Produtores rurais semeiam os conceitos de sustentabilidade e toda a sociedade colhe os benefícios
A produção agropecuária é cheia de riscos. Uma propriedade rural é uma fábrica a céu aberto, portanto, sujeita aos humores do clima, como a seca, e do desequilíbrio da natureza, como ataque de pragas e doenças nas plantações. Mais recentemente, em razão da crise climática e ambiental, muitos segmentos já sentem também as pressões comerciais pela preservação do meio ambiente.
A fim de estimular a produção sustentável, a preservação do território e o reconhecimento do produtor rural pelos bens ecossistêmicos prestados à sociedade, o CBH Rio das Velhas fomentou, no município de Itabirito, o primeiro Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) de toda a bacia.
O instrumento tem remunerado proprietários rurais da microbacia do Ribeirão Carioca pela proteção, restauração de ecossistemas naturais e conservação do solo em áreas estratégicas para produção de água. Eles são considerados “produtores de água”.
O pecuarista Ailton Faria é um deles. Ele compreendeu a necessidade de recuperação e preservação das três nascentes em sua propriedade e aderiu ao Programa. Os três olhos d’água foram cercados e protegidos, e cerca de 1,7 mil mudas de espécies nativas foram plantadas para reforçar o trabalho de restauração. Além de ver todos esses benefícios em sua propriedade, ele ainda recebe R$ 240 por hectare/ano pelos serviços ambientais que presta.
30% da propriedade do pecuarista Ailton Faria, hoje, é preservada. “Eu não perdi área, eu vou ganhar mais ainda no futuro pelo fato de não secar as nascentes”, garante. Ao todo, dez proprietários rurais da microbacia do Ribeirão Carioca, em Itabirito, tiveram melhorias ambientais em suas terras e ainda estão sendo remunerados por isso.
O sítio em Itabirito tem 65 hectares e a área preservada ocupa 20 hectares, cerca de 30% da propriedade – mas isso não é preocupação para Ailton. “Eu não perdi área, eu vou ganhar mais ainda no futuro pelo fato de não secar as nascentes.”
A preocupação do Ailton é com a falta de informação. “Eu e outros produtores rurais temos a preocupação com a conscientização que o povo tem que ter, principalmente os sitiantes, os donos de fazendas, de preservar as nascentes e contribuir fazendo a nossa parte. Esse trabalho que vem sendo feito pelas organizações é muito importante porque a água está acabando. Se cada um fizer a sua parte com conscientização, vai ajudar muito no futuro, vai valorizar a sua terra.”
Liderado pelo CBH Rio das Velhas, o PSA em Itabirito tem a parceria da Agência Peixe Vivo, do Subcomitê Rio Itabirito, da Prefeitura de Itabirito, da ONG internacional The Nature Conservancy (TNC) e da Coca Cola do Brasil.
Seminário em Itabirito, em junho, reconheceu os produtores rurais e apresentou a iniciativa a toda a sociedade.
Quer saber mais sobre a experiência do PSA em Itabirito? Assista ao Seminário na íntegra:
Produzir onde falta
Em outra região, no município de Caeté, na microbacia do Ribeirão Ribeiro Bonito, a falta de água já acendeu a luz de alerta. É o único trecho da bacia do Rio das Velhas onde foi decretado conflito pelo uso da água, quando o consumo é maior do que a oferta. Por causa disso os usuários de recursos hídricos daquele território precisam de uma outorga coletiva para o uso, um processo acompanhado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica.
Essa realidade levou o produtor de hortaliças Marcelo Nunes a sair em busca de alternativas para a redução do consumo de água na propriedade. Ele adotou o plantio direto na palha para os canteiros, aprimorou o sistema de canalização para evitar vazamentos, ajustou os horários para a irrigação, com apoio técnico do Comitê, construiu curvas de nível e melhorou as barraginhas que coletam as águas das chuvas que chegam por gravidade nos canteiros. O resultado foi surpreendente.“Depois desse conflito conseguimos reduzir o nosso consumo em, no mínimo, 50%. Eu irrigava a alface todos os dias, com o plantio direto eu posso irrigar dia sim, dia não, e reduzir o tempo da rega.”
Ações sustentáveis promovidas pelo produtor rural Marcelo Nunes (2º da esq. para a dir.) reduziram o consumo de água na propriedade em 50% e renderam prêmio. Para mudar cenário no Ribeirão Ribeiro Bonito, CBH Rio das Velhas desenvolve Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água. Em destaque: lançamento da iniciativa em Caeté, em junho de 2023.
Assista ao vídeo e saiba mais sobre o Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água do CBH Rio das Velhas:
Esse conjunto de ações rendeu ao Marcelo o Prêmio Sicoob de Produtor Rural Sustentável 2023, uma forma de reconhecimento para os produtores que adotam práticas de produção em harmonia com o tripé econômico, social e ambiental.
Também a fim de mudar o cenário de escassez na microbacia do Ribeirão Ribeiro Bonito, o CBH Rio das Velhas desenvolve o seu Programa de Conservação e Produção de Água, conjunto de ações com o objetivo de maximizar o potencial de produção de água nas sub-bacias hidrográficas. Técnicas como bacias de captação de água das chuvas, terraços, cercamento de nascentes, restauração florestal, preservação e recuperação de áreas degradadas vão permitir captar a água que escoaria pelo território e fazer com que ela infiltre e recarregue o lençol freático.
“Nós pretendemos, de forma integrada, aumentar a produção de água nas microbacias, bem como aumentar a recarga, possibilitando que essa água vá para o solo, que é onde a gente precisa, para manter o sistema vivo”, aponta Poliana Valgas, presidenta do CBH Rio das Velhas. O Programa de Conservação e Produção de Água é integralmente financiado com recursos oriundos da cobrança pelo uso da água na bacia.
Microbacia do Ribeirão Ribeiro Bonito, em Caeté, é o único trecho da bacia do Velhas onde há conflito pelo uso da água declarado – quando o consumo é maior do que a oferta.
Maior produtividade onde há floresta
Outro instrumento adotado para auxiliar os produtores rurais é o Programa de Regularização Ambiental (PRA), para quem aderiu ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Em Minas Gerais,
o programa se chama PRA Produzir Sustentável e também prevê uma série de ações de preservação, conservação, produção de água e amparo à biodiversidade.
Segundo a bióloga Janaína Mendonça, analista ambiental do Instituto Estadual de Florestas (IEF), que também é presidente do CBH do Rio Mucuri, as áreas de preservação permanente
e o trabalho de restauração florestal vão, aos poucos, se consolidando como peças de ligação entre as manchas de vegetação nativa e isso vai permitir a diversidade genética entre as espécies, evitando o acasalamento entre parentes. “Um exemplo disso, que aconteceu em Minas, foi a criação do Corredor Ecológico Sossego-Caratinga, onde a gente tem o muriqui-do-norte, o maior primata das Américas, e entre as Reservas Particulares do Patrimônio Natural de Caratinga e Simonésia, a gente tem de fazer essa conexão. A gente vai formar de forma ‘voluntária’ esse grande corredor nesse movimento de criação de uma matriz favorável para a natureza, com boas práticas agrícolas e com a recuperação dessas áreas protegidas por lei. São essas conectividades que vão garantir a biodiversidade a longo prazo.”
A analista ambiental do IEF também cita uma pesquisa que aponta maior produtividade nos cafezais próximos às áreas com floresta, por causa da maior população de insetos e aves polinizadores e pelo fato de que, muitos deles, também fazem o controle biológico de insetos não desejáveis para o ambiente produtivo, ou seja, alimentam-se dos insetos-praga.
Janaína Mendonça (IEF) tem costurado integração do PRA Produzir Sustentável no Alto Velhas com
o CBH e Subcomitês.
A pesquisa é uma parceria entre o Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), Universidade de Brasília (UnB) e Universidad Nacional de Rio Negro (Argentina) para investigar o papel das florestas na produção cafeeira. A equipe de pesquisadores usou dados de 610 municípios dos estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Paraná para analisar as relações entre a produção anual média de café, cobertura florestal em torno das lavouras e área de floresta total em cada município. A pesquisa constatou, entre outros fatores, que os municípios mais produtivos são aqueles onde a área ao redor das lavouras tem 20% ou mais de floresta.
Para o engenheiro agrônomo Afonso Peche Filho, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), cada vez mais a gestão dos recursos naturais deve ser conduzida de forma compartilhada entre o poder público, entidades, organizações e membros da sociedade. Por isso ele denomina os moradores da área rural e da área urbana como “povos das bacias” pelo importante papel que a bacia hidrográfica tem como unidade geradora de produtos e serviços.
“Eu costumo falar que são três PSAs. Toda bacia hidrográfica e toda propriedade rural precisa ter um Plano de Segurança Ambiental – este é o primeiro PSA. Nós precisamos cessar o processo de degradação que nós causamos. O Plano de Segurança vai nortear para diminuir as externalidades negativas da nossa presença naquele espaço, cuidando da segurança da água, dos fragmentos florestais, do solo etc. Tem o segundo PSA que é a Prestação de Serviços Ambientais. Você vai contratar um agricultor prestador de serviço. Esse serviço é remunerado e aí que vem o terceiro PSA que é o Pagamento por Serviços Ambientais. Por isso o pagamento não pode ser um “ajutório” para o agricultor. Ele tem de ser um financiador da evolução, tem de financiar a agricultura de serviços, em que o agricultor passa a querer produzir um serviço de qualidade. Nessa linha de evolução vai ficar entendido o que é produzido. Um agricultor produz ambientes produtivos, não é soja, não é milho, não é boi. Ele produz nesses ambientes produtos econômicos e serviços. São os serviços da agricultura coletiva, os serviços da bacia hidrográfica que vão alimentar o tecido urbano”, conclui.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Tobias Ferraz