O que gênero tem a ver com gestão das águas?

26/03/2021 - 11:31

Mansplaining, manterrupting e bropriating. Para quem não conhece, as expressões em inglês são usadas para nomear o comportamento de um homem com relação às mulheres. Se um homem começa a explicar o óbvio para uma mulher, isso é mansplaining, se interrompendo a fala de uma mulher é manterrupting e, se apropria da ideia de uma mulher, um bropriating. Estes comportamentos masculinos aparecem em reuniões de trabalho, em eventos ou espaços de participação como conselhos, comitês e outras instâncias de gestão das águas.

Para se ter uma ideia, as expressões foram parar no check-list de reuniões da Agência Nacional das Águas (ANA), que traz boas práticas que devem ser aplicadas e aquilo que deve ser evitado nos encontros. O assunto é sério, mas este é apenas um dos pontos que revela porque é tão importante pensar na relação entre o gênero e gestão das águas.

Um outro problema que vem antes do respeito à participação delas nos encontros: a equidade dos gêneros nestes espaços. O Brasil é composto, em sua maioria, por habitantes mulheres, mas essas mulheres são apenas 28% de representação no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), como também são 38% na ANA. Os dados mostram que homens e mulheres ainda não ocupam a mesma quantidade de cadeiras nos ambientes de decisão, consequentemente não têm oportunidades iguais de participar, refletir, debater e pensar sobre fornecimento, gestão e proteção da água no país.

Entre a baixa representatividade das mulheres e a dificuldade de serem ouvidas e respeitadas quando conseguem estar presentes nos espaços, alguns avanços começam a aparecer.

A ANA criou, em 2016, o Comitê Pró-Equidade de Gênero da ANA (CPEG), cujo papel é incorporar às ações de gestão da água o princípio de que a mulher desempenha um papel central no fornecimento, gestão e proteção da água. A iniciativa da Agência foi reconhecida em 2018 pela organização internacional “Parceria Mundial pela Água” (Global Water Partnership)como Exemplo de Ouro (Golden Example). “O Comitê tem duas linhas principais de ação: uma é referente às ações de equidade de gênero no ambiente da Agência e outra focada em gênero e água. Desde o início da implementação de suas ações internas ao ambiente da ANA, observamos a percepção da necessidade de participação maior de mulheres nas instâncias superiores e na representação em eventos, ainda que isso não ocorra em números”, diz Sérgio Ayrimoraes, Superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da ANA.

Os números que apontam qual é a representatividade de gênero na gestão das águas, mencionados por Ayrimoraes, estão sendo levantados pelo Comitê Pró-Equidade de Gênero e por outras iniciativas da Agência. Um dos documentos que já apresenta dados sobre o assunto é o Relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil 2020. Elaborado pela ANA, o documento é referência para o acompanhamento sistemático dos recursos hídricos no país por meio de um conjunto de indicadores e estatísticas sobre a quantidade, a qualidade e os usos da água, bem como a sua gestão. Pela primeira vez o relatório apresentou informações sobre água e gênero (pág. 82) que mostram o percentual de participação de homens e de mulheres em cargos de direção e assessoramento de órgãos gestores estaduais.


Veja o gráfico do relatório que aponta a porcentagem de homens e mulheres em cada estado brasileiro:


Ao estar presente em várias edições do Encontro Nacional de Comitês de Bacia Hidrográfica (Encob), a pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernanda Matos, percebeu que ali havia baixa participação feminina. Mas era preciso garantir dados reais, ou seja, contar a presença das mulheres dentro dos comitês de bacia. Em parceria com outras instituições e pesquisadores, Matos iniciou um levantamento nos 223 comitês de bacias hidrográficas existentes hoje no Brasil. “Apesar de serem 12 mil espaços de participação nos comitês (entre titulares e suplentes), identificamos que nos comitês estaduais a participação da mulher corresponde a 31%. Temos esse primeiro desafio: a participação entre homens e mulheres não é igual. A outra questão, levantada pelos questionários enviados aos comitês durante a pesquisa, é que muitas vezes as mulheres estão nesses espaços, mas a influência delas ainda é limitada. Com essa limitação, a mulher acaba não colaborando com tudo ou em plenitude, porque é sempre barrada. Toda vez que ela tenta falar alguém atropela, apropria da vez de fala, da ideia, e assim vai enfraquecendo a participação dessa mulher”, diz a pesquisadora.

Recentemente, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) publicou em seu site a matéria “Mulheres desafiam o machismo e conquistam espaço no meio ambiente”, que trouxe quatro mulheres atuantes no Comitê e na Agência Peixe Vivo, mas também trouxe o número de mulheres presentes atualmente nestes espaços. Para relembrar, são 87 homens e 38 mulheres ocupando as cadeiras da Diretoria, Plenário, Câmaras Técnicas e Grupos de Trabalho do Comitê. Para além da baixa representatividade, outras situações são vivenciadas pelas mulheres que integram o CBH Rio das Velhas. “Eu percebo que nos debates que participo, na maioria das vezes os movimentos são liderados por mulheres. Mas na hora de falar, de ter uma representação oficial, eu sinto que tem uma atenção maior quando é um homem que está à frente”, conta Luciana Gomes, que integra a equipe de mobilização do Comitê.

A presença não igualitária, somada às experiências no dia a dia da gestão da bacia do Rio das Velhas e a necessidade de levantar discussões a respeito da questão entre gênero e água dentro do Comitê, motivou a criação do Webinário ‘Água e Gênero – O protagonismo da mulher na gestão das águas da bacia do Rio das Velhas’, que será realizado no próximo dia 31 de março (quarta-feira), a partir das 18h30, no canal do CBH Rio das Velhas no Youtube.

A programação do evento, pensada para garantir a participação tanto das mulheres como dos homens que estão envolvidos com a bacia do Rio das Velhas, pretende ampliar o conhecimento acerca do tema água e gênero. Para isso, serão mencionados os efeitos da participação e da ausência da mulher na gestão de recursos hídricos, a importância de fortalecer o papel da mulher na gestão de recursos hídricos na bacia do Rio das Velhas, propor a reflexão sobre os comportamentos machistas praticados em reuniões de conselhos que precisam ser evitados e trazer os avanços das políticas e ações criadas para garantir a equidade de gênero na gestão das águas.

Uma das convidadas do evento é Mariane Ravanello, especialista em Recursos Hídricos e Coordenadora de Estudos Hidrológicos e do Comitê Pró-Equidade de Gênero da ANA. Ravanello vai compartilhar as ações e experiências da ANA, com dados e documentos levantados pela Agência e pela Organização das Nações Unidas sobre a relação de gênero e água no mundo.

Para trazer dados e propor reflexões sobre a participação feminina nos comitês de bacias hidrográficas no Brasil, além de levantar outros pontos identificados nas pesquisas realizadas com os comitês de bacias, a pesquisadora Fernanda Matos também é uma das presenças confirmadas.

À frente da organização do evento, as mobilizadoras do CBH Rio das Velhas, Luciana Gomes, Adriana Carvalho, Clarice Flores e Danielli Tolentino, estão vivendo uma experiência de produção que tem provocado reflexões sobre o dia a dia delas. “Ser mulher na área ambiental é um desafio. Ainda há momentos em que o machismo é reproduzido e eu me sinto muito inibida de falar, de me expressar de alguma forma. Ao mesmo tempo eu sinto que as mulheres estão ganhando cada vez mais força. O encontro vai trazer a oportunidade da gente se expressar”, diz Danielli Tolentino.

Para Clarice Flores, a experiência de produção do evento provocou o desejo da ter todas as mulheres da bacia do Rio das Velhas representadas e revelou que há um objetivo em comum que vai além da gestão ambiental. “Temos mulheres que atuam no Velhas de diversas formas, seja na Agência, as que estão envolvidas nas equipes de apoio e as que representam os três setores. Por mais que todos estes espaços sejam diferentes é importante a gente lembrar que existe uma unidade em nós pelo fato de sermos mulheres. Paralela à da preservação ambiental, existe essa outra luta que estamos construindo ao fazer parte do CBH Rio das Velhas, que é a luta por mais igualdade de gênero.”

O Webinário Água e Gênero – O protagonismo da mulher na gestão das águas da bacia do Rio das Velhas é gratuito. Para ter acesso, basta clicar no endereço no dia e hora do evento: https://www.youtube.com/watch?v=fJa0p2MCT94. Participe!


Programação do Webinário Água e Gênero – 31 de março

 

18h30 – Abertura: Poliana Valgas (Presidente CBH Rio das Velhas) e Francisco Rubió (Equipe de Mobilização FUNDEP);

18h40 – Uma Canção das Águas, por Daniely Deliberali (Engenheira Agrônoma, Mestre em Solos, técnica da SMMA/PBH e defensora do meio ambiente e agroecologia);

18h50 – “Gênero e Gestão de Recursos Hídricos” – Mariane Ravanello (Especialista em Recursos Hídricos, Coordenadora de Estudos Hidrológicos e do Comitê Pró-Equidade de Gênero da ANA) e Fernanda Matos (Pesquisadora – UFMG);

19h30 – Debate com mediação de Fernanda Oliveira (Geógrafa, Mestre e Doutora em Educação pela UFMG. Integrou a equipe de Mobilização do CBH Rio das Velhas – 2011-2016);

19h50 – Ciranda de Mulheres das Águas, com participação de Fabíola Nonato (Subcomitês Nascentes e Rio Itabirito), Carolina Noronha (Subcomitê Rio Cipó) e Tamires Nunes (Subcomitê Rio Curimataí).

20h30 – Encerramento.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto:  Michelle Parron
*Foto: Bianca Aun