Revista Velhas nº 13: Quando falta solo também falta água

15/07/2021 - 19:25

Com um passado de glória, a Bacia do Rio Maracujá vive em alerta contra a degradação ambiental provocada pelas voçorocas e pela poluição


Um rio em alto grau de degradação. Essa foi a constatação que diversos estudiosos, pesquisadores e moradores da Bacia do Rio Maracujá, que nasce em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, fizeram sobre ele. O assoreamento causado pelas voçorocas, uma das maiores do Brasil, em conjunto com o esgoto são os principais fatores de degradação do rio.

Muitos afirmam que o início dessa degradação ambiental na bacia se deu pela mineração de topázio imperial. As mineradoras que operavam em Cachoeira do Campo transformaram a montanha em que nascia o Rio Maracujá em um buraco de argila roxa para arrancar os cristais raros de topázio imperial. O olho d’água ficou exposto a deslizamentos, mas ainda é capaz de ganhar corpo adiante, ao encontrar outros córregos, até desaguar no Rio das Velhas.

“A extração de topázio imperial ocorre há séculos no Ribeirão Maracujá. A devastação que quase matou a nascente ocorreu mais recentemente, porque as mineradoras em vez de recomporem esses passivos ambientais, mudaram de nome e encerraram as atividades, sem qualquer compensação”, afirma Ronald Guerra, conselheiro dos Subcomitês Nascentes e Rio Itabirito e presidente da CTPC (Câmara Técnica de Planejamento, Projetos e Controle) do CBH Rio das Velhas.

Mina de topázio imperial na nascente do Ribeirão Maracujá, em Cachoeira do Campo. Já em sua nascente, nos limites com a bacia do Rio Doce, o ribeirão é impactado pela extração do mineral, muito comum na região.

O Maracujá é um importante afluente do Rio das Velhas na região de sua cabeceira. Sua bacia está situada na borda sul do Complexo Bação, uma área de aproximadamente 140 km2. Esse pequeno rio foi suporte, até o ano de 2004, para o abastecimento da população de Cachoeira do Campo, com mais de 6 mil habitantes.

Entre 1707 e 1709, o curso d’água foi palco de conflitos da Guerra dos Emboabas, o embate de paulistas e portugueses pelas minas da região. Foi também às margens do Maracujá, onde ficava o Palácio de Campo dos Governadores, que Joaquim Silvério dos Reis denunciou os Inconfidentes, em 1789.

O passado célebre, porém, não rendeu reconhecimento ao Maracujá. Suas nascentes vêm sendo enterradas por garimpos e mineradoras clandestinas. O curso d’água que atravessa pastos, fazendas e matas está tão assoreado que pontes que já tiveram cinco metros de altura hoje têm vãos com 30 centímetros. E isso não é tudo: o Maracujá é também receptor de grande parte da carga de esgoto dos distritos ouro-pretanos de Santo Antônio do Leite, Cachoeira do Campo e Amarantina, transformando o que era um rio em um esgoto a céu aberto.

"As mineradoras em vez de recomporem esses passivos ambientais, mudaram de nome e encerraram as atividades, sem qualquer compensação” Ronald Guerra, conselheiro dos Subcomitês Nascentes e Rio Itabirito e presidente da CTPC

As voçorocas

O distrito de Cachoeira do Campo se destaca pela presença de um número significativo de voçorocas que se distribuem ao redor do núcleo urbano, chamando atenção pelas graves consequências ambientais e sociais que esse tipo de evento propicia. O geólogo e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Edézio Teixeira de Carvalho, chama atenção para os danos que as voçorocas podem trazer, não só ao solo, quanto às reservas de água pluvial. “O que temos visto no distrito e à sua volta são campos de voçorocas excepcionais, alguns ocupando nada menos que 55% do território. Imagino que num desses campos de voçorocas, com 50% da área voçorocada, tenham sido perdidos um milhão de metros cúbicos de solo residual do Complexo Bação, de razoável qualidade agronômica. O solo é o primeiro reservatório das águas da chuva. Uma humanidade geologicamente não alfabetizada não percebe que o solo faz falta às alturas, por ser o primeiro reservatório das águas pluviais. Além disso, é amplamente um recurso ambiental não renovável, de modo que deve ser buscado de volta”, afirma.

Para o geólogo, as voçorocas não são um problema apenas local. “Digo não apenas porque as terras movimentadas pelo fenômeno erosivo de Cachoeira do Campo assoreiam completamente o reservatório de Rio de Pedras, em Itabirito. E têm de seguir além por não caberem mais no leito do Maracujá, e muito menos no pequeno reservatório. E têm de seguir para Rio Acima, Raposos, Sabará, Santa Luzia. Ganham o São Francisco e, finalmente, as grandes represas da Bahia e Nordeste”, acrescenta.

A perda de solo acarreta também na perda de sua principal função que é o armazenamento de água, sem a qual não há como falar de boa produção. “Cabe aos rios sustentar gerações seguidas de gerações. E isso é geologicamente incompatível com a falta ou com a irregularidade do abastecimento de água. Por isso, fica evidente que o que de fato não pode faltar é o solo, sem o qual não se controla a água”, esclarece.

Edézio finaliza esclarecendo que existe solução. “Enquanto o dever de tratar o corpo humano é cumprido, ainda que com falhas lamentáveis, por médicos, o solo deixa quase sempre de ser tratado por quem possa curá-lo. A solução não é apenas desassorear os rios, porque quem desassoreia não deixará de combater o assoreamento novo, podendo começar pela reabilitação das imensas voçorocas, que, de mãos atadas, todos conhecemos, e porque esse desassoreamento tem pelo menos três benefícios a serem aproveitados: 1) o material é matéria prima a ser lavrada a partir de uma balsa como areia de construção; 2) como matéria prima de tijolos sem cura e queima; e 3) como solo mesmo a ser usado na reabilitação de extensas áreas degradadas marginais. Essas possibilidades serão capazes de concorrer com outros métodos que físicos, químicos e biólogos, engenheiros ajudarão a desenvolver nas transformações ‘in situ’ de rochas alteradas em solos férteis”.

 

Assoreamento entope Rio de Pedras

A represa de Rio de Pedras, em Itabirito, abrange a Pequena Central Hidrelétrica (PCH) de Rio de Pedras, pertencente à Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). O reservatório possui um volume total de 604 mil m3, mas a totalidade do volume encontra-se ocupado por lama e sedimentos. É justamente a grande quantidade de sedimentos que impede a usina inaugurada em 1907 de produzir mais energia. A atual capacidade de produção é de 9,28 megawatts.

A represa da PCH Rio de Pedras é um dos poucos barramentos de água no chamado Alto Rio das Velhas. O lago, que poderia servir para armazenar água e contribuir para a segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), especialmente em períodos de estiagem, hoje se encontra em estado avançado de assoreamento e seu espelho d’água não passa de 3 metros de profundidade em alguns pontos.

Revitalização do Maracujá

O Ribeirão Maracujá é formado pela junção de quatro córregos: Cipó, Ranchador, Caxambu e Cascalho. Buscando a revitalização da bacia, o filósofo Francisco Áureo criou, no ano de 2019, o coletivo SOS Maracujá, que reúne mais de 50 pessoas. Para Francisco, o trabalho é de formiguinha. “Infelizmente, o que observamos é que o Maracujá ainda é invisível para a população local. Além do problema do assoreamento o rio se transforma em um esgoto a céu aberto. Iniciamos o coletivo com o objetivo de despertar a conscientização das pessoas de como o rio está sendo maltratado”, diz.

Atento às questões ambientais da Bacia do Ribeirão Maracujá, o CBH Rio das Velhas contratou uma empresa especializada, por meio de licitação com os recursos da cobrança pelo uso da água, para elaborar um diagnóstico ambiental e um plano de ações na Sub-Bacia do alto curso do Rio Maracujá, em busca de promover a melhoria ambiental da área. A contratação ocorreu em dezembro de 2020.

Sendo assim, serão realizadas a caracterização geral e o mapeamento de uso e cobertura do solo; cadastramento e caracterização de propriedades com as nascentes, os focos erosivos e as áreas degradadas ali identificadas; análise de qualidade das águas; bem como o plano de ações.

“Precisamos ampliar o leque de ações para resolver o problema das inúmeras voçorocas que temos no território do Subcomitê Nascentes. O CBH Rio das Velhas tem cumprido o seu papel de mobilizar e tem investido em projetos na região. No entanto, precisamos de investimentos maiores, tanto públicos do governo de estado e prefeituras, como também de investimentos que ultrapassem os limites dos recursos da cobrança pelo uso da água”, afirma Ronald Guerra.

 


Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Fotos: Léo Boi e Bianca Aun