A volta do período chuvoso desfia, todo ano, um rosário de penas que recaem sobre populações inteiras. É a crônica do sofrimento anunciado. Ocupação de áreas de várzea, impermeabilização do solo, incapacidade de lidar com os rios e fenômenos naturais, falta de políticas públicas que enfim tragam segurança às vítimas de sempre e de Planos Diretores que saiam do papel, são muitos os calvários agora agravados pelas mudanças climáticas e seus eventos extremos.
Um dia após o início oficial do verão, na manhã desta quinta-feira (22), o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) já emitia alerta diante da possibilidade de chuvas de até 100 mm por dia e ventos de 60 a 100 km/h, com risco de corte de energia elétrica, queda de árvores, alagamentos e descargas elétricas.
Segundo a Defesa Civil estadual, até essa data eram 101 cidades mineiras a decretar situação de emergência, com oito mortes, 1.312 pessoas desabrigadas e 4.843 desalojadas.
Em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), o rio do mesmo nome, que corta o município, transbordou no início da manhã da quarta-feira (21). Casas e comércios foram invadidos pela água, com queda de taludes e árvores e ruas inundadas. Na semana anterior, a chuva já tinha alagado ruas e avenidas de Sabará e invadido o Abrigo Irmã Tereza De Jesus. “A minha madrugada foi horrível, fiquei a noite inteirinha acordada tomando conta do rio pra ele não transbordar”, contou a moradora Noemi Benfica à Rádio Itatiaia.
A Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) / Serviço Geológico do Brasil apontou que o Rio das Velhas, na altura de Santo Hipólito, atingira a cota de medição 6,71 metros também no dia 21. O alerta começa com 6,4 metros. Com mais um metro, a situação passa a ser de inundação. Em Santa Luzia, desde a noite de terça-feira (20) o nível do Rio das Velhas ultrapassava cinco metros.
Oito famílias ribeirinhas foram removidas de suas casas em Presidente Juscelino, às margens do Rio Paraúna, importante afluente do Velhas, após o nível da água dobrar em apenas um dia, de dois para quatro metros. O prefeito da cidade, Ricardo Machado, constatou: “O Rio Paraúna já se encontra fora do leito”.
Lições recentes
As agruras recentes e intensas de janeiro passado, há menos de um ano, com 400 cidades em situação de emergência, 8 mil desabrigados e 57 mil desalojados, serviram pouco para ensinar regras básicas de convivência com a natureza.
Entre os dias 7 e 10 daquele mês, Itabirito, Rio Acima, Raposos, Nova Lima, Sabará, Santa Luzia, Santo Hipólito e Jequitibá, só para citar algumas das mais atingidas, tiveram grandes porções de seus territórios submersos. Em vários, os passivos persistem, como em Itabirito, onde “os prejuízos, só do SAAE, incluem sistemas de esgotamento avariados, parte da rede de interceptação rompida, danos em elevatórias e vários sistemas de drenagem obstruídos pelo enorme volume de lama”, declarava então Heloisa França, do SAAE local e conselheira do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas).
No olho do furacão do início de 2022, o secretário do Comitê, Marcus Vinícius Polignano, dava a receita: “O que foi acontecendo no processo de urbanização sem controle é que as planícies de inundação foram sendo ocupadas, as casas estão literalmente dentro da mancha de inundação. É uma briga que sempre vamos perder, não dá para revogar as forças da natureza.”
À época, o CBH Rio das Velhas resolveu financiar, com recursos próprios, estudo para mapear as manchas de inundação nos municípios da bacia, cujas conclusões serão encaminhadas ao poder público para subsidiar a formulação de políticas urbanas e habitacionais. O estudo foi contratado à empresa Topocart em 18 de novembro e tem previsão de entrega da base cartográfica para maio de 2023.
O assunto das chuvas, das medidas de autoproteção e proteção comunitária e do papel das defesas civis municipais também foi pauta do podcast Momento Rio das Velhas, que teve como convidadas Poliana Valgas, presidenta do CBH e Secretária de Meio Ambiente e Saneamento de Jequitibá, e Lorena Borges, coordenadora de Defesa Civil do Município de Santa Luzia.
Raposos foi um dos municípios que sofreram com as intensas chuvas, em janeiro de 2022
Mineração
Outra forte preocupação que acompanha a temporada das cheias está relacionada às barragens da mineração que se multiplicam na bacia do Rio das Velhas, uma delas – Forquilha III, de propriedade a Vale, em Ouro Preto, no limite com Itabirito – em nível 3 de emergência, quando o rompimento é iminente ou está em curso.
Na semana passada, em 14 de dezembro, a mineradora encaminhou notificação de intervenção emergencial em recursos hídricos para o CBH Rio das Velhas, dando ciência de ações na área da Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ), no Ribeirão Mata Porcos, na sub-bacia do Rio Itabirito.
A ECJ foi construída para proteger as comunidades situadas a jusante das barragens Forquilhas I, II, III e Grupo e tem a função de reter os rejeitos em um cenário hipotético de ruptura simultânea.
A Vale informou que a intervenção inclui remodelar canal de drenagem de um curso de águas afluente do Mata Porcos com o objetivo de controlar as alterações de cheias e o acúmulo das águas nas proximidades do muro de contenção.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: Marcos Neves; Robson Oliveira