“O rio que eu cuido”: Leandro Vaz Pereira e Maria Teresa Corujo contam, um para o outro, como é cuidar das águas em seus territórios

30/04/2021 - 17:33

Duas pessoas distintas de regiões distantes dentro da bacia do Rio das Velhas e um amor em comum: o cuidado pelas águas em seus territórios!

Convidamos o superintendente do Consórcio Regional de Saneamento Básico Central de Minas (Coresab), Leandro Vaz Pereira, e a ambientalista Maria Teresa Viana de Freitas Corujo, a Teca, para uma ação diferente: um entrevistar o outro. Sob a perspectiva do pertencimento, os dois falaram sobre o significado do território em que eles vivem em suas vidas, o que fazem para a preservação das águas, os desafios e os sonhos de futuro.

Teca nasceu em Luanda, na Angola, e veio para o Brasil com 15 anos de idade devido a guerra civil em que o país se encontrava. Atualmente ela mora no Alto Rio das Velhas, em Caeté, onde se encontra grande parte da Serra do Gandarela. Uma região rica em biodiversidade, com abundância de nascentes e cursos d’água e que deve ser preservada por ser importante área de recarga para a bacia do Rio das Velhas.

Leandro é natural de Corinto no Baixo Rio das Velhas. Nascido e criado às margens do Rio Bicudo, de onde seus familiares tiraram por gerações o sustento da família. Um território em que a demanda excede a oferta de água. No período de estiagem, o Bicudo, afluente do Rio das Velhas, se transforma em rio intermitente, ou como diz Leandro fica “cortado”, desaparecendo temporariamente em alguns trechos.

Leandro entrevista Teca 


Leandro: Como começou a sua luta pela proteção e preservação da UTE Águas do Gandarela? 

Teca: Sou uma ambientalista que atua em defesa de lugares de Minas Gerais que estão ameaçados ou já impactados por mineração e participo do SOS Serra da Piedade, Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM).Comecei em 2001 quando foi criado o movimento SOS Serra da Piedade. Eu moro no sopé da serra, que é o lugar onde tenho meu pertencimento, e naquela época fazia artesanato de brinquedos educativos e buscava um novo jeito de ser e viver. Nesse ano, numa audiência pública em Caeté sobre a expansão de uma mina, eu, que não tinha a menor noção do que era mineração, cheguei à constatação: “Este lugar aqui é tão especial. Como assim? Querem minerar esta serra e destruí-la?”. Foi aí que ingressei na luta ambiental.

Em 2007 tivemos conhecimento do interesse de um grande projeto minerário na Serra do Gandarela, que tem uma grande parte em Caeté, e desde essa época há um movimento em defesa desse lugar e de suas águas e eu participo dele. Em 2009 se juntaram todos que estavam fazendo isso, em Rio Acima, Raposos, Santa Bárbara, Nova Lima e Belo Horizonte, e o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela foi criado.

Leandro: Como você define o rio que você cuida?

Teca: Não é um rio! São muitas as águas que eu cuido e que nascem na Serra da Piedade e na Serra do Gandarela. Mas posso dizer que cuido do Rio das Velhas, porque essas águas chegam nele. Um rio que interliga as pessoas por onde passa e é de fundamental importância para a vida e o abastecimento de água de milhões de pessoas que vivem na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

O Rio das Velhas era belíssimo antes dos impactos que sofre desde quando houve a exploração de ouro no seu leito até hoje. Infelizmente a poluição não permite mais o banho em suas águas como deveria ser por direito. É um rio ferido, desde a época do ciclo do ouro, e que continua sob a ameaça permanente imposta pelo modelo econômico que não tem cuidado com as águas. Outra forte ameaça é a falta de consciência de uma sociedade que perdeu a conexão com o meio ambiente como tinham os povos indígenas e tradicionais que respeitam e cuidam da natureza.

Leandro: Você luta pela defesa das Serras do Gandarela, Curral, Moeda, Piedade entre outras na região do Alto Rio das Velhas que são importantes para a produção de água. Essas serras se encontram na região do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero e sofrem constante pressão de mineradoras. Na sua opinião, a mineração sustentável é algo possível ou incoerente?

Teca: Na minha opinião, a mineração, salvo raras exceções, é baseada em alicerces que vão na contramão da sustentabilidade e do respeito à natureza, às águas e às pessoas. A mineração de hoje é insustentável e incoerente, baseada apenas no lucro. Para mim, mexer no meio ambiente ou no subsolo com atividade de mineração teria de ocorrer apenas e absolutamente quando fosse necessário para o bem comum, pois os impactos são enormes e a maioria é irreversível. Outro ponto é que as mineradoras só se preocupam com o aqui e agora, retirando todo o minério que podem da natureza, sem se preocupar com as futuras gerações. O que me preocupa são os impactos nas pessoas e no ambiente.

Leandro: Que recado você deixa para todos aqueles que estão na luta pela preservação ambiental e pelo consumo sustentável dos recursos hídricos?

Teca: Primeiro quero destacar que é uma luta contínua! Aí eu me pergunto: “puxa vida, esta luta nunca termina?” Mesmo que pareça difícil e, às vezes, até mesmo impossível fazer algo, nunca podemos desistir de sonhar e de lutar, pois mudanças só acontecem quando acreditamos e trabalhamos para que aquilo se concretize. Na maioria das vezes, as transformações são lentas, demoradas e sofridas. Vamos juntos continuar trabalhando e sonhando em meio a tantas dificuldades!

Teca entrevista Leandro


 Teca: O que te move a cuidar das águas do seu território e o que você faz para isso?   

Leandro: Posso dizer, Teca, que você foi a minha mentora nas questões ambientais. O primeiro curso que fiz na área foi com você em Corinto. Eu e minha família sempre vivemos às margens do encontro do Canjica com o Bicudo. O que me move na preservação dos cursos d’água em meio território é a essência da vida. Precisamos de água para viver e precisamos cuidar desse bem para os nossos filhos. Quase ninguém vive no deserto, pois onde não há água não há vida! A água é um recurso que Deus nos deu e que serve a todos.

Para ajudar a cuidar das águas primeiro faço a minha parte como cidadão, dando bons exemplos. Para ser mais atuante ingressei no Subcomitê Rio Bicudo, atuando nos projetos de revitalização e de mobilização social da população local. Com ações concretas temos mostrado que revitalizar é possível e temos alcançado bons resultados.

Teca: Desde quando é parte da sua vida o cuidado com as águas? Conta um pouco dessa história.

Leandro: Tive um bom exemplo dentro de casa que foi o meu pai que me ensinou muito sobre a importância da água em nossas vidas. Uma pessoa de muita consciência que nunca poluiu e nem degradou o meio ambiente. Ele buscava águas nas costas para as necessidades da casa. Mesmo tendo água no meu território o acesso muitas vezes é difícil. Assim, o cuidado com as águas é parte da minha vida desde sempre!

Teca: Como é esse lugar onde você cuida das águas? O que é especial nele e o que mais o ameaça?

Leandro: O Bicudo é especial para mim! Faz parte da minha história de vida! Ele nasce em Morro da Garça e sua foz fica no município vizinho, Corinto. Atualmente o que mais o ameaça é a pressão do homem que começou a degradá-lo e o alto número de outorgas. A região foi descaracterizada, não só pela economia. Agora muitas vezes o rio fica “cortado” nos períodos mais críticos de seca. Então, o que nos restou, foi correr atrás dos prejuízos e buscar a revitalização ambiental.

Teca: Se você encontrasse uma varinha mágica e pudesse realizar três desejos para o seu lugar e suas águas, quais seriam eles?

Leandro: Meu primeiro desejo seria que as pessoas voltassem a ter a consciência e parassem de degradar o meio ambiente e os cursos d’água. O segundo seria que as empresas tivessem uma visão mais sustentável e mudassem de atitude. E o terceiro seria que os órgãos públicos realmente cumprissem o papel de cuidar do bem comum, a água, com uma gestão mais eficiente!

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Moderação: Luiza Baggio
*Fotos: Michelle Parron, Ohana Padilha e Robson Oliveira