Histórias de ribeirinhos e do Rio das Velhas se transformam em podcasts

16/07/2020 - 10:17

Um gigante da literatura divide espaço com outro gigante da resistência indígena. Os mineiros Guimarães Rosa e Ailton Krenak são a inspiração de um grupo de ribeirinhos que entendeu que narrar seria uma ferramenta poderosa para enxergar e valorizar a própria existência.

Narrar é Resistir é o resultado de uma vontade de contar histórias de famílias, de amores, da infância, dos bairros, dos rios e dos ribeirinhos. É a ideia de conectar pessoas, manter viva a memória de um povo e valorizar a relação com o curso d’água que passa na porta de casa. É a aventura de descobrir caminhos, cenários e personagens do Rio das Velhas e os seus afluentes.

Feito em formato de podcast, Narrar é Resistir é uma coletânea online de narrativas ribeirinhas idealizada pelo Orla, um coletivo que reúne o Núcleo Capão, o Espaço Cultural da Orla e a Associação Habitacional do Bairro Lagoa, três movimentos que atuam na região de Venda Nova, em Belo Horizonte. “A narrativa é essa forma milenar de resistência que faz com que as histórias se mantenham, que a cultura se mantenha. Tem o poder de resgatar essas memórias individuais, coletivas e de afirmar o pertencimento”, explica Clarice Flores, estudante de arquitetura, moradora da microbacia do córrego do Capão e uma das idealizadoras do projeto.

Para ela que é ribeirinha e tem uma história com movimentos que atuam pelas causas ambientais, o projeto faz parte da ressignificação da sua própria relação com as águas. De como ela passou a olhar de outra forma para o córrego que fez parte da sua infância.  “Desde criança eu atravessava a ponte de madeira que passava pelo córrego do Capão, um afluente do córrego Vilarinho. A presença dele em leito aberto muito perto da minha casa me incomodava muito. A degradação muito aparente, o mau cheiro, o aparecimento de animais em casa, tudo isso me fez viver um processo longo de negação daquele lugar. Eu não me sentia pertencente ao meu bairro muito por causa do rio que fedia e me dava vergonha. Foi só quando mais velha, ao entrar na faculdade, que comecei a estudar os rios urbanos. Foi aí que entendi a situação toda da relação dos rios em Belo Horizonte”.

Para além de contar histórias dos ribeirinhos, Narrar é Resistir é uma ferramenta de mobilização e educação ambiental do coletivo Orla. Um trabalho que sempre foi feito presencialmente na comunidade, batendo na porta das casas das pessoas e produzindo eventos, agora começa a ultrapassar as fronteiras da região de Venda Nova. “Eu acho que é a primeira vez que a gente está falando para fora da nossa comunidade. Pessoas vêm conversar com a gente querendo colaborar e que nunca teríamos contato. A escrita, os vídeos, os áudios são possibilidade de chegar a mais pessoas e de mostrar a realidade do povo ribeirinho”, conta Clarisse, que é também estagiária da equipe de mobilização do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas).

Nesse momento de quarentena provocada pelo novo coronavírus, a estudante acredita que a internet pode ser uma ferramenta potente. “A gente só tem a internet para comunicar e mobilizar nesse momento e eu acredito que pode ser revolucionário. No momento em que a gente vive tantas ausências, criar uma presença através da narrativa é como se você estivesse conversando com a pessoa”, diz.

Uma dessas “conversas” pôde ser feita no episódio Venda Nova do podcast, região que sofre com inundações na capital mineira. No episódio, Cláudia e Wagner, educadores e moradores da região que pertence à bacia do Ribeirão Onça, contam as suas histórias e nos aproxima das suas realidades. Cláudia está na linha de frente pela proteção da Matinha, uma importante área permeável da região e estratégica para a redução do impacto das chuvas. Já Wagner traz a sua visão de transformação do território através da mudança do olhar e das pequenas ações cotidianas.


Ouça a história de Cláudia e Wagner:


As narrativas do Narrar é Resistir são repletas de diversidade e seguem o mesmo caminho da bacia do Rio das Velhas. Em Belo Horizonte, por exemplo, que é de onde o projeto parte, as pessoas se relacionam com a água de uma forma diferente das que estão no Baixo Velhas, com cidades menores e mais gente na zona rural. “Começamos a contar as histórias dos ribeirinhos urbanos, na zona norte de Belo Horizonte, lugar de onde a gente saiu. Estamos passando pelo Ribeirão Onça, depois vamos para o Arrudas e assim ver para onde as narrativas vão nos levar. Mesmo em apenas uma bacia já temos histórias completamente diferentes umas das outras. Eu acho que, quanto mais a gente for percorrendo o Alto, Médio e Baixo Velhas essas narrativas vão ser ainda mais diferentes, inclusive nos sotaques e na forma de lidar com tudo”, diz.

Quando foi perguntado à Clarice se ela acredita que a narrativa pode ser uma ferramenta de resistência, a estudante lançou mão de uma frase de Guimarães Rosa para nos responder: 


“A verdadeira parte, por quanto tenhas, das tuas passagens, de nenhum modo poderá transmitir-me. O que a laranjeira não ensina ao limoeiro, e que um boi não consegue dizer a outro boi. Isso, o que acende melhor os teus olhos, que dá triunfo a tua voz, e tento as tuas mãos. Também as histórias, não se desprendem apenas do narrador, sim o performam, narrar é resistir.” 


Ouça mais histórias dos ribeirinhos e ribeirinhas do Ribeirão Onça:

Dona Glorinha e Priscila, moradoras da microbacia do Córrego do Capão e que fazem parte de um movimento comunitário chamado Núcleo do Capão – que atua no extremo norte de Belo Horizonte em prol da revitalização do curso d’água – contam a relação que cada uma tem com o rio, e a forma de ver e atuar no território a favor das águas e da qualidade de vida de sua comunidade.


No próximo episódio, Luciana e Seu José Américo, que moram às margens do córrego Tamboril falam sobre suas relações com o curso d’água, e também sobre suas lutas, sentimento de pertencimento, cuidado e sobre a comunidade local. Dê play!

Acesse também o site e mergulhe nas viagens dos ribeirinhos: www.narrareresistir.org

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Michelle Parron