Cobrança pelo Uso da Água: a relação com os demais instrumentos de gestão

14/01/2025 - 11:15

A Cobrança pelo uso da água assegura que a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) seja implementada. Ela é a base para tudo o que a PNRH prevê seja realizável. E os maiores beneficiários são os usuários dos recursos hídricos, uma vez que os valores pagos retornam em projetos nas mais diferentes frentes. Entenda como a Cobrança sustenta os demais instrumentos da gestão das águas.


A água não é um recurso infinito. Por essa razão, para que a gestão dos recursos hídricos seja efetiva, estipula-se um valor para seu uso. É a isso que chamamos a Cobrança pelo uso da água. Com o objetivo de garantir que a água seja usada racionalmente e que as futuras gerações possam gozar da disponibilidade de água, a PNRH, instituída em 1997, definiu cinco instrumentos para a gestão dos recursos hídricos do Brasil. Dentre eles, é a Cobrança pelo uso da água que garante recursos financeiros para que os demais instrumentos sejam, na prática, implementados.

Além da Cobrança, são instrumentos da PNRH os Planos Diretores de Recursos Hídricos (PDRHs), o Enquadramento dos corpos de água, a Outorga dos direitos de uso de recursos hídricos e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos. Entre eles, a Outorga garante os recursos que, através da Cobrança pelo uso da água, serão utilizados para possibilitar que os demais instrumentos sejam efetivos. Para André Horta, gerente de gestão estratégica da Agência Peixe Vivo, “a Cobrança pelo uso dos recursos hídricos é um instrumento fundamental de gestão previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos, cujo objetivo principal é incentivar o uso racional e sustentável da água, além de financiar a gestão das bacias hidrográficas. O valor pago pelos usuários é destinado a assegurar a preservação e melhoria da qualidade e quantidade da água nos corpos hídricos”.

A Agência Peixe Vivo, associação civil, pessoa jurídica de direito privado, criada em 2006 para exercer as funções de Agência de Bacia para o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, administra os recursos provenientes da Cobrança pelo uso da água obtida através das outorgas significantes concedidas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). Esses recursos, segundo André, “são repassados às Agências de Bacias Hidrográficas, que, como a Agência Peixe Vivo, contratam estudos, obras e projetos que visam implementar os Planos de Recursos Hídricos estabelecidos pelos Comitês de Bacias Hidrográficas. Esses Comitês, formados por representantes da sociedade civil, usuários de água e governos, são os responsáveis por deliberar as prioridades de investimento, garantindo que as necessidades locais sejam atendidas de forma democrática”.

No entanto, a Cobrança não é o único instrumento. Veja como ela se relaciona com os demais instrumentos da PNRH:

Plano Diretor de Recursos Hídricos

“Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos”. Assim define a Lei nº 9433/97, que instituiu o PNRH. Os planos diretores definem, entre outras coisas, o diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos, o balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais, as metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis e as medidas a serem tomadas para o atendimento das metas previstas. Isso significa que o PDRH é a bússola para onde os Comitês e demais entidades de direito público e privado irão apontar.

Para Rodrigo Lemos, professor assistente do departamento de geografia e planejamento ambiental da Universidade Estadual Paulista (Unesp), “o Plano é o principal instrumento de planejamento para a organização e a estruturação de um caminho para a gestão dos recursos hídricos. Dentro de um recorte de bacia hidrográfica, o plano tem a finalidade de estabelecer diretrizes, metas, ações prioritárias que devem orientar a gestão”, comenta.

Nesse sentido, o PDRH da Bacia do Rio das Velhas de 2004 também garantiu a implementação da Cobrança pelo uso da água, que começou efetivamente em 2011. Atualizado em 2015, o mesmo PDRH avançou: definiu como meta “nadar e pescar no trecho metropolitano do Rio das Velhas, que permanece como o epicentro da degradação”. Ainda que essa meta não tenha sido alcançada, sua perseguição levou a avanços para a qualidade da água na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), como é o caso da construção e inauguração das Estações de Tratamento de Esgotos dos Ribeirões Arrudas e Onça. Em poucos anos, a capital mineira passou de cerca de 10% de esgotos tratados para algo entre 60 e 70%.

Ousada, a meta pode produzir frutos duradouros: uma vez que o tratamento da água se dê de forma satisfatória na RMBH, que está na porção alta do Rio das Velhas, os efeitos serão sentidos a jusante, como destacou Marcus Vinícius Polignano, ex-presidente do CBH Rio das Velhas, no prefácio do PDRH: “os peixes voltaram a habitar a região do Médio e Alto Rio das Velhas”.

Enquadramento dos Corpos Hídricos

O Enquadramento dos corpos d’água em classes é por excelência uma ferramenta de planejamento, uma vez que estabelece os padrões ambientais que se deseja para cada curso d’água. Em 2023, numa parceria com o CBH do Rio São Francisco (CBHSF), do qual o Velhas é afluente, o Comitê iniciou a revisão do Enquadramento. Em ampla discussão democrática, o processo ainda continua, e conta com as vozes de toda a sociedade, como é de praxe na constituição dos CBHs.

O Enquadramento é essencial para a proteção dos recursos hídricos e para o desenvolvimento sustentável. Ao estabelecer metas de qualidade da água, essa ferramenta orienta as ações de controle da poluição e de recuperação de áreas degradadas e aponta para que rio queremos. Além disso, o Enquadramento contribui para a promoção de um uso mais racional da água, garantindo a sua disponibilidade para as presentes e futuras gerações – assim como a Cobrança.

Segundo Rodrigo Lemos, o Enquadramento dos corpos hídricos também pode influenciar no valor da Cobrança. “O Enquadramento pode apresentar características específicas que podem orientar, por exemplo, a Cobrança de acordo com o lançamento, áreas prioritárias etc.”


Integração entre os instrumentos de gestão é fundamental para a melhoria da quantidade e da qualidade das águas na bacia


Sistema de Informações

O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos (SIRH) é um conjunto de ferramentas que disponibiliza informações sobre a quantidade e a qualidade da água em um determinado território. Essa plataforma é fundamental para a gestão eficiente dos recursos hídricos, permitindo que a sociedade em geral tenha acesso a dados atualizados e confiáveis sobre a situação dos corpos d’água – abrindo caminho, assim, para uma gestão mais efetiva dos recursos hídricos.

Para que a Cobrança seja justa, é fundamental que se tenha um sistema de informações completo e atualizado, capaz de fornecer dados precisos sobre o consumo de água por diferentes usuários e setores. Rodrigo Lemos, porém, acredita que esse ainda é um desafio a ser vencido. “Na dimensão da Cobrança, a base de dados de outorga é uma base consolidada, e o SIRH tem de conseguir referenciar essas bases. Agora, o sistema de informação, na minha opinião, tem de ir além de apenas apresentar uma dimensão de cadastro, ele tem de instrumentalizar, a partir daquela base de cadastro, informações que são qualificadas organizadas e que dialogam com os planejamentos, os instrumentos e as ações que foram propostos no PDRH. Sistema de informações é mais do que apenas disponibilizar informação, ele tem de ser um instrumento essencial para o planejamento de recursos hídricos”.

Para a bacia do Rio das Velhas o Comitê desenvolveu, em 2018, o Sistema SIGA Rio das Velhas, software digital que permite a gestão do conhecimento produzido e o acesso de forma abrangente e colaborativa ao conjunto de informações a respeito da bacia.

Outorga

Esse é um instrumento diretamente relacionado à Cobrança. A Outorga de direito de uso de recursos hídricos nada mais é que uma autorização fornecida pelo Órgão Gestor das águas – em Minas Gerais, o IGAM – para captar água diretamente de um curso d’água ou de poços subterrâneos – ou mesmo fazer lançamento de efluentes. Aqueles que recebem essa autorização são os usuários.

Dentre os que usam a água, há aqueles cujo volume captado é considerado tão pequeno que não gera grandes impactos na disponibilidade hídrica – são os chamados “usos insignificantes”. Em outros casos, como a irrigação de grandes áreas destinadas à agricultura, ou atividades como a minerária ou a hidrelétrica, o volume de água necessário é tão grande que pode até mesmo secar mananciais caso não seja usado racionalmente. Para isso, o volume outorgado pelo IGAM é acompanhado pela Cobrança pelo uso da água. Tendo em vista o impacto causado pela atividade em questão, a Cobrança procura induzir os usuários ao uso racional do recurso hídrico, ao mesmo tempo que permite que os recursos financeiros recolhidos possam ser usados em ações que garantam a disponibilidade da água em quantidade e qualidade para todos, incluindo os usuários.


A outorga visa garantir o direito de uso da água


“Esse instrumento é essencial e dialoga diretamente com a lógica da Cobrança, porque a Outorga é a base de dados que fundamenta a Cobrança pelo uso de recursos hídricos”, explica Rodrigo. Isso significa que a Cobrança é feita de acordo com o uso que cada usuário faz da água – ou seja, de cada outorga concedida pelo IGAM. Os recursos arrecadados pela Cobrança sobre as outorgas é transferido integralmente para o CBH Rio das Velhas e gerido pela Agência Peixe Vivo. “Na prática, o pagamento feito pelos usuários retorna para eles na forma de investimentos em projetos que promovem a recuperação de mananciais, o controle da poluição, a ampliação da segurança hídrica e a garantia dos usos múltiplos da água, que beneficiam tanto o desenvolvimento econômico quanto o bem-estar social”, conclui André. E é a integração entre todos esses instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos que garante uma gestão coletiva, democrática e descentralizada das águas da Bacia do Rio das Velhas.


Quer saber mais sobre a relação entre a Cobrança e os demais instrumentos? Ouça o podcast com Rodrigo Lemos:


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Bianca Aun; Fernando Piancastelli