio das Velhas começou quando foi implantado o sistema de Meio Ambiente em Caeté, minha cidade natal. Conheci o então presidente do Comitê, o Apolo Heringer Lisboa, que hoje é um grande amigo, em uma comemoração ao Dia do Meio Ambiente. Logo depois, ocorreu uma eleição para membros do CBH Rio das Velhas na qual eu participei como representante do poder público e fui eleito. Foi a partir de então que tomei gosto pela área de meio ambiente.

Logo que entrei no Comitê, demos o pontapé inicial para a criação do Subcomitê Caeté-Sabará, que foi instituído em 2006. Nessa época, eu via que as pessoas não conseguiam reconhecer o território da bacia e tinham dificuldade de pertencimento. Foi aí que comecei a me engajar cada vez mais. Eu visualizava nos mapas os territórios das bacias e passei a explicar para as pessoas a importância do tema. Depois da criação do Subcomitê Caeté-Sabará, também ajudei na criação dos Subcomitês Rio Taquaraçu, Águas do Gandarela e Poderoso-Vermelho.

Como o senhor conheceu a Serra do Gandarela e qual a relação da região com sua história de vida?

Minha paixão pela Serra do Gandarela começou há muitos anos. Meu mestre em assunto ambientais foi o meu pai, um homem de pouquíssimo estudo, mas de um coração enorme. Foi ele quem me ensinou desde pequeno a importância da natureza e que devemos sempre preservá-la. Tenho seguido esse caminho e tentado mobilizar cada vez mais pessoas nessa luta.

Quando eu era moço, um primo foi para o Gandarela trabalhar em pesquisas geológicas pela divisão de fomento do Governo Federal e fiquei encantado com as informações que ele me passou. Daí eu comecei a ir também para a região para buscar informações. Sempre fui muito curioso. Tudo que sei sobre o Gandarela foi porque eu corri atrás das informações.

No início dos anos 1970, apareceu em Caeté um grupo interessado em fazer um levantamento técnico na região e me indicaram para os guiar, já que nessa época eu era um dos poucos que conhecia e sabia andar pelas serras da região.

Há aproximadamente 15 anos, eu trabalhava na Secretaria de Meio Ambiente de Caeté, época em que a empresa denominada mineração Apolo S.A. protocolou na prefeitura um pedido de anuência para a Mina Apolo. Seguindo o que determina a lei orgânica municipal, fizemos uma pesquisa sobre os impactos que poderiam ser causados e, depois de conferirmos o resultado deste estudo, a anuência foi negada. Diante dessa situação, a empresa conseguiu anuência da prefeitura de Santa Bárbara de forma ilegal e a protocolou no órgão ambiental do estado. Montamos uma grande força tarefa e acionamos o Ministério Público para definirmos esta situação.

Nessa época, nós só pensávamos nas águas do Gandarela, mas hoje tenho uma percepção melhor e vejo a importância da região como um todo.

O que a Serra do Gandarela significa para o senhor?

A Serra do Gandarela é um patrimônio que não tem preço. É dever de todos nós preservá-la e eu, particularmente, tenho me empenhado nessa árdua tarefa. A região da serra é um desses lugares que associam paisagens e recantos naturais às condições existenciais e culturais dos agrupamentos humanos, criando conexões de alma e essência.

Qual a importância da Serra do Gandarela para a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas?

A Serra do Gandarela é um grande reservatório natural de águas, que serve às Bacias dos Rios das Velhas, São Francisco, Piracicaba e Doce. É o mais importante manancial a abastecer o Rio das Velhas acima da captação de água da Copasa em Bela Fama, região que fornece mais de 60% da água consumida por Belo Horizonte e 50% da água que abastece a Região Metropolitana. As águas desta Serra servem também aos municípios de Caeté, Barão de Cocais e Santa Bárbara e outros mais populosos, como João Monlevade e Ipatinga.

O Gandarela é a última região ainda não explorada intensivamente pela mineração no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Abriga as últimas áreas de cangas em bom estado de conservação e que abrigam os ameaçadíssimos campos ferruginosos que funcionam como áreas de recarga para os aquíferos que, por sua vez, alimentam centenas de nascentes e cachoeiras de águas cristalinas.

Quais são os maiores desafios para a Serra do Gandarela, a Bacia do Rio das Velhas e para as águas?

Garantir água em quantidade e qualidade adequadas para todos os seres humanos e atividades econômicas em um mundo cada vez mais habitado, quente e seco é um dos grandes desafios da humanidade no século XXI. As crises hídricas em diferentes regiões do planeta são uma boa amostra do que nos espera no futuro e reforçam a urgência em construirmos uma nova forma de viver e de nos relacionarmos com a água.

O maior desafio da Serra do Gandarela é preservá-la. Os mananciais de água localizados dentro do Quadrilátero ‘Aquífero-Ferrífero’ vem sendo seriamente degradados, principalmente pelas atividades de mineração. Em 2014, foi publicado o decreto de criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela, que oficializou a demarcação da área do parque. Infelizmente, sua criação não obedeceu as recomendações técnicas e anseios dos movimentos sociais envolvidos, ficando sua delimitação aquém do necessário para preservar um importantíssimo e raro geossistema de cangas ferruginosas da região central de Minas Gerais, que protegem e alimentam os aquíferos mais importantes para o abastecimento dos municípios do entorno da Serra do Gandarela, de Belo Horizonte e sua Região Metropolitana.

Já o Rio das Velhas tem como principal desafio a sua revitalização. A devastação que esse curso d’água passa nos mostra como é difícil recuperar áreas de preservação e acabar com os desmatamentos históricos, invasões e a poluição do manancial.

Que mensagem o senhor daria para os visitantes da região?

Se não mudarmos agora a nossa postura, as gerações futuras é que sofrerão. Tenho dois netos e quando penso no futuro deles sinto um pouco de tristeza. Estamos destruindo a natureza e com ela a vida.

Precisamos mudar a cabeça dos nossos governantes de forma drástica. Mas acho que para isso só com a ajuda do sobrenatural mesmo. O Gandarela é uma riqueza ambiental invejável. Acredito que se melhorarmos a educação ambiental e passarmos mensagens positivas teremos sucesso em sua preservação. Com os sonhos que eu tenho, se eu tiver condições de viver mais, tenho certeza que mudaremos o mundo!

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Fernando Piancastelli e Robson de Oliveira