Revista Velhas nº15: Jovens – hoje eles decidem o futuro do meio ambiente

18/04/2022 - 16:53

Sem “blá-blá-blá”, nova geração de ativistas ambientais mostra que a mudança se faz na prática


“A Terra está falando e ela nos diz que não temos mais tempo”,
disse a liderança indígena brasileira, Txai Suruí, ao discursar na última Conferência do Clima (COP26), em 2021, na Escócia.

Com apenas 24 anos, ela deixou seu alerta para o mundo sobre o que está acontecendo com as florestas e os indígenas brasileiros. Txai, assim como outros jovens ativistas ambientais, ainda nem tinha nascido quando a ciência fez seus primeiros alertas sobre os perigos das mudanças climáticas no mundo. Ainda assim, eles parecem atentos às mensagens que o planeta passou a dar em resposta às agressões e explorações que vem sofrendo há anos.

Sem tempo para esperar que a salvação da Terra venha com os acordos e discursos cheios de “blá-blá-blá” das lideranças mundiais, como disse em tom crítico a ativista sueca Greta Thunberg, de 19 anos, durante o evento pré-COP26, Youth4Climate, jovens de várias partes do mundo e de diferentes realidades estão cada vez mais engajados em fazer a mudança que precisa acontecer agora. Eles parecem não querer mais ouvir sobre metas de reduções de emissão de gases de efeito estufa, de redução da poluição e de medidas para preservação das florestas. Eles querem e estão agindo agora, inclusive os jovens do Brasil.

Para Txai Suruí, a juventude brasileira é ativa e está preocupada com a política e o meio ambiente. “A COP26 teve a presença de uma grande delegação de jovens de todo o Brasil e eles trazem um recado de esperança e poder da transformação que precisa acontecer para termos um mundo que respeita o meio ambiente, que seja justo socialmente, com igualdade de gênero, antirracista e sem a exploração dos nossos corpos e territórios”, diz a liderança indígena.

Liderança indígena Txai Suruí, de 24 anos, foi a única brasileira a discursar na sessão inaugural da última Conferência do Clima (COP26), na Escócia, em 2021.

Liderança indígena Txai Suruí, de 24 anos, foi a única brasileira a discursar na sessão inaugural da última Conferência do Clima (COP26), na Escócia, em 2021.

No front para incomodar

Conectada aos movimentos mundiais e promovendo mudanças dentro da sua própria universidade, Ana Corrêa, de 23 anos, é um exemplo de ativista que se organiza em coletivo e transforma. Natural de Belo Horizonte, formada em Relações Públicas e ativista climática há cinco anos, é fundadora da Uniclima, iniciativa criada para promover a sustentabilidade dentro das Instituições de Ensino Superior, que atualmente conta com 30 membros focados em demandar ações climáticas das universidades. Também é membro do Youth Climate Leaders e da Climate Students Movement. “A gente vê líderes globais falando o tempo todo em combater a fome, a pobreza, mas onde está a ação climática dentro disso? A crise climática é a crise das crises, não só pela questão interseccional de gênero, raça e classe, mas porque ela impacta tudo. Impacta a nossa alimentação, nosso transporte e quem mais vai sofrer é quem menos contribui para esse problema”, conta a ativista.

O que motiva a Ana a continuar na luta ambiental é estar em coletivo e ver que as suas atitudes inspiram outras pessoas a agir. Ao longo de seus anos como ativista, ela já esteve em vários movimentos como a Anistia Internacional, Anonymous for the Voiceless, Mercy for Animals e Coalizão pelo Clima.

“Ver a participação de lideranças jovens e, principalmente, negras aqui no Brasil, me dá esperança por ver essa representatividade ganhar um lugar para falar e manifestar sua indignação com o que está sendo feito no planeta, e também por deixar os políticos, as pessoas em lugares de poder, os tomadores de decisão desconfortáveis”, diz Ana.

Ana Corrêa, de Belo Horizonte,  é fundadora da Uniclima, iniciativa criada para promover a sustentabilidade dentro das instituições de ensino superior. "A crise climática é a crise das crises"

Ana Corrêa, de Belo Horizonte, é fundadora da Uniclima, iniciativa criada para promover a sustentabilidade dentro das instituições de ensino superior.

Militância pela educação ambiental

Interessado na geografia urbana, nos rios e no poder da educação não formal, Gabriel Noronha, de 28 anos, é aquele ativista que despertou curiosidade pelo seu entorno desde cedo, observando mapas. Formado em Geografia, foi como voluntário no Centro de Educação Ambiental – Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Bacia da Pampulha (CEA – Propam), em Belo Horizonte, que teve a oportunidade de sensibilizar outros jovens para a causa. “Eu acredito muito nessa educação que se expressa em placas, museus, espaços públicos, centros de educação ambiental, espaços comunitários, porque esses locais são espaços em que o estudante tem a oportunidade de aprender de um modo interdisciplinar, e isso é muito importante para a cidadania dele. No Propam, a gente levava os estudantes nas nascentes, nos parques, mostrava a Bacia Hidrográfica e até a estação de tratamento químico que tem antes da água chegar na Lagoa da Pampulha ”, diz o jovem.

Uma das contribuições do Gabriel para a bacia da Pampulha, na capital mineira, foi ajudar a catalogar 507 nascentes para o Projeto Catalogador de Nascentes da Bacia da Pampulha.

Do cartão postal da capital mineira, descemos pelo Rio das Velhas até chegar a Buenópolis, onde vive Tamires Nunes, de 24 anos, outra jovem que atua pelo meio ambiente. Socióloga e pós-graduanda em Recursos Hídricos e Ambientais, foi criada na zona rural do município até a adolescência. Para ela, suas raízes dizem muito sobre sua relação com a causa ambiental. “Esta temática está sempre presente em minhas vivências, desde a infância, e até na minha crença espiritualista. Eu acredito na força da natureza como um organismo vivo e integrado à humanidade. Em suma, é a minha filosofia de vida lutar pelo meio ambiente”, conta Tamires.

Sua militância começou na graduação. Passou a estudar Sociologia Ambiental e se aprofundou na agroecologia do Norte de Minas Gerais. Em 2019, ao participar do seminário de entrega do Projeto Hidroambiental do Subcomitê Rio Curimataí, Tamires foi convidada a integrar o colegiado vinculado ao CBH Rio das Velhas. De lá para cá, já travou diversas lutas como coordenadora pela sociedade civil do Subcomitê. Mesmo com essa vontade de fazer a diferença, ela ainda se frusta quando ouve a frase “precisamos educar as crianças para termos adultos melhores”. Isso porque, ela acredita que a responsabilidade da mudança precisa estar também nas atitudes dos adultos: “se partimos do pressuposto que as crianças reproduzem os comportamentos que observam, como podemos jogar na conta das gerações futuras nossos maus hábitos, sem ao menos darmos o exemplo de mudança de postura e ações?”, conta.

Gabriel Noronha despertou curiosidade pelo seu entorno desde cedo, observando mapas.

Gabriel Noronha despertou curiosidade pelo seu entorno desde cedo, observando mapas.

A luta com as mãos na terra

Na porção mais alta da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, uma adolescente de 17 anos, que vive em meio a 110 hectares de Mata Atlântica preservada, entre Ouro Preto e Itabirito, está fazendo a diferença. Victoria Almeida resolveu transformar a pousada, que é o negócio da família, em uma ferramenta de preservação e conhecimento. Além de poderem descansar com a natureza ao redor, os hóspedes da pousada têm a oportunidade de conhecer as riquezas da fauna e flora da região e ainda contemplar o Rio das Velhas, que passa dentro da propriedade. Além de poderem andar às margens e tomarem banho de rio, a jovem faz questão de explicar para os hóspedes sobre a importância daquele curso d’água para Belo Horizonte e toda região metropolitana.

“Meu objetivo é ensinar e educar aqueles que vão visitar a pousada a terem mais consciência ambiental, para que eles possam sair de lá e aprender mais sobre conservação, sobre o Rio das Velhas e a Mata Atlântica, inclusive para mostrar como ela já foi quase dizimada. É preciso educar mais pessoas para que elas possam educar seus filhos, seus netos, seus amigos, e nisso a gente poder mudar o planeta”, explica. E os planos da Victoria não param por aí. Ela pretende reflorestar a área com plantas nativas e implantar o projeto Asas, que faz a soltura de animais silvestres que foram resgatados do tráfico pela Polícia Ambiental.

De volta à capital mineira, uma outra ativista resolveu levar a sua luta ambiental através da alimentação. Lívia Pereira, de 22 anos, tem a sua trajetória ligada à agroecologia e para ela o alimento é uma discussão que atravessa muitos lugares, pois fala sobre território, colonialidade e injustiça social, temas que não se separam da causa ambiental. “A agroecologia é a minha bandeira de luta, onde eu encontro a construção de outros caminhos possíveis”, diz.

Desde que entrou na faculdade de Ciências Socioambientais, Lívia começou a se envolver com os movimentos de agricultura urbana de Belo Horizonte. Hoje ela atua no Parque do Brejinho com agrofloresta, mobilização social e educação ambiental.

“O que me motiva é o meu amor pela mãe Terra e a dor que me dá de ver essas injustiças e violências que ela sofre em favor de poucos. Acredito que essa não seja a única forma de existir e que o progresso não é a única resposta. Por acreditar nisso é que sigo lutando, comunicando, sonhando e instigando as pessoas que estão comigo. A juventude tem muita força, muita potência a trazer para os movimentos sociais”, conta Lívia.

Lívia Pereira, de 22 anos, atua no Parque no Brejinho, em Belo Horizonte,
com agrofloresta, mobilização social e educação ambiental.

A transformação começa no quintal de casa

A educação ambiental desde a infância é um dos papéis importantes que a Casa de Gentil realiza há nove anos, em Raposos. A organização, que atua na transformação social e valorização cultural dos moradores, realiza atividades com crianças e adolescentes, mostrando a importância do cuidado com o território e com o Ribeirão da Prata, que passa bem pertinho da Casa, e faz com que as crianças tenham convívio direto com as águas. “Quando a gente entende que o Ribeirão da Prata nasce lá em cima, no limite entre Rio Acima, Caeté, depois entra no limite Caeté/Raposos, e vem descendo, a gente começa a conversar isso com as crianças”, explica Rafael Gonçalves, idealizador e fundador da Casa de Gentil.

Das margens do Ribeirão da Prata, próximo à confluência com o Rio das Velhas, em Raposos, Casa de Gentil atua na transformação social e valorização cultural de crianças e adolescentes, destacando o pertencimento  com o território e  cursos d’água.

Das margens do Ribeirão da Prata, próximo à confluência com o Rio das Velhas, em Raposos, Casa de Gentil atua na transformação social e valorização cultural de crianças e adolescentes, destacando o pertencimento com o território e cursos d’água.

Recentemente, a organização realizou a implantação de uma horta comunitária, uma ação em que crianças e jovens colocaram a mão na massa. Chamada de Horta Gentil, o espaço se tornou um local de trocas, de saberes e aprendizados entre as pessoas envolvidas. “A gente acredita na educação freiriana de emancipação, de tornar todos nós, educadores e educandos, seres mais críticos, fazendo questionamentos, vendo os reais potenciais desse território hoje, como ele evoluir e como podemos evoluir juntos”, explica Rafael.

Pela mudança do clima, mapeando e protegendo nascentes, lutando pela segurança alimentar, mostrando a importância de um rio para um território, fazendo sua própria horta, não importa qual seja a luta desses jovens. Enquanto o mundo acompanha a lentidão da burocracia nos acordos internacionais, as novas gerações têm urgência e partem para a ação.

 

Mudar o mundo é fazer um esforço global executado localmente. As revoluções e transformações feitas a nível local, como por exemplo, o reflorestamento, as agroflorestas, o biomonitoramento, realizados pelo meu povo, bem como construir cidades mais sustentáveis com transporte público de qualidade, com menos desigualdades sociais e mais empregos verdes, podem mudar a realidade e, se executadas por todo o globo, podem mudar o mundo”
diz Txai Suruí.

“Mudar o mundo é fazer um esforço global executado localmente. As revoluções e transformações feitas a nível local, como por exemplo, o reflorestamento, as agroflorestas, o biomonitoramento, realizados pelo meu povo, bem como construir cidades mais sustentáveis com transporte público de qualidade, com menos desigualdades sociais e mais empregos verdes, podem mudar a realidade e, se executadas por todo o globo, podem mudar o mundo” diz Txai Suruí.

 


Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron