Revista Velhas nº12: Participação aqui é na prática, porém à distância

06/11/2020 - 9:35

Eles continuam ativos de suas casas, mesmo quando um vírus fez o mundo parar


Henrique Alves de Oliveira olha para o seu bairro com o mesmo entusiasmo com que vê um muro branco prestes a receber o colorido de um novo grafite. Morador do bairro Campo Alegre, em Belo Horizonte, o jovem grafiteiro aprendeu com o movimento Hip Hop que o conhecimento é uma ferramenta potente para despertar consciência e ter a liberdade para transformar a realidade, qualquer que seja ela.

Antes de a pandemia chegar, Henrique movimentava a comunidade atuando no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Para ele, a arte é uma aliada. “Quando temos a arte em mãos como ferramenta de transformação, conseguimos levar a nossa mensagem, conseguimos trazer para fora o que tem no nosso interior. A arte é aquilo que expressa e leva vida para a vida das pessoas. A política também é importante para isso”, conta. Por falar em envolvimento político, o jovem entendeu que desconhecer os seus direitos e deveres básicos como cidadão é perder a capacidade de fazer as próprias escolhas. “Quando somos alienados, a gente se torna um capataz do político e esquecemos que temos direitos básicos, que muitas vezes são negados pra gente”, diz Henrique.

A pandemia tem trazido dificuldades para que Henrique continue a atuar nas ações do bairro no CRAS, mas ele tem feito mudanças de hábito e no próprio quintal da casa. É na separação de lixo orgânico e reciclável que ele vai modificando a relação que tem com o meio ambiente, na prática. “Respeitar o nosso planeta é primordial. Se a gente não respeita a natureza, a gente não está respeitando a nossa casa. Eu acho que a transformação social também se faz assim. É na prática, no pegar e fazer mesmo, da maneira que a gente pode.”

Foram o grafite e o Hip Hop que despertaram Henrique Alves de Oliveira para transformar a sua realidade.

Tentar entender e exigir os seus direitos é um exercício que Dona Glorinha faz há mais de 30 anos pelo meio ambiente, desde que veio do interior para morar na capital mineira. Com as amigas, como ela costuma falar, a moradora atua na Associação Comunitária e Habitacional dos Moradores do Bairro da Lagoa e Adjacentes e faz questão de estar presente na elaboração dos orçamentos públicos, como é feito no Orçamento Participativo (OP), mecanismo governamental que permite à população opinar sobre o orçamento público. “Tudo que nós temos aqui no bairro é de luta e de força, de trabalho comunitário, um movimento mesmo de quem acredita. Participo do Orçamento Participativo desde que começou, em 1996, e continuo até hoje. Se a gente não tem uma luta comunitária, nada no bairro vai para frente”, conta Glorinha, que diz que só vai parar de trabalhar depois de morrer. Enquanto isso ela não se cansa de atuar pela comunidade, pelo controle social, pela saúde e pelo meio ambiente. “Nós, seres humanos, temos que ter essa força. Eu falo isso para as minhas amigas. Infelizmente, muitas coisas acontecem para atrapalhar a nossa a luta, mas eu tenho perseverança. O ser humano precisa ter perseverança e acreditar.”

Põe perseverança nisso. Se as associações, os Comitês e as outras formas de organização social já tinham os desafios de se organizarem enquanto grupo, terem fôlego para dar continuidade às discussões e tomadas de decisão, com a pandemia do coronavírus mais um elemento desafiador passou a fazer parte desse trabalho. O distanciamento social obrigou a reconfiguração de espaços e ferramentas. As rodas de conversa, as listas de presença assinadas à mão, as conversas antes da reunião e os assuntos que não tinham fim por conta da cabeça borbulhando de ideias ao final de cada discussão, deram lugar a uma configuração à distância, baseada em cada-um-no-seu-quadrado, ou melhor, na sua tela de computador e telefone celular.

Alguns grupos com atuação mais presencial, como é o caso do Núcleo Capão, movimento que surgiu em 2012 a partir do projeto Escolas na Bacia do Projeto Manuelzão, teve parte do trabalho prejudicado por conta do isolamento social. “O último mutirão que fizemos foi um de plantio em fevereiro [de 2020]. Foram 25 mudas plantadas no Parque do Capão, mas agora estamos com dificuldades para acompanhar o desenvolvimento do plantio com a pandemia”. Essas palavras são da Roseli Correia da Silva, professora e coordenadora do Núcleo Capão, formado por 15 integrantes e que faz um papel importante a favor da melhoria da qualidade do córrego do Capão e pela região de Venda Nova. “Nosso trabalho é todo voluntário. Temos parceria com o Projeto Manuelzão e somos conselheiros no Subcomitê do Onça. Pensamos que era importante participar desses movimentos para entender um pouco mais das políticas públicas e como elas podem nos favorecer”, explica.

"Mesmo que mais lento, o trabalho continua. Por exemplo, tivemos deposição de entulho de forma irregular nas margens do córrego do Capão e na área do parque e uma das esferas acionadas para resolver o problema foi o Comitê que, mesmo à distância, alertou o poder público sobre a necessidade de manter a área do parque limpa” Roseli Correia Professora e coordenadora do Núcleo Capão

Com a pandemia, os encontros no Núcleo passaram a acontecer uma vez por mês pela internet. Além de debater assuntos que envolvem o grupo, também são feitos repasses de informação das atividades realizadas pelo Subcomitê Ribeirão Onça, vinculado ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), no qual participam desde 2017 e representam a sociedade civil. “Vemos o Subcomitê como um ambiente importante não só para informação sobre o que está acontecendo com relação às águas e aos territórios, mas também como espaço de formação para entender mais sobre a lei da cobrança da água, a elaboração do Plano Plurianual, o acesso aos editais e como tornar a gestão das águas mais eficiente.”

Roseli conta que o trabalho no Subcomitê continua a acontecer mesmo durante a pandemia e que o CBH Rio das Velhas, inclusive, ajudou a resolver problemas na região. “Temos feito reuniões no Subcomitê de forma remota. Mesmo que mais lento, o trabalho continua. Por exemplo, tivemos deposição de entulho de forma irregular nas margens do córrego do Capão e na área do parque e uma das esferas acionadas para resolver o problema foi o Comitê que, mesmo à distância, alertou o poder público sobre a necessidade de manter a área do parque limpa”.

As atividades não só do CBH Rio das Velhas, como nas outras formas de organização que atuam na gestão das águas, tiveram que se readequar aos novos tempos. Plenárias, câmaras técnicas, reuniões de fóruns e Comitês ou outros encontros com aglomeração de pessoas estão impedidos de acontecer desde março, no formato presencial. No início de maio, o colegiado do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH), em reunião virtual, reagiu ao momento. A preocupação era a limitação da participação social nos encontros que passaram a ser feitos pela internet. “Fazer reunião virtual impede a participação social e, claro, grande parte dos Comitês não tem estruturas para operar essas reuniões. Tem Comitê que não tem sala e internet”, conta Hideraldo Buch, coordenador do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (FNCBH). Na época, o Fórum encaminhou esse e outros pontos, em documento, aos Comitês de bacias e ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais (CERH-MG).

Para Hideraldo Buch, coordenador do Fórum Nacional de CBHs, reuniões virtuais limitam a participação social. Para Élio Domingos, mobilizador social do CBH Rio das Velhas, algumas das mudanças vieram para ficar.

Uma das medidas do Conselho foi adiar, por 90 dias, a eleição para renovar as diretorias dos Comitês, prevista para acontecer até o dia 30 de junho. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), para colaborar com a continuidade das ações dos Comitês, criou um documento com procedimentos e orientações para a realização de reuniões via videoconferência. Nele o IGAM trouxe estratégias de convocação, organização, condução, votação e outras ferramentas, com proposta de assegurar a participação das pessoas nas reuniões.

As reuniões plenárias e de câmaras técnicas do CBH Rio das Velhas foram retomadas somente ao final de julho. “Em março suspendemos as reuniões presenciais na esperança de que o pior passasse logo. Ocorre que isto não se deu e tínhamos demandas urgentes que necessitavam de deliberações do Comitê. Neste período de isolamento social, nossa atenção principal tem sido com a saúde. Mas é fundamental, também, seguirmos com nossas atividades, conforme a possibilidade, para nos mantermos mobilizados e ativos”, explica Marcus Vinícius Polignano, secretário do CBH Rio das Velhas.

A Semana do Rio das Velhas, um encontro anual que reúne todos os Subcomitês, aconteceu no final de junho e início de julho com novo formato. Três webinários com os temas Água, saúde e saneamento em tempos de Covid-19; Mobilização e educação ambiental; Comunicação e participação social, foram acompanhados por mais de 1.400 pessoas.

Outra experiência que aconteceu no Comitê foi a primeira audiência pública on-line para Elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de Jequitibá, realizada pela prefeitura do município e pelo Comitê, amparados pela Agência Peixe Vivo. Para os participantes, a experiência do encontro foi positiva e permitiu validar o documento ainda dentro do prazo do contrato para sua execução. “Penso que as reuniões e os eventos nunca mais serão os mesmos depois da pandemia. No ambiente on-line há vantagens como a disponibilização do conteúdo para quem não pôde assistir no dia e a garantia da interação entre o público e os palestrantes, através do chat, durante o encontro. Ainda penso que este tipo de evento on-line não substituirá os presenciais, pois o acesso à internet no campo ainda é restrito. Mas já imagino uma estratégia de mobilização para um futuro próximo, com a realização de audiências públicas virtuais e a disponibilização de telecentros, escolas ou demais espaços de acesso à internet para que as pessoas compareçam, quando pudermos aglomerar novamente”, conta Élio Domingos, um dos mobilizadores do CBH Rio das Velhas que acompanha o Subcomitê Ribeirão Jequitibá.

Já conhece o canal de reuniões do CBH Rio das Velhas no YouTube? Confira, assista ao vivo e participe das Reuniões Plenárias e de Câmaras Técnicas do Comitê!

Garantir a participação social em uma das principais reuniões do Comitê era um dos objetivos do então presidente Polignano. Para que isso fosse possível, a 108ª Plenária foi transmitida pelo Youtube à toda sociedade. O encontro é um momento de decisão sobre questões importantes relacionadas à gestão dos recursos hídricos da bacia do Velhas.

Apesar das dificuldades, sejam elas por limitações técnicas ou por hábitos culturais, Procópio de Castro, que faz parte da Diretoria Ampliada do CBH Rio das Velhas, acredita que o momento, embora desafiador para participação social, pode ser encarado como uma oportunidade. “Os Comitês e os Subcomitês devem estar firmes no propósito de que a água não parou no rio. O planeta continua girando. Nós precisamos manter os procedimentos de segurança, adotar as novas tecnologias disponíveis e continuar com o debate. É hora de estudar o que temos feito, o que já foi concretizado, os sonhos que ficaram parados no caminho por falta de recurso. A Covid-19 tem mostrado que é necessário repensar os nossos caminhos, repensar os nossos valores. Essa é a hora de botar em prática”, diz.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: Bianca Aun,
Ohana Padilha
Ilustração: Clermont Cintra