Revista Velhas 12: A Medicina e o Rio das Velhas

10/12/2020 - 7:50

Como um projeto criado por médicos passou a cuidar das águas para melhorar a saúde na bacia


A saúde humana está diretamente ligada à qualidade do ambiente em que vivemos. O ar poluído, por exemplo, causa problemas respiratórios e, se as nascentes dos rios estiverem contaminadas, o risco de doenças aumenta assustadoramente. Essa relação entre os cuidados com a natureza e saúde foi o que motivou um grupo de médicos de Belo Horizonte a criarem o Projeto Manuelzão, que tem o objetivo de cuidar das águas para melhorar a saúde da população na bacia do Rio das Velhas.

O projeto monitora a qualidade da água da bacia e conscientiza a população sobre a importância de cuidar das águas, mostrando que saúde não é apenas uma questão médica, mas também ambiental. O Manuelzão é um programa de extensão da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que concilia o trabalho científico com a mobilização social de empresas, governos e sociedade civil.

O nome é uma homenagem ao vaqueiro Manuel Nardi, imortalizado como Manuelzão na obra de João Guimarães Rosa. Ao longo da vida, o vaqueiro conviveu com a vida sofrida do sertanejo e assistiu também a agonia lenta dos peixes e do próprio Rio das Velhas.

Vaqueiro Manuel Nardi, que inspirou o personagem de Guimarães Rosa, deu nome ao Projeto.

História

Em 1997, na cidade de Belo Horizonte, o professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Apolo Heringer Lisboa, idealizador do projeto, convidou os professores Antônio Leite Radicchi (falecido em 2017) e Marcus Vinícius Polignano para colocarem o Manuelzão em prática sob o mote da volta dos peixes ao Rio das Velhas. A partir da experiência do Internato Rural – prática que leva alunos para cidades do interior, onde aprendem a relação entre medicina e sociedade, por meio da participação direta no SUS (Sistema único de Saúde) e nos movimentos sociais – eles perceberam que de nada adiantava falar de saúde coletiva sem prestar atenção no meio em que as pessoas viviam.

Essa foi a semente do Manuelzão, que conjuga mobilização social, ativismo ambiental, cuidados com a saúde e fortalecimento da história local. O eixo principal é a revitalização do Rio das Velhas, que banha a capital mineira e deságua no Rio São Francisco, e a volta dos peixes ao curso d’água. Desde então, o Manuelzão vem ganhando força e a participação de alunos de outros cursos como comunicação social e biologia.

O atual coordenador do Projeto Manuelzão e também secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano, esclarece como foi escolhido o foco de atuação do projeto. “A bacia hidrográfica permite uma análise sistêmica e integrada dos problemas e das necessidades de intervenções. A bacia permite integrar natureza e história, ambiente e relações sociais, delimitando uma área e possibilitando que um complexo sistema social seja referenciado na biodiversidade dos corpos d’água da bacia”.

Polignano acrescenta que a opção por trabalhar com uma bacia hidrográfica veio do fato de que ela representa uma unidade de diagnóstico, de planejamento, de organização, de ação e de avaliação de resultados. “O modelo de sociedade contemporânea gerou a degradação das águas das bacias hidrográficas e a agonia dos nossos rios. É fundamental atuar na mudança do modelo produtivo e da mentalidade cultural para que possamos revitalizar os cursos d’água”, esclareceu.

Bacia do Rio das Velhas foi escolhida como foco de atuação pelo Projeto Manuelzão, como forma de superar a percepção municipalista das questões ambientais. Eixo principal do Manuelzão é a revitalização e a volta dos peixes ao Rio das Velhas.

Nascido com um caráter interdisciplinar e interinstitucional, as propostas do Projeto Manuelzão se definem com um objetivo comum que é a preservação da vida com toda sua biodiversidade, representada simbolicamente pela volta dos peixes ao Rio das Velhas. Trata-se de um projeto da UFMG que busca a transdisciplinaridade como forma de entendimento da realidade e de resposta para a sociedade da complexidade socioambiental que o mundo atual vive.

O professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro, integra o Manuelzão desde 2000. “Junto com o saber acadêmico trabalhamos no Manuelzão com o saber popular. Medicina não envolve apenas doença, mas saúde também, e o Projeto Manuelzão tem um olhar ampliado atuando sobre o bem estar físico, mental, social e agora o espiritual”, disse.

Tarcísio Pinheiro esclarece que com as discussões sobre saúde, meio ambiente e cidadania, o projeto coloca a questão do homem no centro do debate ambiental. “Ao adotar o peixe como bioindicador da qualidade das águas do espaço territorial natural que é a bacia hidrográfica, o projeto define sua visão de que as condições da bacia refletem as ações do homem no espaço e estas afetam a saúde dos peixes. Por outro lado, lutamos pela construção de políticas públicas que considerem o ambiente como fator importante para a saúde e qualidade de vida da população, como, por exemplo, a melhoria do saneamento básico”.

Metas 2010 e 2014 No ano de 2003, o Projeto Manuelzão propôs o compromisso de revitalizar a Bacia do Rio das Velhas até o ano de 2010. Em 2005, a proposta passa a fazer parte da carteira de projetos do governo de estado de Minas Gerais, surgindo assim a Meta 2010 e, posteriormente, a Meta 2014: navegar, pescar e nadar no Rio das Velhas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O objetivo era despoluir a região mais degradada da bacia, que vai da foz do Rio Itabirito até o encontro com o Ribeirão Jequitibá. A Meta, respaldada pelo Plano Diretor do CBH Rio das Velhas, aprovado em 2004, definiu estratégias, ações de saneamento e a recuperação ambiental, visando alcançar a melhoria das águas e a volta dos peixes ao rio. Com as Metas 2010 e 2014 os resultados foram significativos, principalmente na região do Baixo e do Médio Rio das Velhas. Essas áreas, beneficiadas pelas intervenções na Região Metropolitana de Belo Horizonte, apresentaram melhorias significativas na qualidade das suas águas. Infelizmente, os avanços não foram suficientes para que o objetivo de nadar nas águas do Rio das Velhas na Grande BH fosse concretizado, em função do alto índice de coliformes fecais na região. Apesar desse ponto negativo do balanço, foram positivos os avanços na política de saneamento básico na bacia, o que tem possibilitado a volta dos peixes ao rio e a diminuição na ocorrência de mortandades.

O futuro

O Rio das Velhas está tentando refazer a sua história. Assim como o Projeto Manuelzão, o Comitê de Bacia Hidrográfica também luta pela revitalização do território, desde 1998, ano de sua criação.

Construímos a Meta 2010-2014, e, mais recentemente, o Programa ‘Revitaliza Rio das Velhas’. “Já conseguimos vitórias importantes, como o tratamento de 70% dos esgotos de Belo Horizonte e a construção de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). Os peixes voltaram para mais perto de BH, mas a qualidade das águas ainda é ruim e não permite nadar”, afirmou Marcus Vinícius Polignano.

Já para o professor Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro, os Comitês de Bacia trazem importantes conquistas no cenário de revitalização. “Os CBHs trouxeram importantes avanços na crise ambiental e temos conseguido progresso na revitalização das bacias, principalmente no Rio das Velhas. Vivemos a pandemia do Coronavírus que tem nos mostrado que precisamos rever as nossas ações. O momento atual não é simples, mas abre possibilidade para refletir sobre nossas crenças e pensar em alternativas para quando tudo voltar ao normal”.

Rio das Velhas em Santo Hipólito no ano de 2010

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Michelle Parron