Para melhorar a qualidade da água do Rio das Velhas é necessário implantar o tratamento terciário nas ETEs para retirar excesso de nutrientes e evitar a eutrofização
Falar em tratamento de esgoto parece óbvio, mas o percentual de esgotos tratados vem crescendo no Brasil a passos lentos e o serviço ainda não chega a quase metade da população. Um importante passo para avançarmos na melhoria da qualidade dos rios é dar um fim ao acúmulo de esgoto em decomposição em função de altos índices de nutrientes como fósforo e nitrogênio.
O processo pode ser feito por meio do tratamento terciário do esgoto que retira impurezas da água que, após tratada, volta para a Bacia. No entanto, esse tipo de tratamento ainda não é feito nas ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), onde o Rio das Velhas recebe a sua maior carga poluidora.
“A ausência de tratamento terciário faz com que com altas concentrações de nitrogênio e fósforo ainda sejam encontradas nos efluentes das ETEs, o que promove a eutrofização em regiões da bacia do Rio das Velhas mais distantes da RMBH, inclusive com recorrentes florações anuais de cianobactérias”, explicou o pesquisador do Projeto Manuelzão (UFMG), Carlos Bernardo Mascarenhas Alves, coordenador de campo do Projeto de Biomonitoramento financiado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas).
Afinal, o que é o tratamento terciário?
Os níveis do tratamento de esgotos são tradicionalmente caracterizados como preliminar, primário, secundário e terciário. O professor do departamento de Engenharia Ambiental da UFMG, Marcos Von Sperling, uma grande referência em estudos de saneamento no Brasil, explica cada uma das etapas do tratamento de esgoto. “O tratamento preliminar objetiva a remoção de sólidos grosseiros dos esgotos por meio de etapas bastante simplificadas. O tratamento primário remove sólidos em suspensão e uma porcentagem da carga orgânica. O secundário retira a matéria orgânica dissolvida e a em suspensão que não foi removida”.
Sperling esclarece que a denominação de tratamento terciário é relativamente difusa, pois não caracteriza com precisão o objetivo do tratamento e os meios que serão empregados para tal. “Podemos entendê-lo como uma etapa de tratamento avançado, que pode ser utilizada com distintas finalidades. Neste tipo de tratamento podem ser empregados métodos biológicos ou físico-químicos para fazer a desinfecção da água e retirar o excesso de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, organismos patogênicos e poluentes que não foram completamente removidos nas etapas anteriores”, esclareceu.
Tratamento terciário no Rio das Velhas
Em 2017, ao firmar o acordo do Programa ‘Revitaliza Rio das Velhas’ com o CBH Rio das Velhas, o então Diretor de Operações Metropolitanas da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), Rômulo Perilli, anunciou que o tratamento terciário nas ETEs dos Ribeirões Arrudas e Onça, em Belo Horizonte, estava na pauta de ações da companhia e que estudos para sua implantação estavam sendo realizados. No entanto, questionada novamente três anos depois, a Copasa informou por meio de nota que “para a implantação de um tratamento terciário na RMBH ainda há a necessidade de uma maior abrangência do tratamento de esgoto de Minas Gerais, o que requer uma avaliação mais profunda, não sendo neste momento objeto de estudo”.
Marcos Von Sperling esclarece que a implementação do tratamento terciário aumenta os custos de implantação e operação de uma ETE, mas também traz benefícios. “É uma questão de relação custo-benefício. O tratamento terciário não deve ser utilizado indiscriminadamente, mas sim quando houver a real necessidade da remoção avançada de alguns dos poluentes a exemplo do fósforo e nitrogênio, quer em função dos requisitos de qualidade da água a ser mantida no corpo d´água receptor quer em uma eventual perspectiva de uso do efluente tratado (uso agrícola, urbano ou industrial).”
Eutrofização e mortandade de peixes
As Estações de Tratamento de Esgoto devem monitorar a quantidade de matéria orgânica presente no efluente tratado antes de destiná-lo aos rios. Isso porque uma grande quantidade de matéria orgânica nos corpos d’água pode causar um processo chamado de eutrofização, causado pelo aumento de nutrientes. Esse processo gera o aumento das plantas aquáticas e das algas, chamadas de fitoplâncton por serem invisíveis a olho nu.
“Na eutrofização há o crescimento desordenado desses microrganismos, o que pode diminuir a concentração de oxigênio nos rios quando respiram ou quando morrem, causando a morte de peixes. O aumento das algas e plantas no corpo hídrico irá reduzir penetração da luz do sol e a fotossíntese das algas durante o dia. Com isso, pode diminuir a quantidade de oxigênio disponível na água, dificultando a sobrevivência de peixes e outros seres vivos aquáticos”, esclareceu o pesquisador Carlos Bernardo Mascarenhas Alves.
Entre 1999 e 2000, foi realizado o primeiro biomonitoramento na Bacia do Rio das Velhas e pôde-se observar os efeitos nocivos da poluição e da completa falta de tratamento de esgotos domésticos e industriais da RMBH sobre a fauna de peixes. “Os peixes serviram de bioindicadores da qualidade de água da bacia.
Em estudos subsequentes, entre 2006 e 2007, após a implantação da ETE Arrudas, e entre 2010 e 2011, da ETE Onça, foi possível verificar uma relativa melhoria da qualidade do ambiente, através do registro de maior número de espécies de peixes nos pontos mais afetados pela má qualidade de água a jusante da RMBH. Além das espécies resistentes, que já ocorriam, espécies sensíveis à poluição, bioindicadores de melhor qualidade, foram registradas, como por exemplo o matrinchã e espécies migradoras como curimatás e dourado.
Os resultados obtidos através da útima etapa desenvolvida (2015-2016) permitiram detectar efeitos positivos na distribuição das espécies, se comparada aos resultados do primeiro estudo, porém com uma estabilização em níveis ainda abaixo do esperado para um rio saudável”, disse o coordenador do Projeto de Biomonitoramento, Carlos Bernardo Mascarenhas.
Apesar da melhora, a eutrofização causa reflexos negativos a jusante da RMBH. “Mesmo havendo melhora, a RMBH ainda influencia negativamente a distribuição das espécies de peixe. Acreditamos que devem ser estimulados esforços para aumentar o volume de esgoto tratado, além de incorporar o tratamento terciário nas ETEs Arrudas e Onça. Só assim conseguiremos melhorar a qualidade da água do Rio das Velhas e reduzir o processo de eutrofização e mortandade de peixes”, finalizou Mascarenhas.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio