Mulheres desafiam o machismo e conquistam espaço no meio ambiente

08/03/2021 - 9:30

Elas estão na linha de frente. Presentes em diretorias, câmaras técnicas, subcomitês e movimentos sociais, elas também decidem sobre a gestão das águas e estão dispostas a diminuir a distância que existe entre as mulheres e os homens. Poliana Valgas, Heloísa França, Célia Fróes e Maria Luiza Moreira são algumas dessas mulheres que ocupam cargos e espaços importantes, desafiando a cultura machista presente na sociedade há décadas. Mas basta olhar com atenção para o entorno e ver que são quase uma exceção. 

A presença feminina na liderança das secretarias, organizações, associações ou nos comitês, ainda é pouca, quando comparada ao número de homens. Em reuniões e encontros também é notória a baixa participação das mulheres. Estar onde Poliana, Heloísa, Célia e Maria Luiza estão não anula o desafio que enfrentam na profissão simplesmente por serem mulheres. Como em muitas outras áreas, algumas delas ainda sofrem preconceito, muitas vezes velado, que as obrigam a provarem, dia após dia, competência para sustentarem o lugar que ocupam.

A desigualdade de gênero não é exclusividade do meio ambiente. O assunto é tão urgente que passou a integrar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas está ao lado de outros 16 objetivos como erradicar a pobreza, acabar com a fome e garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos.

Nos últimos meses na bacia do rio das Velhas a presença feminina ganhou um novo capítulo. Ainda que insuficiente para equilibrar a balança entre os gêneros no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), a eleição de Poliana Valgas para a presidência do Comitê conquistou um marco inédito: a primeira mulher a assumir o cargo mais importante da entidade. “Está sendo uma honra ser a primeira mulher. É histórico! Que bom que eu estou abrindo precedentes para outras mulheres, que é o que mais me deixa feliz nessa história toda. Cada mulher da bacia hoje pode enxergar que aquele espaço é para ela também. Temos que parar de achar que não podemos chegar a certos lugares. Podemos ocupar o lugar que estivermos e a minha presença representa muito isso. Mostra a todas da bacia que é possível estar em uma posição de direção, de comando”, conta Poliana Valgas.

Além de mulher, Poliana é jovem, negra, nascida no interior e agora está ocupando um espaço que sempre foi protagonizado por homens brancos com mais de 50 anos de idade, em sua maioria. A engenheira ambiental lida não apenas com a questão de gênero, mas com o histórico deixado pelas gestões anteriores. Para ela são referências profissionais: “Tivemos grandes representantes no Comitê como o Apolo Heringer e o Marcus Vinicius Polignano, uma inspiração para mim. Tem sido motivante, mas um desafio gigante.”

As Câmaras Técnicas e Grupos de Trabalho, instâncias de discussão e decisão do CBH Rio das Velhas, também são espaços dominados majoritariamente pelos homens. A única Câmara Técnica que apresenta o mesmo número de membros por gênero é a CTECOM (Câmara Técnica Educação, Comunicação e Mobilização). Já o CONVAZÃO (Grupo de Controle de Vazão do Alto Rio das Velhas), por exemplo, não tem nenhuma participação feminina. A CTOC (Câmara Técnica de Outorga e Cobrança), por sua vez, é a única coordenada por uma mulher, a Heloísa França.

Para a bióloga é um desafio pessoal e profissional assumir essa cadeira. “Mulher e ainda nova, de apenas 36 anos, não foi fácil. Mas o conhecimento que eu tinha, o apoio dos conselheiros e a minha dedicação diária aos estudos me atualizam e me ajudam a ficar antenada e preparada. Eu me cobro muito e não gosto de titubear quando sou questionada”, explica. No Comitê ela conta que nunca observou olhares de preconceito por ser mulher, mas em outros ambientes da gestão hídrica já sentiu na pele o desprezo e a dificuldade de conseguir o direito à palavra, o que tornou algumas dessas experiências desafiadoras. “Tenho orgulho da profissional que tenho me tornado e pelos amigos que já fiz nessa trajetória pelo saneamento e gestão hídrica.”

Outra liderança na gestão das águas é Célia Fróes. Hoje a única mulher que está à frente de uma das cinco agências de bacias que existem no Brasil. A Agência Peixe Vivo, responsável por dar apoio administrativo, técnico e financeiro ao CBH Rio das Velhas, tem a direção da Célia há 10 anos. Mas a história da engenheira química com o meio ambiente tem mais de 30 anos, 20 deles dedicados ao IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas).

Ao chegar na agência, sua missão foi organizar e estruturar a entidade para prepará-la para a elaboração e execução dos projetos financiados com os recursos da cobrança arrecadados nas bacias dos rios São Francisco e Velhas. “Estes primeiros anos foram difíceis para se criar uma relação de confiança e respeito junto aos comitês, principalmente pelo fato de eu ser mulher e estar na linha de frente de uma agência para gerir um montante financeiro expressivo. Eu sempre fui muito firme nas minhas convicções e atitudes, gosto de desafios e me espelhei na minha mãe, que foi uma mulher forte. Também na Patrícia Boson, uma grande profissional na área de recursos hídricos”, relembra Célia.

Na Agência Peixe Vivo, a ocupação feminina é expressiva. A direção executiva é composta por quatro mulheres e apenas um homem. Realidade bem diferente do que é encontrado em outros núcleos de gestão. “Sou muito respeitada pela equipe da agência, pelos prestadores de serviço e tenho uma excelente relação com os meus colegas dirigentes. Entendo que a valorização da mulher está cada dia mais forte no mercado de trabalho. As mulheres são firmes nas suas decisões, dedicadas, centradas e mais organizadas.”

Psicóloga social e ambiental, Maria Luiza Moreira é conselheira do Subcomitê Ribeirão Onça e do CBH Rio das Velhas. Começou a atuar como mobilizadora social há 10 anos no Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (COMUPRA) e no movimento Deixa o Onça Beber Água Limpa. De lá para cá ela percebeu avanços, mas enfrenta uma luta diária. “Nós que somos mulheres sabemos muito bem o quanto é difícil ser mulher e viver em uma sociedade tão machista, patriarcal, sexista, homofóbica, racista como a nossa. Todos os dias lutamos pela emancipação e valorização das mulheres. Lutamos por respeito, por equidade de gênero e, infelizmente, essas lutas também são traçadas dentro do movimento ambiental.”

A preocupação com o direito de ser ouvida, de participar e não apenas fazer número em uma reunião provavelmente não faz parte da realidade dos homens, mas para mulheres como Maria Luiza é um avanço esse tipo de conquista. “Se for observar como era nossa participação há 10 anos atrás, eu me lembro que as mulheres eram vistas e lembradas apenas como aquelas que vão fazer números na hora de uma votação, aquelas que vão levar um lanche para uma reunião, aquelas que vão preparar a sala, deixá-la limpinha e cheirosa para reunião e não como as mulheres pensadoras, engajadas, que poderiam contribuir com todas as suas vivências”, relembra.

Maria Luiza, ao ver a primeira mulher na presidência do CBH Rio das Velhas, comemora: “isso representa um momento único para nós mulheres, um momento muito especial de emancipação e de valorização. Que sirva de exemplo.”

Mulheres no CBH Rio das Velhas 

A participação feminina nas instâncias do Comitê ainda é menor que a masculina. Ao todo são 38 mulheres e 87 homens ocupando cadeiras na Diretoria, Plenário, Câmaras Técnicas e Grupos de Trabalho.

  • Diretoria: 1 mulher (presidente) e 3 homens (vice-presidente, secretário e secretário adjunto)
  • Plenário: 17 mulheres e 39 homens

Câmaras Técnicas e Grupos de Trabalho: composta por um total de 20 mulheres e 45 homens

  • CTIL (Câmara Técnica Institucional e Legal): 4 mulheres e 6 homens
  • CTOC (Câmara Técnica de Outorga e Cobrança): 6 mulheres e 8 homens
  • CTPC (Câmara Técnica de Planejamento, Projetos e Controle): 3 mulheres e 11 homens
  • CTECOM (Câmara Técnica Educação, Comunicação e Mobilização): 5 mulheres e 5 homens
  • GT de Barragens: 1 mulher e 7 homens
  • CONVAZÃO (Grupo de Controle de Vazão do Alto Rio das Velhas): 0 mulheres e 5 homens
  • GACG (Grupo de Acompanhamento do Contrato de Gestão): 1 mulher e 3 homens

Para conferir como está a participação delas nos Subcomitês e UTEs (Unidade Territorial Estratégica), acesse o site cbhvelhas.org.br na aba “Rio das Velhas”.

Encontro entre as mulheres da bacia do Rio das Velhas

Para valorizar e estimular a participação das mulheres na gestão das águas e dar visibilidade ao trabalho desenvolvido por elas na bacia, o CBH Rio das Velhas está organizando um webinário marcado para acontecer no dia 31 de março. Com o tema “Água e Gênero – O papel da mulher na gestão das águas do rio das Velhas”, o encontro terá a presença de representantes da ANA (Agência Nacional das Águas), pesquisadoras, conselheiras e mobilizadoras sociais do Comitê. A proposta é trazer para o debate a questão de gênero a nível nacional e internacional. Também serão apresentados dados sobre a participação da mulher nos comitês de bacias hidrográficas no Brasil. Fique de olho na agenda e participe do encontro!

 

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto : Michelle Parron
*Fotos: Bianca Aun e Michelle Parron