Como um projeto criado por médicos passou a cuidar das águas para melhorar a saúde na bacia
A saúde humana está diretamente ligada à qualidade do ambiente em que vivemos. O ar poluído, por exemplo, causa problemas respiratórios e, se as nascentes dos rios estiverem contaminadas, o risco de doenças aumenta assustadoramente. Essa relação entre os cuidados com a natureza e saúde foi o que motivou um grupo de médicos de Belo Horizonte a criarem o Projeto Manuelzão, que tem o objetivo de cuidar das águas para melhorar a saúde da população na bacia do Rio das Velhas.
O projeto monitora a qualidade da água da bacia e conscientiza a população sobre a importância de cuidar das águas, mostrando que saúde não é apenas uma questão médica, mas também ambiental. O Manuelzão é um programa de extensão da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que concilia o trabalho científico com a mobilização social de empresas, governos e sociedade civil.
O nome é uma homenagem ao vaqueiro Manuel Nardi, imortalizado como Manuelzão na obra de João Guimarães Rosa. Ao longo da vida, o vaqueiro conviveu com a vida sofrida do sertanejo e assistiu também a agonia lenta dos peixes e do próprio Rio das Velhas.
História
Em 1997, na cidade de Belo Horizonte, o professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Apolo Heringer Lisboa, idealizador do projeto, convidou os professores Antônio Leite Radicchi (falecido em 2017) e Marcus Vinícius Polignano para colocarem o Manuelzão em prática sob o mote da volta dos peixes ao Rio das Velhas. A partir da experiência do Internato Rural – prática que leva alunos para cidades do interior, onde aprendem a relação entre medicina e sociedade, por meio da participação direta no SUS (Sistema único de Saúde) e nos movimentos sociais – eles perceberam que de nada adiantava falar de saúde coletiva sem prestar atenção no meio em que as pessoas viviam.
Essa foi a semente do Manuelzão, que conjuga mobilização social, ativismo ambiental, cuidados com a saúde e fortalecimento da história local. O eixo principal é a revitalização do Rio das Velhas, que banha a capital mineira e deságua no Rio São Francisco, e a volta dos peixes ao curso d’água. Desde então, o Manuelzão vem ganhando força e a participação de alunos de outros cursos como comunicação social e biologia.
O atual coordenador do Projeto Manuelzão e também secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano, esclarece como foi escolhido o foco de atuação do projeto. “A bacia hidrográfica permite uma análise sistêmica e integrada dos problemas e das necessidades de intervenções. A bacia permite integrar natureza e história, ambiente e relações sociais, delimitando uma área e possibilitando que um complexo sistema social seja referenciado na biodiversidade dos corpos d’água da bacia”.
Polignano acrescenta que a opção por trabalhar com uma bacia hidrográfica veio do fato de que ela representa uma unidade de diagnóstico, de planejamento, de organização, de ação e de avaliação de resultados. “O modelo de sociedade contemporânea gerou a degradação das águas das bacias hidrográficas e a agonia dos nossos rios. É fundamental atuar na mudança do modelo produtivo e da mentalidade cultural para que possamos revitalizar os cursos d’água”, esclareceu.
Nascido com um caráter interdisciplinar e interinstitucional, as propostas do Projeto Manuelzão se definem com um objetivo comum que é a preservação da vida com toda sua biodiversidade, representada simbolicamente pela volta dos peixes ao Rio das Velhas. Trata-se de um projeto da UFMG que busca a transdisciplinaridade como forma de entendimento da realidade e de resposta para a sociedade da complexidade socioambiental que o mundo atual vive.
O professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro, integra o Manuelzão desde 2000. “Junto com o saber acadêmico trabalhamos no Manuelzão com o saber popular. Medicina não envolve apenas doença, mas saúde também, e o Projeto Manuelzão tem um olhar ampliado atuando sobre o bem estar físico, mental, social e agora o espiritual”, disse.
Tarcísio Pinheiro esclarece que com as discussões sobre saúde, meio ambiente e cidadania, o projeto coloca a questão do homem no centro do debate ambiental. “Ao adotar o peixe como bioindicador da qualidade das águas do espaço territorial natural que é a bacia hidrográfica, o projeto define sua visão de que as condições da bacia refletem as ações do homem no espaço e estas afetam a saúde dos peixes. Por outro lado, lutamos pela construção de políticas públicas que considerem o ambiente como fator importante para a saúde e qualidade de vida da população, como, por exemplo, a melhoria do saneamento básico”.
O futuro
O Rio das Velhas está tentando refazer a sua história. Assim como o Projeto Manuelzão, o Comitê de Bacia Hidrográfica também luta pela revitalização do território, desde 1998, ano de sua criação.
Construímos a Meta 2010-2014, e, mais recentemente, o Programa ‘Revitaliza Rio das Velhas’. “Já conseguimos vitórias importantes, como o tratamento de 70% dos esgotos de Belo Horizonte e a construção de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). Os peixes voltaram para mais perto de BH, mas a qualidade das águas ainda é ruim e não permite nadar”, afirmou Marcus Vinícius Polignano.
Já para o professor Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro, os Comitês de Bacia trazem importantes conquistas no cenário de revitalização. “Os CBHs trouxeram importantes avanços na crise ambiental e temos conseguido progresso na revitalização das bacias, principalmente no Rio das Velhas. Vivemos a pandemia do Coronavírus que tem nos mostrado que precisamos rever as nossas ações. O momento atual não é simples, mas abre possibilidade para refletir sobre nossas crenças e pensar em alternativas para quando tudo voltar ao normal”.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Michelle Parron