Parecia cena de filme: a sirene soava alto, anunciando que a enchente estava por vir. O alerta era para que os moradores que vivem às margens do Rio das Velhas, em Jequitibá, saíssem de suas casas e se dirigissem até o ponto mais alto do município, no caso a Escola Estadual Vítor Penido. No entanto, tratava-se do primeiro simulado de evacuação de área de risco, realizado no município no último domingo (20), com o objetivo de garantir a prevenção, preparação, resposta e recuperação para situações de risco, com a chegada do período chuvoso.
A ação foi uma iniciativa da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil de Jequitibá (COMPDEC), em parceria com o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, Polícia Militar, Polícia Ambiental, Guarda Civil Municipal e Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas). A ação simulou o deslocamento emergencial de pessoas que moram em áreas consideradas de risco. Na oportunidade, foram capacitados moradores e técnicos para agirem de maneira eficaz em momentos calamitosos.
O plano de contingência institui maneiras de comunicar a moradores de regiões ribeirinhas, com antecedência, a necessidade de sair de suas casas por causa da possibilidade de cheia do Rio das Velhas, como já aconteceu em janeiro deste ano, ou outros riscos ligados às chuvas. Através do Whatsapp e carro de som, a população é avisada.
Da Praça JK saiu um carro de som da Prefeitura, alertando a população da área situada nas proximidades do dique sobre o simulado de evacuação. “O relevo de Jequitibá favorece a enchente. Quando o nível do Rio das Velhas sobe 10 metros é o momento de sair de casa e levar os pertences que forem possíveis, principalmente os documentos para receber benefícios sociais”, informou o capitão Rafael de Figueiredo Barbosa, da 5ª Companhia Independente do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, sediado em Sete Lagoas.
No ponto de encontro, na E. E. Vítor Penido, foi montada uma estrutura pela Prefeitura para atendimento às “famílias desalojadas”, como se tudo fosse real. Foi feito um cadastro detalhado de cada uma delas. “Não é a ocorrência do desastre que traz o prejuízo, mas sim a falta de planejamento para responder e superá-lo”, destacou o capitão Figueiredo, também da 5ª Companhia Independente do Corpo de Bombeiros. “Em termos de planejamento, prevenção e ação, Jequitibá serve de modelo para outras cidades”, completou.
Para Poliana Valgas, secretária municipal de Meio Ambiente e Saneamento e presidente do CBH Rio das Velhas, o exemplo de Jequitibá deve ser seguido, a fim de evitar perdas humanas e materiais. “A população local está em alerta e mobilizada. Em janeiro deste ano, o cenário era de inundação e alagamento, e esta memória ainda está muito recente para todos. Os moradores sabem dos riscos que o município corre nesse período. O treinamento buscou capacitar as pessoas para que, em caso de necessidade, saiam de casa, desloquem em segurança e com tempo hábil. Ao longo da bacia do Rio das Velhas há várias cidades ribeirinhas com problemas graves de alagamento, como nos casos de Jequitibá e Santo Hipólito, cidades marcadas por históricos de inundação. Ter um plano de contingência atualizado é extremamente importante e esperamos que outros municípios da bacia, principalmente os ribeirinhos, façam esse esforço para capacitar e treinar a população e suas equipes”, afirmou.
A moradora Gleice Martins participou como voluntária da simulação. Ela e a família tiveram importantes perdas materiais na última enchente registrada em Jequitibá. “É muito importante a iniciativa. Quando ocorrem os alagamentos as perdas são grandes e significativas. Já morei perto do rio e a sensação é muito triste. O trabalho é válido para que, se acontecer a enchente, possamos passar pelo problema de forma mais suave. Na hora do desespero, as pessoas ficam desorientadas e não sabem para onde ir, daí a importância da simulação”, considerou.
Veja as fotos da oficina:
Tecnologia como aliada
Desde dezembro de 2018, algumas cidades às margens do Rio das Velhas contam com o Sistema de Alerta de Eventos Críticos (SACE). A plataforma foi desenvolvida pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão ligado à Agência Nacional de Águas (ANA), que tem como objetivo monitorar a alta nos níveis do rio e, com isso, antecipar ações de prevenção em caso de inundações.
Jequitibá e Santo Hipólito, ambos cortados pelo Rio das Velhas, são os dois municípios em toda Minas Gerais que contam com as estações telemétricas do CPRM. “Lá, qualquer morador pode observar a variação dos níveis de água através de réguas instaladas às margens do rio. Aliado a isso, um aplicativo que pode ser baixado no celular (Hidroweb Mobile) revela, em tempo real, todas as informações relacionadas aos níveis dos rios e os volumes de chuva”, contou Mauro Mascarenhas, coordenador da Defesa Civil de Jequitibá. Atualmente, 16 bacias brasileiras são monitoradas pelos sistemas, que beneficiam mais de sete milhões de pessoas.
Recursos
Recentemente, o prefeito Humberto Reis e o vice-prefeito Luiz Carlos Pinheiro – eleito para o cargo de prefeito e que toma posse em 1º de janeiro de 2021 – estiveram em Brasília para buscar recursos da ordem de R$ 5 milhões para a recuperação do dique. “Só assim a situação poderia ser amenizada em caso de novas cheias. O atual dique de contenção já não suporta os atuais volumes de água durante as enchentes. Com recursos próprios já fizemos a capacitação de servidores, obras paliativas no dique onde foram detectadas fissuras, sinalização de rotas de evacuação e, o mais importante, este simulado”, enumerou o prefeito.
Histórico sinistro
Jequitibá é um município que se mantém em alerta com a chegada das chuvas. O primeiro registro de inundação em Jequitibá datado foi em 1808, quando a primeira ponte construída que ligava até a região de Santana de Pirapama foi parcialmente levada pelas águas. Reformada, durou até 1858, quando uma segunda inundação acabou novamente com a travessia.
Quem lembra é o historiador Pedro Henrique de Souza, que tem extenso acervo sobre o município. “Há registros de enchentes de grande porte em 1958 (que aparece no livro ‘Viagem de canoa de Sabará ao Atlântico’, de Richard Francis Burton); em 1976, quando a ponte que ligava a Baldim foi levada; em 1949, 1979 e, a última, em 1997”, lembra. A construção do dique de contenção, em 1988, não foi o suficiente para conter a cheia do Rio das Velhas em 1997.
Simulações na bacia
Uma série de simulados vem sendo realizada na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, especialmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Dentre outras cidades que tiveram a oportunidade de passar pela experiência estão Sabará, Santa Luzia e Sete Lagoas. Em janeiro de 2016, Sabará foi a primeira cidade mineira a decretar emergência por causa dos estragos causados pelo encharcamento do solo. Pelo menos 15 famílias tiveram que deixar suas casas depois de um deslizamento de terra. Já em janeiro deste ano, após o transbordamento do Rio das Velhas, pelo menos 800 pessoas daquela cidade ficaram desalojadas.
Em Santa Luzia, na primeira quinzena deste mês, o simulado também foi realizado. Em janeiro deste ano, a chuva causou estragos e a Ponte Velha precisou ser interditada pela Defesa Civil, por medida de segurança. Os rios e córregos subiram muito e causaram pontos de alagamento nos bairros Pantanal, Vila Íris e Boa Esperança.
Já em Sete Lagoas, o treinamento realizado no início de dezembro fechou, por alguns minutos, o trânsito em trecho da avenida Prefeito Alberto Moura (Perimetral), no bairro Luxemburgo, onde neste ano uma tragédia provocou duas vítimas fatais. Outra região isolada foi nas proximidades do Clube Náutico, que também registrou grandes alagamentos em 2020.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Celso Martinelli
*Fotos: Roberta Lanza