Revista Velhas nº 16: História e Luta

19/01/2023 - 16:05

Com uma história que remonta há mais de 12 mil anos, a UTE Ribeirão da Mata guarda rica biodiversidade e população que não cansa de lutar por melhorias ambientais


Um ribeirão que nasce limpo, recebe águas de outros cursos d´água, corre em área de Mata Atlântica, Cerrado e campos limpos. Une dez municípios em uma mesma bacia populosa que abriga vestígios arqueológicos e paleontológicos. Com uma rica biodiversidade, a complexidade da Unidade Territorial Estratégica (UTE) Ribeirão da Mata é enorme. O ribeirão se encontra assoreado e, em muitas regiões, em acelerado processo de degradação, pois recebe em seus caminhos esgoto, resíduos industriais e sofre intenso desmatamento. No entanto, uma de suas maiores ´riquezas´ é a população engajada que há anos luta pelo seu território.

Nascendo no município de Matozinhos, no Pico da Roseira, com 1.011 metros de altitude, o Ribeirão da Mata percorre ainda outros seis municípios, na seguinte ordem: Capim Branco, volta a Matozinhos, Pedro Leopoldo, Confins, São José da Lapa, Vespasiano e, por fim, Santa Luzia – onde deságua na margem esquerda do Rio das Velhas. Além desses, a bacia abrange também Esmeraldas, Lagoa Santa e Ribeirão das Neves. Dos 10 municípios pertencentes à bacia do Ribeirão da Mata, cinco também fazem parte da UTE Carste.

Estrada de ferro, construída no final do século XIX ao lado do Ribeirão da Mata, contribuiu para o desenvolvimento da região.

Ao contrário de outras regiões mineiras, que nasceram e cresceram sob os auspícios do ciclo do Ouro, na UTE Ribeirão da Mata a economia se desenvolveu em torno das fazendas que abasteciam áreas mineradoras do centro do estado. Em 1895, é inaugurada no município de Pedro Leopoldo a Estação Ferroviária da Central do Brasil, denominada Dr. Pedro Leopoldo. A estrada de ferro, construída ao lado do Ribeirão da Mata, contribuiu para o desenvolvimento da região, favorecendo a comunicação do arraial com outras localidades, facilitando o transporte de matéria-prima, do produto industrializado e da produção agrícola.

Nessa mesma época, o município de Pedro Leopoldo encontrou a vocação econômica que o acompanharia por boa parte do século seguinte com a instalação da Fábrica de Tecidos Cachoeira Grande. A indústria foi local de trabalho do espiritualista Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier, que é natural de Pedro Leopoldo. O município também abriga a Casa de Chico Xavier, um referencial para quem deseja conhecer melhor a vida deste mineiro. Residência de Chico entre 1948 e 1959, a edificação foi reformada para abrigar o centro de referência à vida e obra do espiritualista em sua cidade natal. Embora remodelada visando melhorias estruturais, as principais características da casa foram mantidas.

Natural de Pedro Leopoldo, Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, foi um dos mais importantes expoentes do Espiritismo.

 

Riquezas que devem ser preservadas

A bacia do Ribeirão da Mata está localizada no encontro de duas formações rochosas: o gnaisse, composto por diversos minerais, e o calcário, rocha formada por sedimentos. O calcário contribui para que peças como ossos e dentes fossem preservados e fez da região um importante reduto arqueológico e paleontológico. “A região tem história e, cientificamente, um valor incalculável e desconhecido para muito mineiros. Trata-se do lugar onde foram encontrados os primeiros fósseis humanos e pré-históricos do continente americano”, afirma José Procópio de Castro, morador da bacia e membro do CBH Rio das Velhas e Subcomitês Ribeirão da Mata e Carste.

Riqueza histórica e paleontológica da região atraiu o naturalista dinamarquês Peter Lund. Formação cáustica da região proporcionou a formação de grutas, abrigo do homem primitivo milhares de anos atrás.

A formação cáustica da região proporcionou a formação de grutas, que em muito contribuíram para que o homem primitivo ali se instalasse em busca de proteção e abrigo. Provas dessa ocupação estão nos sítios arqueológicos: fósseis humanos, restos de cerâmicas, instrumentos em bom estado de conservação, pinturas rupestres, entre outros. Foram essas provas que conquistaram o naturalista dinamarquês Peter Lund, que se instalou na região, por volta de 1835, para estudar a pré-história. “Quase dois séculos após os estudos realizados por Lund, e posteriormente por diversas universidades e comissões internacionais, ainda existe muito a ser pesquisado e revelado”, destaca Procópio.

Preservar essas e outras riquezas é o objetivo de áreas de preservação permanente como o Parque Estadual do Sumidouro, que tem parte de seus 2.004 hectares localizados na UTE Ribeirão da Mata, situado nos municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, na divisa com a UTE Carste. Atualmente, o parque está inserido no programa turístico Rota das Grutas Peter Lund.

Vocação industrial, com várias mineradoras de calcário e indústrias cimenteiras, decorre das características geológicas da UTE Ribeirão da Mata.

A UTE Ribeirão da Mata possui ainda diversos remanescentes florestais que devem ser preservados para oferecer uma melhora na qualidade de vida para as pessoas, animais e vegetação, por meio da formação de corredores ecológicos. É o caso do Monumento Natural Estadual Lapa Vermelha, situado no divisor de águas entre o Ribeirão da Mata e o Carste, em Pedro Leopoldo, ao lado da cidade de Confins, do Parque Estadual Serra do Sobrado, localizado nos municípios de São José da Lapa e Pedro Leopoldo, bem ao lado da calha do Ribeirão da Mata, do Refúgio de Vida Silvestre Estadual Serra das Aroeiras, situado próximo ao parque entre o Ribeirão Areias e o Ribeirão das Neves, e a Área de Proteção Ambiental Municipal (APAM) Cachoeira da Lajinha.

A fim de contribuir para a conservação da biodiversidade local, o CBH Rio das Velhas concluiu em 2022 um estudo que promoveu o mapeamento dos corredores ecológicos no Sistema de Áreas Protegidas (SAP) Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), no âmbito das UTEs Ribeirão da Mata e Carste.

A integrante do Subcomitê Ribeirão da Mata, Conceição Lima, esclarece que o mapeamento dos corredores ecológicos é um sonho antigo. “Ao contratar esse estudo, o Comitê fornece importante instrumento técnico para os gestores públicos promoverem a futura implementação dessas áreas, corroborando com a implementação da chamada Trama Verde-Azul no que tange à conexão de espaços no contexto metropolitano, com foco na valorização da diversidade e contribuição para a melhoria da qualidade ambiental da região. É um sonho antigo que deve ser aliado à mobilização social para ter sucesso na região”, afirma.

Os corredores ecológicos são áreas que unem remanescentes florestais ou unidades de conservação fragmentadas devido à ação do homem, permitindo que organismos possam deslocar-se entre elas, aumentando o fluxo gênico entre as populações. São de grande importância, pois reduzem ou previnem a fragmentação florestal, permitem a recolonização de áreas, contribuindo assim para a conservação da biodiversidade.

Foz do Ribeirão da Mata, no encontro com o Rio das Velhas, no município de Santa Luzia.

 

Ocupação desordenada e poluição

Os municípios da bacia do Ribeirão da Mata registraram acentuada expansão demográfica a partir da década de 1970. Pela sua própria localização geográfica no entorno da capital mineira, a bacia sofre, há muitos anos, as consequências do uso e ocupação equivocados do solo. Não houve na região um correto planejamento da expansão urbana e do ordenamento das atividades rurais.

Na bacia há a presença de atividades agrícolas, mineradoras, industriais, extrativistas e a urbanização, tudo o que vêm causando problemas ambientais, como a erosão do solo. O despejo de esgoto doméstico e efluentes industriais é outro problema grave. O Ribeirão da Mata é considerado, atualmente, como o terceiro maior poluidor do Rio das Velhas, atrás apenas dos Ribeirões Onça e Arrudas, localizados na RMBH.

Rodrigo Hott Pimenta, educador ambiental da prefeitura de Ribeirão das Neves e membro do CBH Rio das Velhas e Subcomitê Ribeirão da Mata, esclarece que a região sofre com falhas de cobertura do sistema de tratamento de esgoto. “O que temos visto é que a bacia tem sofrido com a instalação de grandes empreendimentos imobiliários, mineração e a falta de investimentos em saneamento básico. O resultado de tudo isso é um rio com volume de água diminuído, assoreado e poluído. A região precisa de mais investimentos com o saneamento básico”, afirma ele, destacando que, ainda assim, acredita ser possível despoluir o ribeirão e colaborar para que o Rio das Velhas tenha uma água de melhor qualidade.

Mesmo degradada, região é grande produtora de hortaliças. Em destaque, plantações em Ribeirão das Neves, em região próxima às nascentes do Ribeirão da Mata. Rodrigo Hott Pimenta, representante da prefeitura de Ribeirão das Neves, lista os grandes empreendimentos imobiliários, a mineração e a ausência de saneamento como principais problemas da região.

 

População engajada

Os problemas da bacia do Ribeirão da Mata são antigos e as buscas por soluções também. Em 2006, foi criado o Subcomitê Ribeirão da Mata, um dos primeiros no âmbito do CBH Rio das Velhas. “São anos de luta pelo nosso território. Os desafios são enormes, mas não perdemos a esperança. Desde a criação do Subcomitê temos atuado de forma ativa, buscando as melhores soluções para a preservação e revitalização do nosso território, em busca de melhorias para o meio ambiente”, destacou a coordenadora do Subcomitê Ribeirão da Mata, Germânia Florência Pereira Gonçalves.

Uma das lutas da população foi pela revitalização da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo. Por mais de nove anos o projeto não saiu do papel. A bióloga e presidente da Associação Movimento Lagoa Viva, Marcia Lopes, explica que a revitalização começou a colher frutos em 2021. “Por meio de uma articulação multissetorial entre a ONG, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o CBH Rio das Velhas (Subcomitês Ribeirão da Mata e Carste), o MPF, o ICMBio, a Copasa e o Instituto Guaicuy, o projeto saiu do papel”, disse a presidente da ONG. As instituições envolvidas realizaram um diagnóstico dos problemas e potenciais da lagoa, que indicou programas e projetos de revitalização que permitirão a recuperação e a inserção da comunidade em seu uso.

APA Municipal Cachoeira da Lajinha, em Ribeirão das Neves

A Lagoa de Santo Antônio está inserida na UTE Carste e o esgoto interceptado nela terá como destino a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Pedro Leopoldo, localizada na bacia do Ribeirão da Mata. Ela sofre com a proliferação de espécies vegetais venenosas, lixo e ocupação irregular da área, o que acaba prejudicando o ambiente e, consequentemente, quem mora e frequenta a região.

Outra conquista do Subcomitê Ribeirão da Mata foi a elaboração do Plano de Manejo de duas importantes Unidades de Conservação (UC): a Área de Preservação Ambiental Municipal (APAM) Cachoeira da Lajinha e do Parque Estadual Serra do Sobrado. O plano de manejo visa conciliar a preservação da fauna, flora e mananciais de águas, considerando suas vocações econômicas, cujo planejamento é necessário para assegurar a proteção e o desenvolvimento de forma equilibrada.

A APAM Cachoeira da Lajinha é uma unidade de conservação, de 386 hectares e que possui espécies em extinção, se encontra ameaçada pela intenção do governo de Minas Gerais em construir um Rodoanel que atravessaria o território. O Plano de Manejo da APAM Cachoeira da Lajinha foi finalizado em março de 2022. Já o Plano de Manejo da Serra do Sobrado está previsto para ser finalizado ainda em 2022. O Parque fica localizado na divisa dos municípios de Pedro Leopoldo e São José da Lapa e integra o Sistema de Áreas Protegidas do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (SAP Vetor Norte).

Antiga demanda da comunidade, revitalização da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo, começa a colher frutos. Subcomitê Ribeirão da Mata presente! Da esquerda para a direita: Rogério Tavares, mobilizador social local; Marcia Lopes e Conceição Lima, do Movimento Lagoa Viva; e Germânia Gonçalves, coordenadora-geral da entidade.

 


Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto:Luiza Baggio