Alberto Simon, diretor técnico da AGB Peixe Vivo, fala da importância da atualização do documento que direcionará as ações do Comitê nos próximos anos.
Texto: Natália Fernandes Nogueira Lara
Alberto Simon possui graduação em Engenharia Civil (1977), mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos (2000) e doutorado em Saneamento Meio Ambiente e Recursos Hídricos (2007), todos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é diretor técnico da Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas Peixe Vivo e professor colaborador da UFMG. Tem experiência na área de Engenharia Sanitária, com ênfase em Planejamento Integrado dos Recursos Hídricos, atuando principalmente nos seguintes temas: gestão, outorga de direito de uso e cobrança pelo uso de recursos hídricos.
Alberto Simon, diretor técnico da AGB Peixe Vivo.
1) Qual a importância do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (PDRH) do CBH Rio das Velhas para a gestão das águas?
Primeiro é preciso explicar o que é o Plano. O PDRH do Rio das Velhas é um instrumento de planejamento, previsto na Lei de Recursos Hídricos. Toda bacia hidrográfica, de acordo com a lei, precisa ter um documento norteador de suas ações, que é o Plano da Bacia.
Esse plano contém uma parte inicial de diagnóstico, disponibilidade de água, o que há de água superficial e subterrânea, quais são as demandas, quem são os principais usuários. Em seguida, é feito um balanço hídrico entre o que há disponível e o que é necessário. Com isso estudado ao longo da bacia, no rio principal e seus afluentes, é possível identificar se existe algum problema de conflito pelo uso da água. Pode ser que em determinada região a demanda seja maior que a oferta, devido ao crescimento da população, as atividades industriais, entre outros. O diagnóstico compreende também um conhecimento maior da bacia, quem são os habitantes, quais as atividades econômicas principais, cultivos, características de clima, solo, vegetação, áreas desmatadas ou preservadas. Essa é a primeira etapa do Plano.
Na segunda fase, faz-se um prognóstico visando curto, médio e longo prazo. São considerados aspectos tanto de qualidade quanto de quantidade de água. Por exemplo, em regiões em que há conflito, a situação pode se agravar se não for adotada nenhuma medida.
Assim, na terceira fase é identificado o que pode ser feito, o chamado plano de ação, com as metas e determinação de quais medidas dependem do Comitê quais dependem de outras entidades que compõem o sistema de recursos hídricos.
É importante dizer que o Plano é da Bacia do Rio das Velhas, não só do Comitê, apesar de ter sido realizado com recurso da cobrança pelo uso da água, financiado pelo CBH Rio das Velhas. A novidade deste Plano atual é a divisão que foi feita em sub-bacias, as chamadas Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs).
Atualização do Plano diretor durou 30 meses e contou com diversas etapas. Crédito – CBH Rio das Velhas – TantoExpresso – Michelle Parron
2) Quais os impactos do Plano para a Bacia do Rio das Velhas?
A expectativa de algumas pessoas é a que o Plano trouxesse a solução para todos os problemas. Por exemplo, nesta situação de escassez hídrica, quais seriam as medidas? Recuperar vegetação? Construir reservatórios? O Plano não afirma diretamente qual medida deve ser adotada. Mas, ele fornece meios através do diagnóstico, para a sequência de uma parte executiva. Ele não dá soluções imediatas, mas aponta caminhos.
3) Nesse momento de crise hídrica, podemos dizer que o Plano pode ajudar na reversão do quadro?
A crise hídrica é um tema também abordado no Plano, cuja causa não é apenas a falta de chuva, nem de gestão ou de vegetação. É tudo isso associado ao consumo excessivo da água. Isso nos remete a uma reflexão da necessidade de redução do consumo. Não é possível produzir mais água do que a que existe no ciclo hidrológico. Além disso, a população está aumentando, junto com ela a necessidade de uma maior produção de alimentos. Então, a partir do Plano, é possível pensar em medidas como a reutilização e uso racional da água, redução de perdas, novas tecnologias que demandem menos água, despoluição e não poluição dos rios. O Plano não mostra ações para tudo isso, mas aponta que são esses assuntos os quais precisamos discutir e evoluir.
4) Você acompanhou todo o processo de atualização do Plano, na sua avaliação o resultado atende às expectativas do Comitê e da AGB Peixe Vivo?
Sim. Do nosso ponto de vista, que é técnico, atende sim. Trata-se de um Plano muito bem feito, amplamente discutido, elaborado durante 30 meses, com acompanhamento do órgão gestor (IGAM), dos usuários, sociedade civil, além de um grupo técnico específico. E todas as contribuições foram inseridas no Plano. Assim, do ponto de vista técnico, ele foi bem construído.
Eventualmente, não atende a todas as expectativas, por exemplo, de pessoas que gostariam de ter soluções imediatas.
5) O cenário desenhado e as expectativas apresentadas pela população, nas consultas públicas, por exemplo, já eram imaginados/previstos?
O público traz para discussão problemas os quais já conhecemos, apesar de conhecermos pouco sobre a Bacia. Por exemplo, nós temos um sistema de outorga que autoriza o uso da água, mas nós sabemos que existe o uso não autorizado, seja clandestino ou por meio de intervenções. Nas reuniões, as pessoas apontaram regiões onde o consumo é superior, onde existe uma maior retirada e solicitaram mais fiscalização das águas. Também precisamos aprofundar nosso conhecimento sobre as águas subterrâneas, ou mesmo sobre as consequências da mudança de clima nas vazões rios. São coisas que observaremos daqui pra frente. E é importante dizer que o Plano pode ser revisto de tempos em tempos, a cada dois ou três anos, de acordo com a necessidade.
6) Quais foram as maiores dificuldades encontradas durante o processo de atualização?
Não vi dificuldades. O processo é esse mesmo, de discussão. Na própria legislação de recursos hídricos e no Termo de Referência do contrato de licitação, foi especificado o que se queria estudar, quais respostas eram buscadas, e fomos caminhando nesse sentido. O Plano foi dividido em produtos com entregas parciais e alguns precisaram ser revisados, por ocasião de novos comentários, não entendimentos ou equívocos. E tudo isso foi considerado. Trata-se de um processo dinâmico e participativo, com o objetivo de aproximar ao máximo da realidade da bacia.
Um ponto negativo, se é que podemos chamar assim, é que as pessoas não leram o Plano. De modo geral, tanto técnicos ou não, discutiram na base de sua própria experiência, dos seus sentimentos, sendo que os produtos estavam disponíveis para leitura. Ainda assim, eu considero uma evolução em comparação a outros comitês de bacia. O CBH Rio das Velhas é um dos mais informados, mais politizados. Então, a construção de forma geral, acabou sendo muito positiva.
7) A atualização do Plano foi aprovada em Plenária. O que é necessário agora para que ele seja aplicado?
Ele foi aprovado e todo mundo precisa ler, pelo menos o Resumo Executivo, disponível na internet, em cd e algumas versões impressas. O documento será útil tanto para nortear as ações do Comitê, quanto para o órgão gestor dos recursos hídricos, na concessão das outorgas. O Plano também é importante para a contratação do reenquadramento dos corpos d’água em um sistema de informação, por exemplo. Ele também aponta as prioridades para recuperação de áreas degradas e proteção de áreas suscetíveis à erosão.
O Plano por si só, não é um projeto executivo, sua execução cabe a todos os interessados na Bacia do Rio das Velhas.
Aprovação do Plano Diretor em Plenária. Crédito: CBH Rio das Velhas – TantoExpresso – Michelle Parron
8) A atualização do Plano foi financiada pelo recurso de cobrança pelo uso da água. Podemos dizer que o CBH Rio das Velhas é pioneiro nesta aplicação?
Sim. Nós tínhamos um orçamento inicial da ordem de R$ 3,7 milhões, se não me engano. O Plano foi da ordem de R$ 3,3 milhões. Pode parecer grande, mas se você avaliar que são 30 meses, dezenas de reuniões e entrevistas em cada uma das 23 UTEs, um extenso trabalho de pesquisa, trata-se de um preço alto, mas coerente com o produto que se tem.
E realmente é uma grande novidade, o Comitê do Rio das Velhas é um dos pioneiros, sendo Minas Gerais, o primeiro estado a ter seu Plano de Recursos Hídricos inteiramente financiado com o dinheiro da cobrança pelo uso da água, arrecadado na Bacia do Rio das Velhas. Essa é uma boa aplicação do dinheiro da cobrança, que tem que ser revertida em ações e investimentos na Bacia.
9) Considerações finais.
Recomendo que todos leiam pelo menos o Resumo Executivo. Além disso, existe um caderno para cada UTE nos quais são identificadas as prioridades e o programas que poderão ser desenvolvidos. Não é uma obrigação, mas a ação ou projeto desenvolvido que esteja alinhado com o Plano gera melhoria na qualidade da água, resultando no bem estar das pessoas e do meio ambiente em geral.
A meta principal continua sendo a revitalização da Bacia. Crédito: Acervo CBH Rio das Velhas – TantoExpresso.